José Mário Rodrigues
José Mário Rodrigues: nasceu em 23.7.47 em Flores (PE) e
é jornalista profissional em Recife. Publicou 8 livros de poesia
e escreve crônicas para o Jornal do Commercio e artigos para revistas
especializadas.
A SOLIDÃO E SEU CORPO
Toda solidão tem o seu corpo
às vezes apenas desejado
às vezes apenas na lembrança
de um tempo ido e que ficou marcado.
Toda solidão tem seu descanço
sem o desassossego de pensar
não repousa o corpo noutro corpo
mas tem o sono para flutuar.
Toda solidão é pesada e fria
e fica leve e se consome
e deixa cicatriz quando quer posse
e beija um corpo sem saber seu nome.
IGUAIS
a Magnólia
Cavalcanti
Todos somos iguais
nos deseperos
nas necessidades.
Todos nós somos essencialmente carnais
e viajamos pelos vulcões
onde fervem nossos arrependimentos.
Todos nós buscamos as mesmas
possibilidades
no amor que chega
senta à mesa
olha-nos com voracidade
e some para nunca mais.
Todos nós somos passagem
navegador de brumas
que não cruzaremos jamais.
PEQUENA BIOGRAFIA
Não amei ninguém.
Não me senti amado por ninguém.
Reuni alguns resíduos de paixão
o gosto de todas as alegrias
o desencontro de todas as esquinas
e a inutilidade de todas as palavras.
E nada mais.
OS MENINOS
Os meninos dormem nas calçadas do
Recife.
Todos os dias
o roteiro é sempre o mesmo:
vão em bando para além das esquinas
arrancam os nossos excessos
aspiram o cheiro dos seus sonhos
dissipam a voracidade de sua fome.
E voltam a dormir nas calçadas do Recife.
OFERENDA
Essas flores não se enterrarão
com os mortos
nem secarão sob o sol
dos cemitérios vazios.
Essas flores vão além dos jarros
em que elas se amontoam
e exalam o perfume
que flutua na constelação
de tua convivência
de tua morada.
Essas flores são tua eternidade
momentânea;
a lembrança mais discreta.
São o teu alívio
das feridas dos desfiladeiros do mundo.
Mansamente recolhe-as
para um jardim imaginário
em que, todos os dias,
recomeças as andanças dos mistérios.
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