Alda Lara
Angola 1930 - Angola 1962
ALDA LARA (Alda Ferreira
Pires Barreto de Lara Albuquerque. Benguela, Angola, 9.6.1930 - Cambambe,
Angola, 30.1.1962). Era casada com o escritor Orlando Albuquerque. Muito
nova veio para Lisboa onde concluíu o 7º ano dos liceus. Frequentou
as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, licenciando-se por esta
última. Em Lisboa esteve ligada a algumas das actividades da Casa
dos Estudantes do Império. Declamadora, chamou a atenção
para os poetas africanos. Depois da sua morte, a Câmara Municipal
de Sá da Bandeira instituiu o Prémio Alda Lara para poesia.
Orlando Albuquerque propôs-se editar-lhe postumamente toda a obra
e nesse caminho reuniu e publicou já um volume de poesias e um caderno
de contos. Colaborou em alguns jornais ou revistas, incluindo a Mensagem
(CEI). Figura em: Antologia de poesias angolanas,Nova Lisboa, 1958; amostra
de poesia in Estudos Ultramarinos, nº 3, Lisboa1959; Antologia da
terra portuguesa - Angola, Lisboa, s/d (196?)1; Poetas angolanos, Lisboa,
1962; Poetas e contistas africanos, S.Paulo, 1963; Mákua 2 - antologia
poética, Sá da Bandeira, 1963; Mákua 3, idem; Antologia
poética angolana, Sá da Bandeira, 1963; Contos portugueses
do ultramar - Angola, 2º vol, Porto, 1969. Livros póstumos:
Poemas, Sá da Bandeira, 1966; Tempo de chuva (c), Lobito, 1973
PRELÚDIO
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce
com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas
grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz
de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses
meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses
meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não
sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de
voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no
regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste
vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..
Lisboa, 1951 (Poemas, 1966
PRESENÇA AFRICANA
E apesar de tudo,
Ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta
e do deserto,
ainda sou,
a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...
A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
Nascendo dos braços
das palmeiras...
A do sol bom, mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
Salpicando de sangue as
avenidas,
longas e floridas...
Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e
dormentes
(Rua 11!... Rua 11!...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos
fundos...
Sem dores nem alegrias,
de tronco nu
e corpo musculoso,
a raça escreve a
prumo,
a força destes dias...
E eu revendo ainda,
e sempre, nela,
aquela
Longa história inconsequente...
Minha terra...
Minha, eternamente...
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.
Ainda sou a que num canto
novo
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu povo!
Benguela,1953(Poemas,1966)
NOITE
Noites africanas langorosas,
esbatidas em luares...,
perdidas em mistérios...
Há cantos de tungurúluas
pelos ares!...
..........................................................................
Noites africanas endoidadas,
onde o barulhento frenesi
das batucadas,
põe tremores nas
folhas dos cajueiros...
..........................................................................
Noites africanas tenebrosas...,
povoadas de fantasmas e
de medos,
povoadas das histórias
de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos...
E os meninos brancos cresceram,
e esqueceram
as histórias...
Por isso as noites são
tristes...
Endoidadas, tenebrosas,
langorosas,
mas tristes... como o rosto
gretado,
e sulcado de rugas, das
velhas pretas...
como o olhar cansado dos
colonos,
como a solidão das
terras enormes
mas desabitadas...
É que os meninos brancos...,
esqueceram as histórias,
com que as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longas noites africanas...
Os meninos-brancos... esqueceram!...
1948-Outubro (Poemas1966)
TESTAMENTO
À prostituta mais
nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido
e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhamdo algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele
amigo
Que não acredita
em Deus...
E os livros, rosários
meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens
humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de
dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de
esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus
olhos,
Vás por essa noite
fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às
crianças
Que encontrares em cada
rua...
Rumo
É tempo, companheiro!
Caminhemos ...
Longe, a Terra chama por
nós,
e ninguém resiste
à voz
Da Terra ...
Nela,
O mesmo sol ardente nos
queimou
a mesma lua triste nos acariciou,
e se tu és negro
e eu sou branco,
a mesma Terra nos gerou!
Vamos, companheiro ...
É tempo!
Que o meu coração
se abra à mágoa
das tuas mágoas
e ao prazer dos teus prazeres
Irmão
Que as minhas mãos
brancas se estendam
para estreitar com amor
as tuas longas mãos
negras ...
E o meu suor
se junte ao teu suor,
quando rasgarmos os trilhos
de um mundo melhor!
Vamos!
que outro oceano nos inflama..
.
Ouves?
É a Terra que nos
chama ...
É tempo, companheiro!
Caminhemos ...
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