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Página atualizada em 04.09.1999
 
André Seffrin
andreseffrin@openlink.com.br 
in Jornal do Brasil, Idéias,
Sábado, 4 de setembro de 1999 
     

    Revisão de percurso poético 

    Moacyr Félix mostra o 
    melhor e pior de sua produção
    em livro catártico e sintético 

    Introdução a escombros
    Moacyr Félix
    Bertrand, 201 páginas
    R$ 20

    ANDRÉ SEFFRIN

     Tanto em Introdução a escombros quanto em Singular plural (Record, 1998), sem sub ou superestimar-se demasiado, Moacyr Félix faz uma revisão de seu percurso de homem e de poeta. Vale assinalar que "singular plural" é uma das definições mais adequadas para o seu itinerário de cantor da aurora socialista. Mas seu ponto alto, sem dúvida, está na lírica amorosa, em páginas desde já definitivas de nossa poesia contemporânea.

     Voltagem poética menor vamos encontrar na sua vertente política, filosofante e apologética, também muito presente nas páginas de Introdução a escombros, um livro que traz o melhor e o pior de sua produção. Todavia, é livro catártico, de acerto de contas consigo mesmo e com o mundo, uma espécie de síntese de tudo que o autor publicou até hoje, misto de caderno de anotações e profissão de fé na vida - uma vida que se transfigura na luta de um "singular plural". 

    Toda sua poesia pode ser lida como um longo canto à morte e ao amor ("a morte que anda dentro da vida"), e nestes "escombros" o poeta se revela mais machucado e sombrio. Contudo, não deixa de pensar "a história de cada um dentro da história de todos", num poema a que chamou "Pedaços de um diário de poeta", cuja parte final é o vértice das suas indagações de hoje, nas perspectivas intelectuais que o animam desde a estréia, com Cubo de trevas, em 1948.

     Título previsto pelo poeta desde meados dos anos 70, Introdução a escombros, como Singular plural, é um pequeno novo apanhado de sua poesia na versão que hoje considera definitiva, e que veio constantemente sendo reescrita nas antologias Um poeta na cidade e no tempo (1966), Invenção de crença e descrença (1978), ambas pela antiga Civilização Brasileira, e na Antologia poética (1993), pela José Olympio.

     Mas, é bom que se diga, a boa poesia vem agora acompanhada de um material que se publica sem os devidos cortes, algo como uma gaveta de guardados posta na rua como uma roupa ainda nos alfinetes e alinhavos. Faltou um copidesque para as diversas notas de pé de página, que atestam algumas deficiências da edição. Sem falar no excessivo da fortuna crítica, inútil e incômoda. De fato, muito ganharia sua poesia se fossem eliminados os prefácios do autor e a parafernália de textos que a acompanha sempre. 

    Se o que verdadeiramente interessa na obra de um escritor é antes de mais nada o que ele escreve, em edições como esta são dispensáveis os manuais e guias de leitura, função que cabe à crítica e ao ensaísmo posteriormente preencher. Neste passo, no prefácio que escreveu a Neste lençol (1977), Moacyr Félix perdeu a oportunidade de deixar a poesia chegar primeiro ao leitor, nesse que talvez seja o seu melhor livro. Pois muito da força elegíaca dos poemas de Introdução a escombros é soterrada pela enxurrada de textos, notas e dedicatórias encomiásticas. Perseguido por estas amarras circunstanciais, o poeta cada vez mais desgasta uma fortuna crítica considerável, cujo melhor destino seria a edição crítica que sua obra está a exigir, de reunião e estabelecimento definitivo de texto - que as suas sucessivas edições e reedições têm, de certa forma, desvirtuado. Trata-se de uma poesia que não necessita destas muletas para sobreviver. Longe de qualquer acessório, ela reafirma sua força em verdadeiras sínteses de seu itinerário: "Aproximar-se da oportunidade sexual como o escultor se aproxima da matéria a ser esculpida".

     Poeta do discurso numa época em que pouco valor se deu à poesia discursiva, seus pares estão muito próximos: Thiago de Mello, Ferreira Gullar, Geir Campos, Affonso Romano de Sant’Anna. Uma linhagem muito bem situada na literatura contemporânea. Entre todos, Moacyr é o que mais e melhor se entregou àquilo que podemos (com ele) chamar de militância poético-social. Nesse aspecto, foi sempre e continua sendo fiel a si mesmo. 

    André Seffrin é crítico e ensaísta 


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