Manuel Alves
Manuel Alves: nasceu no lugar do Vale de Boi, freguesia da Moita,
Anadia, em 15 de Outubro de 1841 faleceu em 24 de Julho de 1901.
Analfabeto e Cantor e repentista
Autor do livro "Versos dum Cavador"
Erigiram-lhe urn monumento em 195 7
SAUDADES DA PÁTRIA
Pela Pátria chorei tanto
Quando me vi no Brasil!
Chorei lágrimas às mil,
Dei liberdade ao meu pranto.
Chorei o meu torrão santo,
O melhor de todo o mundo,
Chorei lágrimas do fundo,
Da raiz do coração.
Adeus, ó paz e união!
Adeus, ó viver jocundo!
Nunca pensei que a saudade
Pela pátria fosse tanta!
Mas minha Pátria é uma santa
P'rós filhos da liberdade.
É mãe e tem caridade.
É valente e é guerreira;
Tem dó, mas é justiceira:
Dá castigo aos infiéis,
É exacta nas suas leis,
Não há mãe mais verdadeira.
Ela é mãe e tem amor,
E se dá castigo ao pobre,
Dá também castigo ao nobre
Com mais audácia e rigor.
Castiga quem quer que for,
Ou ministro ou patriarca...
De Noé é a santa Arca,
A mãe-pátria é um paraíso;
Castiga sendo preciso,
Ao seu rei, ao seu monarca.
Tu, nos solos africanos,
Foste forte e tão valente
Que curvaram em tua frente
Os guerreiros mais ufanos.
Os corações lusitanos,
Cheios de patriotismo,
Fizeram cair no abismo
Toda a raça gungunhana!
Eis a pátria lusitana
Coberta de brilhantismo!
Pobre pátria portuguesa,
Quem deixará de te amar!
Quem nas terras d'Além-Mar
Viu qual foi tua nobreza!...
Nobre é tua realeza,
Nobres são os teus guerreiros,
Nobres são teus cavaleiros,
São nobres os teus pendões,
São-no também teus canhões,
Como o são teus marinheiros!
Diz, ó pirata Inglaterra,
Que viste mais d'uma vez
Quanto é bravo o português
Seja em mar ou seja em terra...
Diz se algum povo na guerra
Como ele ganhou vitória;
Percorre e lê toda a história
Das guerras de Portugal.
Que hás-de tremer afinal
Ao veres tanta glória!
A morte no meu país
Como aqui também é morte;
Mas quem lá morre por sorte
É no morrer mais feliz.
Logo os sinos da matriz
Dão o fúnebre sinal...
Aqui segredo leal
'Té baixar à sepultura...
Porém se a morte é doçura
É mais doce em Portugal.
Aqui onde morre tanto
Cidadão meu português
Não se escuta uma só vez
O eco do bronze santo!
Aqui não se verte pranto,
Não se chora o cidadão,
Ninguém lembra uma oração
Por alma do velho pai!
Aqui não se escuta um ai
Nascido do coração!
Minha pátria, ó mãe querida,
Ó meu sagrado ideal,
Leva-me ao meu Portuga1,
luro por ti dar a vida!
Neste pais sem guarida
Há um filho que te quer tanto…
Vem, Pátria, enxugar meu pranto
Consolar um peito hurnano:
Leva-me ao lar lusitano,
Ao rneu berço sacrossanto.
Mas se a minha Pátria, ó Deus,
Não escutar este fi1ho,
Com tua luz, com teu brilho,
Leva-me aos lar's que são meus:
Desce lá dos altos céus
Ser o meu barco, o meu guia...
Com teus hinos de harmonia
Feliz seguirei viagem,
a gozar da doce aragem
À Pátria da monarquia!
Na tua barca profeta
Quem deixará de ir seguro?
Mesmo por noite de escuro
Corta os mares em linha recta.
Desejava ser poeta,
Gravar meu nome na história,
Queria escrevê-1a em memória,
Legá-1a à pátria que é minha,
Dentro da sua barquinha
Cantando hinos de glória!...
Desce dos sacros altares
Quebrar dos mares a vingança,
Cobre as ondas de bonança,
Abranda a fúria dos mares!
Leva-me aos meus pátrios lares,
À terra onde eu nasci...
Ò Deus, leva-me d'aqui
Ao meu santo Portugal;
Eu não temo o vendaval
Sendo guiado por ti.
Baixa dos céus, vem guiar-me,
Leva-me à pátria tão querida;
Se encontrar minha mãe viva
Quero com ela abraçar-me!
Quero ir humilde curvar-me
Perante quem me embalou;
Quero ver quem me chorou,
Quem por mim deu tantos passos;
Quero ir cair nos braços
Daquela que me gerou!
Vem, ó Deus, ser meu barqueiro,
Leva-me à minha Lisboa
Ver de perto a alma boa
D'um povo que é marinheiro.
Leva-me ao real mosteiro,
Ao convento de Belém,
Leva~me, ó Deus, mais além,
Ao norte de Portugal,
A minha terra natal,
A casa da minha mãe!...
MORRI, JA NÃO SOU POETA,
DE ESCREVER CANSOU A MÃO!
OS VERSOS QUE TENHO FEITO
POR ELES SINTO PAIXÃO.
Se a poesia tem acções
Que ofendem tanta pessoa,
Porque é que a nobre Lisboa
Festeja o grande Camões?
Mesmo as divinas canções
Vêm do céu por linha recta...
Mas visto que a mão secreta
Constantemente ameaça,
Chegou a minha desgraça:
MORRI, JA NÃO SOU POETA!
Meus versos estão cansados,
Visto que para eles morri...
Estes que eu canto hoje aqui
Fui pedi-los emprestados.
Os meus foram protestados
Por uma infame mão,
Que jurou tentar acção,
Fazer guerra à poesia...
Mesmo quem m'os escrevia
DE ESCREVER CANSOU A MÃO!
Os pastores da Galileia,
Junto à lapa de Belém,
Cantaram versos também
Ao Cristo, rei da Judeia...
Mas hoje a moderna ideia
Ao verso chama defeito!
Consta que um certo sujeito
Mandou já pôr editais
Para eu não cantar rnais
OS VERSOS QUE TENHO FEITO!
O grande João de Deus,
Esse poeta moderno,
Por versos mostrou o inferno,
Por versos falou dos céus!...
Porque é que aos versos meus
Se proíbe a execução,
Quando muitas vezes vão
Cingir a honra entre a palma!?
Ai, versos da minha alrna,
POR ELES SINTO PAIXÃO!
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