Revisão de percurso poético
Moacyr Félix mostra o
melhor e pior de sua produção
em livro catártico e sintético
Introdução
a escombros
Moacyr Félix
Bertrand, 201 páginas
R$ 20
ANDRÉ SEFFRIN
Tanto em Introdução
a escombros quanto em Singular plural (Record, 1998), sem sub
ou superestimar-se demasiado, Moacyr Félix faz uma revisão
de seu percurso de homem e de poeta. Vale assinalar que "singular plural"
é uma das definições mais adequadas para o seu itinerário
de cantor da aurora socialista. Mas seu ponto alto, sem dúvida,
está na lírica amorosa, em páginas desde já
definitivas de nossa poesia contemporânea.
Voltagem poética
menor vamos encontrar na sua vertente política, filosofante e apologética,
também muito presente nas páginas de Introdução
a escombros, um livro que traz o melhor e o pior de sua produção.
Todavia, é livro catártico, de acerto de contas consigo mesmo
e com o mundo, uma espécie de síntese de tudo que o autor
publicou até hoje, misto de caderno de anotações e
profissão de fé na vida - uma vida que se transfigura na
luta de um "singular plural".
Toda sua poesia pode ser
lida como um longo canto à morte e ao amor ("a morte que anda dentro
da vida"), e nestes "escombros" o poeta se revela mais machucado e sombrio.
Contudo, não deixa de pensar "a história de cada um dentro
da história de todos", num poema a que chamou "Pedaços de
um diário de poeta", cuja parte final é o vértice
das suas indagações de hoje, nas perspectivas intelectuais
que o animam desde a estréia, com Cubo de trevas, em 1948.
Título previsto
pelo poeta desde meados dos anos 70, Introdução a escombros,
como Singular plural, é um pequeno novo apanhado de sua poesia
na versão que hoje considera definitiva, e que veio constantemente
sendo reescrita nas antologias Um poeta na cidade e no tempo (1966),
Invenção de crença e descrença (1978),
ambas pela antiga Civilização Brasileira, e na Antologia
poética (1993), pela José Olympio.
Mas, é bom que
se diga, a boa poesia vem agora acompanhada de um material que se publica
sem os devidos cortes, algo como uma gaveta de guardados posta na rua como
uma roupa ainda nos alfinetes e alinhavos. Faltou um copidesque para as
diversas notas de pé de página, que atestam algumas deficiências
da edição. Sem falar no excessivo da fortuna crítica,
inútil e incômoda. De fato, muito ganharia sua poesia se fossem
eliminados os prefácios do autor e a parafernália de textos
que a acompanha sempre.
Se o que verdadeiramente
interessa na obra de um escritor é antes de mais nada o que ele
escreve, em edições como esta são dispensáveis
os manuais e guias de leitura, função que cabe à crítica
e ao ensaísmo posteriormente preencher. Neste passo, no prefácio
que escreveu a Neste lençol (1977), Moacyr Félix perdeu
a oportunidade de deixar a poesia chegar primeiro ao leitor, nesse que
talvez seja o seu melhor livro. Pois muito da força elegíaca
dos poemas de Introdução a escombros é soterrada
pela enxurrada de textos, notas e dedicatórias encomiásticas.
Perseguido por estas amarras circunstanciais, o poeta cada vez mais desgasta
uma fortuna crítica considerável, cujo melhor destino seria
a edição crítica que sua obra está a exigir,
de reunião e estabelecimento definitivo de texto - que as suas sucessivas
edições e reedições têm, de certa forma,
desvirtuado. Trata-se de uma poesia que não necessita destas muletas
para sobreviver. Longe de qualquer acessório, ela reafirma sua força
em verdadeiras sínteses de seu itinerário: "Aproximar-se
da oportunidade sexual como o escultor se aproxima da matéria a
ser esculpida".
Poeta do discurso numa
época em que pouco valor se deu à poesia discursiva, seus
pares estão muito próximos: Thiago de Mello, Ferreira Gullar,
Geir Campos, Affonso Romano de Sant’Anna. Uma linhagem muito bem situada
na literatura contemporânea. Entre todos, Moacyr é o que mais
e melhor se entregou àquilo que podemos (com ele) chamar de militância
poético-social. Nesse aspecto, foi sempre e continua sendo fiel
a si mesmo.
André Seffrin é crítico e ensaísta