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Dalila Teles Veras

 

Glória literária

 

Há exatos 60 anos, o nosso grande poeta Manuel Bandeira era calorosamente homenageado pelo seu cinqüentenário e publicava o quinto livro de poesia Estrela da Manhã. Doente condenado aos 18 anos (não havia cura para a tuberculose naquela época), carregou pela vida toda o fantasma da morte. Contrariando todas as previsões médicas, a “indesejada das gentes” sómente o visitou aos 82 anos, já então, um poeta coberto de glória.

Que ninguém se iluda, glória de escritor não acontece assim, da noite para o dia, como costuma ocorrer com os astros de tv. Em contraponto ao trabalho silencioso que, raramente, inclui a perseguição da fama, o escritor leva a vantagem da certeza de que, uma vez conquistada, essa tal glória jamais o abandonará, esteja ele vivo ou morto. A própria característica da palavra impressa, que propicia o julgamento constante de várias gerações, cuidará de sua permanência.

Vejamos o que diz o próprio Manuel Bandeira, em Itinerário de Pasárgada, sua biografia literária: “aos cinquent’anos de idade pois, não tinha eu ainda público que me proporcionasse editor para os meus versos. A Estrela da Manhã saiu a lume em papel doado por meu amigo Luís Camilo de Oliveira Neto, e a sua impressão foi custeada por subscritores. Declarou-se uma tiragem de 57 exemplares, mas a verdade é que o papel só deu para 50”.

No volume Poesia Completa e Prosa, publicado pela Editora Nova Aguilar, RJ, 1977, consta como 47 o número de exemplares dessa edição, destinados apenas aos subscritores. De qualquer maneira, 47, 50 ou 57 exemplares, não deixa de ser uma tiragem, no mínimo, curiosa para um livro de um poeta que, hoje, é considerado um dos maiores de nossa língua.

Vale a pena lembrar que Manuel Bandeira já tinha, àquela época, publicado 4 livros e era bastante conhecido por suas crônicas e críticas em inúmeros jornais brasileiros e, mesmo assim, era obrigado a custear as edições de seus próprios livros.

Ainda dentro das comemorações dos 50 anos, os amigos fizeram editar o volume Homenagem a Manuel Bandeira (201 exemplares - um deles especialmente impresso para o homenageado em papel Ingres francês), com poemas, estudos críticos, comentários e impressões sobre o poeta. Trinta e três dos mais importantes escritores modernos do Brasil colaboraram nesse livro. Uma referência, como se vê, indispensável a quem deseje estudar a obra de Manuel Bandeira e a de sua geração.

Apesar de ter sido reeditada, em edição fac-similar, pela empresa Metal Leve, por iniciativa do bibliófilo José Mindlin, por ocasião do centenário de nascimento do poeta, em 1986, a Homenagem a Manuel Bandeira não se encontra disponível no mercado e, pela segunda vez, voltou a ser raridade bibliográfica.

Nem mesmo o estardalhaço das comemorações do cinqüentenário comoveu os editores, e o poeta continuou pagando a edição de seus livros ainda por alguns anos. Para se ter uma idéia, a primeira publicação de Poesias Completas, com acréscimo de uma parte de novos poemas, que o poeta chamou Lira dos Cinquent’anos, ainda foi custeada pelo próprio autor, em 1940, ano em que Manuel Bandeira entrou para a Academia Brasileira de Letras.

Hoje, sabemos que nem sempre a entrada para a Academia representa um aval de sucesso editorial e garantia de qualidade para ninguém, vide o encalhe das obras de Ivo Pintanguy e José Sarney, para citar apenas dois. Mas, no caso do nosso poeta, a entrada para a Academia foi um fator decisivo para convencer um editor da garantia do investimento. Mesmo assim, isso ocorreu somente em 1944.

Sem nunca ter entrado para a Academia, mas igualmente imortal, Drummond foi o nosso primeiro escritor a ter o seu “passe” disputado e comprado por uma editora, mas, nessa altura, o poeta estava à beira dos 80 anos. Até então, viveu de seu trabalho como funcionário público.

Ocorreu-me falar desses acontecimentos ao ouvir, pela enésima vez, uma federal choradeira de escritores sobre o fato de não encontrarem editor para seus livros. É só dar uma olhadinha na história da nossa República das Letras e verificar que não há nenhuma novidade nisso. Mesmo neste fim de século veloz, a espera e a persistência continuam sendo artes imprescindíveis a quem almeje a glória literária que, diga-se, na esmagadoria maioria, jamais é alcançada.
 


15 de maio de 1996

 

 

Manuel Bandeira
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