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Maysa Miranda
Poética do A (O) caso 
in A Tarde,
02/04/99
 
 

A estética da poesia marginal deve orientar-se nos seus múltiplos aspectos ao estudo da poesia de produção alternativa, divulgada à margem da editoração oficial, porém ocupando seu espaço na literatura, no contexto de fruição da lírica nacional. Salvador, em certo momento, foi escoadouro de significativa parcela de produção e de recepção da poesia das ruas, do corpo a corpo dos poetas nas filas dos cinemas, dos teatros e outras; nos bares, nas praças, nos institutos culturais, nas escolas, nas editoras, e até na sala de aula de alguns professores liberais.

Mas o que seria a Poesia Marginal que aparece nos compêndios escolares ao lado da Poesia Concreta, do Poema Processo? A Poesia Marginal não parece ter existência conceitual muito precisa, pois redundante seria o processo alternativo da lírica. A libertação das palavras das algemas do cotidiano resulta do lapidar, do recortar, colar, ensacar, montar, contar, rimar, do literariar, em suma. Tal expressão só pode ser entendida no contexto sócio-político-econômico do capitalismo, no cenário dos anos de maior repressão, num período que vai do final dos anos 60 aos primeiros anos dos 80. Editoração, publicação e divulgação atuam à margem do sistema vigente, atacando-o contraditoriamente pelos flancos marcantes do consumismo burguês, do ter sobre o ser. 

Os poetas alternativos levaram a poesia para as ruas, democratizaram a arte, declamaram bem alto, para que os hermanos nos ouvissem, e reforçaram seus cantos com idéias e formas. Salvador já foi palco de todo tipo de publicação alternativa. Cartões, camisas - para esses poetas quase tudo serve de suporte lírico: o papel, a brochura, a xerox, o espaço, vozes ecoando nas praças, nos palcos, nas telas dos cinemas, nos pátios, nos bares, nas calçadas.

Assim entendida, a Poesia Marginal revela-se como processo criador duplamente revolucionário na linguagem, posto que poético e político em seu nascedouro, trazendo como arma o resgate da oralidade perdida com o surgimento da escrita, agravada pela impressão. Dupla face, com tradição vanguardista.
O poeta é um ser em relação com a palavra, com a fala. Tem todas as fomes do pão da palavra, e tem “essa fome” do “sonho faminto subnutrido de liberdade, engolindo o gosto da própria fome”, como já disse um desses marginais da poesia. Revela-se a outras fomes, de proteínas, de mulher e de justiça.

Fantasmas rondam as cabeças desses poetas dos anos 70/80, a Terceira Lâmina de Zé Ramalho da Paraíba? Em 1976, Fragmentos de Márcio Salgado revela um lirismo temperado com “flores atômicas” de um Jorge Mautner? Dirceu Regis, em 1975 lança compromisso onde declara: “E meu canto faz-se alimento, alento dos esquecidos”. Semírames Sé, a representante das mulheres nos movimentos alternativos, alternados pelo grupo Poetas na Praça, radicalizava o procedimento da lírica emergente: “É o dito pelo dito”. Assim, o poeta é visto como um operário. Incansável, em eterna vigília, a ponto de figurar meses nalgum muro da cidade a inscrição: “O operário é um poema censurado”.

A libertação promovida pela estética marginal descreve uma trajetória que vai do mais engajado texto a uma maior experimentação performática, na pura busca do fazer inerente à contracultura, presente nas comunidades alternativas, onde se curtia o exoterismo e a poesia, como parte de um barato total, também como forma de protesto, deixemos que falem os verbos anavalhados de Antônio Short:

“Pregarei a minha incoerência / na colheita da igualdade / Que se despedaça com medo / da safra do dividir”. Anjurbano que precocemente nos deixou a marca de um verso marginal, da sua dicção perfeita, em performances evocadoras de Gregório de Mattos, de Castro Alves, dos ecos das poesias nas praças, na cara das pessoas.
Em 1976, Nathaniel Braia aparece com um título que dá conta do procedimento estético: Lodo Marginal. Um pouco depois, Lurdes Motta, recém-saída da Oficina de Criação Ilufba, o espelho da palavra, diz que: “No mais, tudo é marginal”.

Para Douglas de Almeida, os resíduos da alma doem mais por isso: “Canto mágoas/Canto Máscaras/Canto Sofrimento”. Longe de uma temática supostamente escatológica, naquele mesmo ano, um certo João Gualberto lança Um Visor Vomita Versos, um trabalho em que a forma da estética concretista é apenas vestíbulo, ou fundo para os mesmo versos-lâminas. Na esteira do lixo urbano, encontramos Dejetos Urbanos, de Lula Miranda e Bronha de Guiba. “Os becos são asilos de Mijo e Esperma”. (Vasconcelos e Guiba)

Muitos foram os nomes que movimentaram o circuito alternativo de poesia na Bahia, mas, entre muitos, registrando-me como fruidora, embora estivesse especialmente instigada a fazer pesquisa sobre a criação literária, como aluna e monitora de Teoria da Literatura, jamais dispensei uma criação desses poetas. Tudo que me chegava às mãos diariamente pela cidade, os ecos da vida, a censura, a música e a literatura, fonte de engajamento naquele mundo de malucos e caretas.

Geraldo Maia, Manuka, Lula Miranda, Douglas de Almeida, Agenor Campos, Walter César, Antonio Short, Pedro César e Semírames Sé. A expressão Anjurbano define bem a estética desses combatentes da oralidade, como disse, em entrevista a A TARDE, Antônio Short, onde se se definia como um deles e em nome deles, afirmando que nunca foram contra a grande produçãoda poesia institucinalizada, mas que preferiam o contato mais direto com o público.

Seguindo o processo de escrita/editoração/divulgação, algumas publicações mostram-se mais freqüentes, marcando o cenário alternativo, como República das Bananas (1979/1980); Caspa (1981); Sem Perfil; Ecos da Poesia na Praça (1985/86/87). Alternativo? Marginal? Poético. Único adjetivo possível, em meio a uma massa substantiva singular. Seria menos marginal um Agripino de Paula, ou a antena de Evelina Hoisel em o Supercaos? Até onde irão os limites entre produção cultural e poder?
No mais catedrático instituto nasce a rebeldia de algum maldito. Entre os executivos engravatados haverá um Mascarenhas que jamais capitalizou seus versos, pois os deixa numa mesa como se fossem um guardanapo sujo. Ali no restaurante, no guardanapo, ele deixa escrito: “A gente não esquece com a desculpa / nem tão pouco com a bússola / A gente junta pra se perder.” // “Deleite-se em deletar os versos maus / Para não delatar os delitos do amigo” (Creuzinha Capadócia)

A estética alternativa já foi até certo ponto absolvida pela sociedade do consumo como moda, mas os anseios e muitos problemas da nossa sociedade permanecem os mesmos, embora haja um grande alerta geral, vindo da própria sociedade. Os poetas continuam a malhar em seu suor e sangue.

Este trabalho é um resumo de uma pesquisa cujo corpus está incompleto, pois mesmo quando não se teve a posse dos textos, algo ficou anotado – de uma camiseta velha, de um postal-poema, ou de um poster na casa de um amigo, ou deixado numa exposição.
Nascida em São Félix (Bahia), Maysa Miranda é 
poeta, contista, ensaísta e 
professora. Publica desde 1984, quando ganhou um concurso de contos. 
É autora do livro Seixo Rolado, poesia, entre outros.


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