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Luciano Almeida Filho


 


Os novent'anos de Patativa do Assaré

Cantiga da diáspora   


 

 
Luciano Almeida Filho
Especial para O POVO
 

Com a gravação de "A Triste Partida" por Luiz Gonzaga, a obra de Patativa do Assaré ultrapassou o universo dos cordéis e cantorias para os discos, livros e estudos universitários. Foi na música que sua poesia ganhou o Brasil e o mundo.

Numa levada dolente de toada sertaneja em 152 versos, a cantiga desfia as mazelas de um sofrido nortista que se vê obrigado a deixar seu pedaço de chão tão querido, ressequido pela falta de água e de espírito humano dos governantes, e tentar a sobrevivência em terras alheias. Luiz Gonzaga ficou impressionado com a força daquela cantoria quando a ouviu A Triste Partida pela primeira vez de um cantador na feira de Campina Grande (PB).

Não se aquietou enquanto não conheceu o autor daqueles versos. Encontrou-o morando no Crato (CE). Pediu permissão para gravar sua toada. Em troca, queria a parceria. O poeta mandou o Rei do Baião plantar feijão pois suas obras não estavam à venda. Mesmo com a recusa, Luiz Gonzaga sabia que a música seria importante. A faixa virou título do LP lançado no final de 1964, e se tornou uma de suas preferidas e a única que sempre dava o crédito do autor nas apresentações.

A gravação de A Triste Partida levou a obra de Patativa do Assaré para além do universo dos livretinhos de cordel, das cantorias de feira e romaria, para os discos, livros e universidades. Depois dele, dezenas de outros compositores / cantores foram beber na extensa obra poética de Patativa, pródiga em cantar as mazelas e sofrimentos das vítimas da diáspora sertaneja. Fagner gravou Sina e depois Vaca Estrela e Boi Fubá, que se tornou a música de Patativa com maior número de regravações.

Vaca Estrela... foi a protagonista de outra pendenga entre Gonzaga e o poeta. O cearense já havia passado procuração para Luiz Gonzaga, mas pediu o documento de volta dando autorização para o Trio Nordestino (veja carta reproduzida ao lado). Gonzagão só a gravaria em 84, em dueto com Fagner. Diversos compositores vêm usando a poesia de Patativa para enriquecer seus trabalhos - destaque especial para os caririenses Luís Fidélis - Sem Terra - e Abidoral Jamacaru - O Peixe. Em certos casos chegam a musicar a mesma poesia mais de uma vez, mas nem sempre as melodias correspondem.

Sua poesia é tão respeitada que provou até sobreviver aos modismos. Já foi gravado pelos artistas de forró mais modernos - Mastruz com Leite e Alcymar Monteiro. Mas apresentar Patativa para novas linguagens é um mérito de Daúde. A cantora baiana transformou Vida Sertaneja (uma espécie de carta de apresentação do poeta-roceiro) num rap-repente, que encerra dando o crédito: "...Isto é, isto é Patativa do Assaré''.

Patativa do Assaré novamente é perpetuado para as novas gerações, se tornando contemporâneo do mangue-beat e de outras releituras da tradição musical nordestina.

Faroeste sertanejo
 

Não é nenhuma heresia apontar o tal João de Santo Cristo, personagem central de "Faroeste Caboclo'', de Renato Russo, como filho do retirante nortista sofredor de "A Triste Partida'', de Patativa do Ceará. O mesmo ímpeto que levou aquele lavrador buscar sua sobrevivência em terras alheias, na esperança de retornar para o seu sertão querido tão logo as primeiras chuvas começassem a molhar seu chão, levou aquele rapaz a buscar sua felicidade no Planalto Central.

Quando a saga brasiliense ganhou as paradas de sucesso em 1988 na interpretação da banda Legião Urbana, foi recebida como um fenômeno único na história do rádio brasileiro. Não era. 24 anos antes, "A Triste Partida'' redimiu a carreira de Luiz Gonzaga, então considerado pelos bossanovistas como uma figura cafona, jeca, e sua carreira tinha entrado em decadência na mídia do sul.

Na pioneira saga de Patativa, o nortista nunca perde suas referências e continua trabalhando honestamente, pensando sempre em voltar para seu "torrão natal". A tragédia de Renato Russo mostra um personagem sem muitas referências, que logo perde qualquer traço de moralidade. Ambos caem na marginalidade. O primeiro, a poesia deixa no ar a vida de um favelado ganhando a vida humilhado em sub-empregos na periferia de alguma metrópole. O segundo assume o banditismo em busca de seu amor. "A Triste Partida'' termina em reticências. "Faroeste Caboclo'' tem um ponto final trágico. Mas os dois queriam uma coisa simples: viver bem ao lado dos seus. (Colaborou Edilberto Cavalcante Reis)

DISCOGRAFIA DE PATATIVA

1979 - Poemas e canções
1981 - A terra é naturá (também em CD)
1985 - Patativa do Assaré (Projeto Cultural do BEC)
1989 - Canto nordestino - 80 anos de luz
1994 - 85 anos de poesia (também em CD)
1995 - Patativa do Assaré 88 anos de poesia

QUEM GRAVOU POEMAS DE PATATIVA

Luiz Gonzaga - A Triste Partida, 1964
Raimundo Fagner - Manera Fru-Fru, 1973 (faixa: Sina)
Raimundo Fagner - Raimundo Fagner, 1980 (faixa: Vaca estrela e boi fubá)
Quinteto Agreste - música vencedora do I Festival Credimus da Canção, parceria de Patativa do Assaré com Mário Mesquita (Seu dotô me conhece), 1980
Massafeira Livre - Patativa do Assaré, disco 1, lado B (faixa: Senhor Doutor),
Som Brasil - Participação de Patativa do Assaré, gravada ao vivo no Programa Som Brasil, dia 30 de novembro de 1981
Quinteto Agreste - Quinteto Agreste (faixa: Vaca estrela e boi fubá)
Criação coletiva - Seca d'Água, 1985, a partir de poema de Patativa
Alcymar Monteiro - Rosa dos ventos, 1987 (faixa: Sofreu)
Joãozinho do Exu - Lembrando você, 1993 (faixa: A natureza chora)
José Fábio - José Fábio, 1994 (faixas: Vaca estrela e boi fubá, Menino de rua, Lamento de um nordestino e Estrada da minha vida)
Mastruz com Leite - O Boi zebu e as formigas, 1995 (faixa título)
Sérgio Reis - Marcando estrada, 1995 (faixa: Vaca estrela e boi fubá)
Cícero do Assaré - Meu passarinho meu amor, 1996 (faixas: Meu passarinho meu amor e Lamento de um nordestino)
Mastruz com Leite - Em todo canto tem cearense, inclusive neste cd (faixa: Sem Terra)
Fagner - 20 Super Sucessos II (faixa: Vaca estrela e boi fubá)
Pena Branca e Xavantinho - Cio da terra, 1996 (faixa: Vaca estrela e boi fubá)
Gildário - Sou Nordestino (faixas: Saudade, Tenha pena de quem tem pena, Assaré Querido e Sou Nordestino)
Cláudio Nucci e Nós & Voz - É boi (faixa: Vaca estrela e boi fubá)
Alcymar Monteiro - 3° Circuito de Vaquejadas, 1997 (faixas: Ingém de ferro e Nordestino sim, nordestinado não)
Renato Teixeira e Pena Branca e Xavantinho - Ao vivo em Tatuí (faixa: Vaca estrela e boi fubá)
Gildário - Agora (faixas: A tristeza, Saudação a Juazeiro, Morena e Mastruz com Leite
Baby Som - Quente e Arrochado - Volume 2 (faixa: Ao rei do baião)
Alcymar Monteiro - Eterno moleque (faixa: Minha viola)
Daúde - Daúde, 1994 (faixa: Vida sertaneja)
Abidoral Jamacaru - O Peixe, 1997 (faixa título)
Simone Guimarães - Cirandeiro, 1997 (faixa: Sina), com crédito para Patativa do Assaré
Cantorias e Cantadores 2 - Pena Branca e Xavantinho (faixa: Vaca estrela e boi fubá). Kuarup Discos, s/d
José Fábio - José Fábio canta Patativa do Assaré, 1998

Fonte: Professor Gilmar de Carvalho e jornalista Nelson Augusto

 



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07/07/2006