Sílvia Bessa
Os novent'anos
de Patativa do Assaré
Boi zebu e
as formigas
Sílvia Bessa
da Editoria de Cidades
Cante lá que eu canto cá está na
biblioteca da universidade de Sorbone mas Patativa continua com sua
vida simples em Assaré. O contraste entre a notoriedade da obra e a
fragilidade financeira do poeta desperta suspeitas. Mas as
gravadoras e editoras garantem que repassam os direitos autorais a
Antônio Gonçalves da Silva. A família confirma depósitos na conta
bancária, mas prefere não revelar as quantias.
"Não faço comércio da minha lira",
declama o Patativa. Frase já gasta, tantas vezes dita em conversas e
entrevistas. Ele continua: ``Se fizesse eu estava era rico''. Será?
Dizem que o poeta é explorado e sua situação financeira não
corresponde ao reconhecimento de sua obra. O fato é que, se a vida
em Assaré é simples, a relação entre arte e indústria cultural é
complexa. Gravadoras e editoras garantem que respeitam todos os
direitos de Antônio Gonçalves e depositam periodicamente quantias em
sua conta bancária.
O chefe do Departamento de Direitos
Autorais da Editora Vozes, Aloísio Stumpf, explica que Patativa
recebe uma porcentagem sobre todos os exemplares vendidos de seus
livros, entre eles, Cante lá que eu canto cá - que já teve nove
edições, desde 1978, num total de 28 mil exemplares publicados.
Patativa confirma o repasse, mas
reclama: ``A Vozes, lá em Petrópolis, publicou os meus livros e
fazia comércio. De 100 mil, ela tinha 90 mil e eu 10 mil. Não é
pouco?'. Aloísio Stumpf diz que não, ele argumenta que esta é a
maior porcentagem concedida pela empresa aos autores.
Pois que preste contas a indústria
fonográfica. A lista de cantores que gravaram músicas e letras de
Patativa é extensa, variada e recheada por alguns casos polêmicos
(leia matéria ao lado). As gravadoras que recentemente utilizaram
suas obras, no entanto, mostram a autorização do poeta e garantem
que o pagam pelos direitos autorais.
A Natasha Records exibe a autorização
de seu Antônio Gonçalves para que a cantora baiana Daúde
interpretasse em seu primeiro CD a música "Vida Sertaneja''. Pelo
acordo, 8,4% do preço de venda do CD no varejo é dividido pelo
número de autores das faixas do produto, entre eles, o Patativa.
A Som Zoom também teve a concessão do
poeta para utilizar algumas de suas músicas. A banda Mastruz com
Leite gravou "O boi zebu e as formigas'', em 1995, e posteriormente
a banda Baby Som gravou "Ao rei do baião''. Francisco Bem de
Oliveira, da editora Som Zoom, explica que o CD do Mastruz com Leite
vendeu 60 mil cópias e os direitos autorais foram repassados ao
Patativa, assim como a todos os outros compositores com trabalhos
incluídos.
Iracildes Barroso, da Kuarup Discos,
também afirma que Pena Branca e Xavantinho gravaram "Vaca estrela e
boi fubá'' com a permissão do poeta e sua participação na venda dos
CDs é repassada regularmente. "Se quiser confirme com a BMG'',
desafia.
A BMG Ariola é a editora de Patativa.
É ela que recolhe das gravadoras os direitos autorais do artista. A
BMG tem interesse neste pagamento porque ganha uma porcentagem. O
setor de copyright da empresa afirma que o dinheiro é recolhido
normalmente e depositado a cada três meses em sua conta bancária. A
neta de Patativa, Isabel Cristina, confirma o repasse, mas prefere
não comentar a quantia. "Falei com vô e ele acha melhor não falar
isso'', diz.
A conta no Banco do Brasil recebe
ainda depósitos da Associação Nacional de Autores, Compositores e
Intérpretes de Música (Anacim), referentes a utilização pública das
músicas de Patativa em programas de rádio e shows. Durante a década
de 70 e 80 - quando as músicas do poeta foram mais executadas na voz
de Luiz Gonzaga e Fagner, por exemplo - o autor não recebia pela
execução por não pertencer a nenhuma associação. Somente a partir de
1997, quando filiou-se a Anacim, é que começou a receber estes
direitos. A família também prefere não divulgar a quantia mas o
Anacim assegura que houve pagamento em janeiro e fevereiro deste
ano.
Do sertão para a academia
O livro estava na biblioteca da
Universidade de Sorbonne, França, e o poeta era citado nas aulas do
professor Raymond Cantel, do mestrado em Literatura Estrangeira. A
obra: "Cante lá que eu canto cá''. O autor: Antônio Gonçalves da
Silva, o Patativa do Assaré.
Martine Kunz, que atualmente é
professora do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade
Federal do Ceará (UFC), era uma das alunas do professor Cantel.
"Patativa era sempre citado como um grande poeta popular. Seu livro
era consultado como referência de poesia popular'', conta.
O professor Luiz Tadeu Feitosa, do
Departamento de Comunicação Social e Biblioteconomia, justifica o
interesse pelo poeta cearense: "Patativa utiliza o nordeste
brasileiro como matriz para cantar o mundo. Ele tratou de temáticas
que vão muito além de seu cotidiano, da serra de Santana. São
universais. Por isso, digo que sua obra é um misto de sabedoria e
mediunidade''.
Tadeu Feitosa é doutorando em
Sociologia pela UFC e tem Patativa como objeto de sua tese. O
projeto tinha o título provisório "O mundo midiático de Patativa do
Assaré - Em busca da nordestinidade''.
Gilmar de Carvalho, doutor em
Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, é outro acadêmico que
se debruça sobre a obra de Patativa do Assaré. Ele conta que começou
a estudar o poeta em 1994. A pesquisa rendeu um livro que deve ser
lançado ainda este ano.
O poeta de Assaré também serviu como
tema para Maria Silvana Militão de Alencar que em 1997 defendeu a
dissertação "A Linguagem Regional Popular na obra de Patativa do
Assaré'', no mestrado em Lingüística da UFC.
Bem antes disso, em 1984, o aluno do
curso de especialização em Letras, na Faculdade de Filosofia do
Crato, Francisco de Assis Brito, defendeu "Metapoema em Patativa do
Assaré: uma introdução ao pensamento literário do poeta''.
Sina de polêmica
A "Sina'' era a polêmica. A música
gravada no LP "Manera Fru-Fru'', de 1972, tinha versos de Patativa
do Assaré mas dava os créditos a Raimundo Fagner e Ricardo Bezerra.
O Cariri ficou em povorosa. Falou-se em processo mas um acordo
resolveu o impasse: a música seria novamente gravada, no próximo
disco do cantor, e receberia o crédito correto. Mais de vinte anos
depois, "Manera Fru-Fru'' é relançado, desta vez em CD, e Patativa
não está lá. O erro também é reeditado.
Raimundo Fagner explica o que
aconteceu em 1972. "Faço questão de esclarecer publicamente que a
culpa foi do meu parceiro que me entregou o poema e não disse que
era do Patativa'', garante. Ele acrescenta ainda que "apesar dos
xiitas do Cariri", que tentaram fazer a cabeça do Patativa contra
mim, ele sempre foi muito gentil''. Fagner também ressalta que,
depois deste episódio, ele produziu os dois discos do poeta, fez
shows pelo Brasil ao seu lado e tornou-se um amigo próximo.
Ricardo Bezerra dá sua versão:
"Comprei o livro no sebo do Alcides Pinto. Gostei de uma poesia,
musiquei e mostrei para o Fagner. Lembro inclusive que mostrei o
livro e ele me pediu pra levar. Depois, o Fagner foi para o Rio de
Janeiro, colocou novos versos na poesia e gravou. Se ele
esqueceu...".
OBRAS DE PATATIVA
-
Inspiração nordestina. Rio de
Janeiro, Borsoi Editor, 1956
-
Inspiração nordestina - Cantos do
Patativa. Rio de Janeiro, Borsoi Editor, 1967
-
Cante lá que eu canto cá.
Petrópolis, Vozes, 1978 (5° Edição)
Ispinho e fulô. Fortaleza, Ioce, 1988.
-
Balceiro, Patativa e outros poetas
de Assaré. Organizado por Patativa do Assaré e Geraldo Gonçalves
de Alencar. Fortaleza, Secult/Ioce, 1991
-
Aqui tem coisa. Fortaleza, Secult/Ioce,
1994
-
Cordéis do Patativa. Caixa com 13
folhetos. Juazeiro do Norte, Lira Nordestina (edição da Secult
com apoio da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte)
OBRAS QUE CITAM PATATIVA
-
O matuto cearense e o caboclo do
Pará. José Carvalho. Fortaleza, Imprensa Universitária, 2°
edição, 1973
-
Patativa do Assaré. Novos poemas
comentados. J. de Figueiredo Filho, Fortaleza, Imprensa
Universitária, 1970
-
Cultura insubmissa. Rosemberg
Cariry e Oswald Barroso. Fortaleza, Secult, 1982
-
O metapoema em Patativa do Assaré:
Uma introdução ao pensamento literário do poeta. Francisco de
Assis Brito. Crato, Faculdade de Filosofia, 1984.
-
Filosofando com Patativa. Jesus
Rocha. Fortaleza, Stylus Comunicações, 1991
-
Um certo planeta azul. Luiza de
Teodoro Vieira. Fortaleza, Seduc, 1994
-
Nordestinos. Coletânea poética do
Nordeste brasileiro. Organizada por Pedro Américo de Farias.
Lisboa, Editorial Fragmentos, 1994.
-
Patativa e o universo fascinante
do sertão. Plácido Cidade Nuvens. Fortaleza, Unifor, 1995
-
Letras ao sol. Antologia da
Literatura Cearense. Organizada por Oswald Barroso e Alexandre
Barbalho. Fortaleza, Fundação Demócrito Rocha, 1998
-
Brasil bom de bola. São Paulo,
ABN-AMRO Bank, 1998
Fonte: Banco de Dados do O
POVO e professor Gilmar de Carvalho
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