Edmir Domingues
RELAÇÃO PARA CRIANÇAS DE UMA VIAGEM DE VOLTA
DO PAÍS DO CARUARU.
Rolando pela auto-estrada
feita de solo-cimento,
ela, corre, corta o vento,
nossa máquina assanhada,
ao lado um campo de verde
e verde cada vez mais,
sob os cabelos cinzentos
dos verdes canaviais.
Corre, corre o nosso carro,
já na demanda do mar,
provando o sabor de ir
provando esse do voltar,
eis que súbito fumaça
ao lado chama a atenção,
são índios ao pé do fogo
entre agaves de pendão.
Percebemos o ataque
iminente, a já sofrer,
tomamos as nossas armas
prontos a nos defender,
as moças ensaiam gritos,
quase morrem de chorar,
enquanto os primeiros tiros
já se fazem escutar.
Não são índios de Águas Belas
foragidos do seu chão,
deixando as suas mazelas
longe do alcance da mão,
são índios de celulóide
(por certo ladrões de gado)
que perseguem nosso carro
cavalgando a nosso lado.
Os ventos que sopram forte,
alísios que vem dos mares,
parecem que não se espantam
com tão vistosos cocares.
Os índios correm na estrada
perseguindo o nosso carro
buscando roubar as nossas
boiadas de bois de barro.
Para roubar mantimentos
pintaram-se de urucu,
que, certo, sabem, trazemos
do país do Caruaru,
queijo coalho, carne seca,
limões, açúcar mascavo,
tangerinas e laranjas
da terra, laranjas-cravo.
Mas não, os nossos tesouros,
ai, não roubam assim, não,
fazem o fogo cerrado
trezentos rolam no chão,
o nosso carro galopa
como o mais puro alazão
salvamos os bois de barro,
nossa carne do sertão.
Ai, nos tornamos poetas,
eles, todos, eu e tu,
quando pisamos as terras
do país do Caruaru,
as juntas de bois de barro
rompem guarda e vigilância,
e nos devolvem de súbito
ao clima da nossa infância.
Outubro de 1960
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