BREVE APRESENTAÇÃO DE UM POETA MINIMALISTA
Alberto Alexandre Martins é Mestre em Literatura Brasileira pela USP e, atualmente, doutorando em Artes Plásticas na ECA-USP. Poeta e artista plástico nascido em Santos, litoral paulista, reflete em sua obra influências da Serra do Mar e adjacências. No ano passado foi condecorado com o Jabuti de Poesia, além de acumular vários prêmios em Salões de Artes Plásticas. Sua poesia está publicada em Poemas (Duas Cidades, S.Paulo,1990), em Goeldi, A Linha do Horizonte (Paulinas, S. Paulo, 1995) e no inédito Dentes de Esqualo. Suas gravuras, esculturas e relevos habitam vários espaços da cidade de S. Paulo, tanto em exposições como em acervos permanentes. Jovem, já possui uma obra marcante e, quer nas artes plásticas, quer nas artes da palavra, seu nome é sempre lembrado quando o assunto é arte contemporânea. Nesta breve notícia sobre sua obra vou me ater à poesia. Fico devendo ao leitor algumas observações sobre a sua produção não-verbal. Sua obra, despojada das rebarbas comuns aos artistas novatos, é quase minimal. Despojada de verborragias, da saturação de imagens, lida apenas com o cerne duro das palavras. Em seus poemas as palavras cristalizam-se na concretude essencial dos substantivos. Fazem-se objetos. Densos objetos. Objetos curtos. Mínimos. Secos. Objetos densos como a palavra negada pelo silêncio e pela palavra não escrita. Refiro-me ao poema Litania : Grão de pó opaco a se queimar silêncio apesar do fogo, carvão apesar da voz tua dor é intraduzível na manhã ágrafa e solar. O poema Só o pó, que abre o livro Poemas, esculpe um grânulo diamantino, errante e vivaz. Este grão percorre um ritual profano-sagrado que visa à celebração da Poesia: Só o pó pode andar de verdade pelas ruas só o pó se esvai e continua a ser pó - hóstia miúda que o vento varre e empurra a cantos cada vez mais dispersos cada vez mais escuros sem voz, eu te saúdo (não canto apenas cuspo tanto pó que me ofusca)! O poema O que a mó opera uma fusão entre produtor e obra sob a égide da História. O poeta não precisou de mais de 30 palavras e nove versos para construir a imagem do tempo varrendo criadores e obras, num incessante movimento de fazer/refazer o objeto. As paronomásias perfuram os versos do poema, enfatizando a imagem de diluição: O que a mó guardou para si ao moer e o pó pensou da pedra ao ser puído agora uma vez ungidos (memória) todo o pó e todo o perdido Martins é artista do mínimo, do exato, das linhas retas, dos versos nominais. Podemos dizer, sem medo de errar, que a linguagem é a casa de Martins. Parece-me que é possível pensar a produção de Martins sob a tensão coisa-representação minimalista. Assim, sua obra ergue-se, antes de mais nada, como um questionamento do modo de fazer arte. Ele busca a linguagem mais exata na linguagem mais econômica. A poesia de poucas palavras e muitas imagens do livro Poemas desenvolve-se mais verbalmente em Goeldi - A Linha do Horizonte e em Dentes de Esqualo, sem perdr, contudo a concisão que a caracteriza. A secura do primeiro livro é embebida, por exemplo, pelas águas oceânicas de Dentes de Esqualo. O poema Desenho deixa bem claro isto: Céu, mar - linhas inseparáveis do pensar: a Terra é uma esfera. Fechada, aberta? Está completa? Pode-se remover o fundo? Poderia (como na lata de queijo Palmira) entreabri-la, devorar outros mundos? O espaço que a mente desenha só para si não interessa. Separada do corpo resta muito pouco que pensar: nuvens num céu que se põe a dissimular. Ou neste Esboço de estuário, onde a carne do homem é ferida pela lâmina da palavra. A Serra do Mar e seu mapa ondeiam nas águas ha História da Província, seus homens, seus peixes. O eterno por-fazer do poeta obriga-o a não fixar-se no estuário, mas no esboço(!) do mesmo: Lá atrás a espessura da Serra serra o mapa. Na frente a maré avança escalando rochedos os sinos da Igreja as casas do Concelho se alastrando - via mangue - até o Centro. Maresia: sal adverso que atravessa paredes emperra portas maçanetas e entranha nos ossos camadas irregulares de areia. Daí a ferida: esse fosso que não fecha e divide a cidade em sílabas-de-água & sílabas-de-terra. Daí o esboço que carrego: canal cheio de dragas margens enferrujadas - sórdido estuário! mas aberto para o mar e seus cardumes. O esboço (delineamento inicial do desejo) são as massas compactas das dragas e das ferrugens do porto, mas são também a enormidade do mar aberto e a abundância de peixes. Tanto nas gravuras como nos poemas a vida das águas marítimas fecundam o fazer artístico. O pó e as linhas retas revelam seu avesso: água e linhas curvas. A Serra do Mar é a paisagem de poemas e gravuras mais ventilados. O processo de criação se processa na tensão das linhas das formas da natureza. O esboço nos remete à idéia de matriz: mãe una de gravuras plurais. O poema Mãe deixa isso bem claro: A canção se desdobra em conchas, algas istmos um esqualo ronda a costa tua voz é o mar que liga a terra-seca e as ilhas Em Goeldi os versos substantivos entregam-se às indagações e às descrições. As gravuras de Goeldi ganham uma transparente narratividade, permitindo que uma reflexão poética se instale comodamente: O homem acordou no meio da noite: “Quem é que estica a linha do horizonte?”. Vestiu o chapéu, o capotão e abriu a porta. A noite parecia uma lona preta balançando num varal. “Vento que tanto sopra”- teimou o homem -, “pra que lado fica o fio desse horizonte?”. Mas o vento soprou suas palavras como um monte de trastes espalhados na calçada. Na esquina topou com um urubu. Molambento, desajeitado, tal qual um rei de piche, o urubu cabisbaixo. E o homem, que até aquela noite nunca tinha conversado com um bicho, aproximou-se do pássaro: - “Urubu, urubu você que voa em círculos por cima de toda a cidade, diga-me de que barbante, corda ou arame é feita essa linha que se chama linha do horizonte? Que molha e não enferruja? Toca na terra e nunca fica suja?” (.......................................................). A poesia de Alberto Alexandre Martins deixa transparecer um poeta que lida com os múltiplos aspectos da linguagem e jamais abre mão da economia verbal. Seus poemas, semelhantemente ao que disse Cabral sobre Gaciliano, parecem feitos com as mesmas vinte palavras. É que ele reduz ao essencial seu ofício. Interesa-lhe o tutano do objeto. A consistência do fato. A densidade do dizer. Por isto mesmo não teme adotar como tema uma serra e uma floresta. Tal como em Baudelaire, a presença da natureza não é um tardo romantismo ou um neo-romantismo. É apenas uma cena presente de que o Eu Lírico se vale para pensar urbana e contemporaneamente. Para AAM, tudo vale a pena, se a palavra for sempre grânulo de içar mentes. |