Mestre da métrica
[in jornal A Tarde, Cultural, 06.03.1999]
Tatiana Lima
O decano dos poetas baianos, Bráulio de Abreu, completa, amanhã,
96 anos em plena atividade produtiva, como demonstram alguns inéditos
de sua autoria publicados adiante. De origem humilde, tendo trabalhado
como alfaiate e funcionário público, Abreu foi seduzido pela
rigorosa métrica da poesia parnasiano-simbolista. Estudou somente
até o terceiro ano primário, mas, quando rapaz, passou a
dedicar as poucas horas livres ao aprimoramento dos seus conhecimentos.
Ambicionava ser poeta, o que conseguiu, não sem esforço próprio
e o apoio dos amigos, do grupo conhecido como Turma da Baixinha – por freqüentar
o Café Progresso, na Baixa dos Sapateiros, até o horário
da saída do último bonde.
Em 1928, era lançada a revista Samba, da qual foi um dos fundadores,
ao lado de Nonato Marques e dos já falecidos Pinheiro Viegas, Alves
Ribeiro, Elpídio Bastos, Ângelo Gomes da Costa, Deocleciano
Martins de Oliveira, Otto Bittencourt Sobrinho, Aníbal Rocha, Clodoaldo
Milton, Raimundo Penaforte. Teve poemas publicados em antologias, como
a Coletânea de Poetas Baianos (RJ: editora Minerva, 1951), Voz de
Minha Terra (RJ: editora Borsol, 1954), Apóstolo dos Sonhos, Transbrasilianas,
A Lua, Os Homens que Fizeram o Brasil, dentre outras. Seu primeiro livro,
Minha Colheita, foi lançado somente em 1986. Depois veio Alma Profana,
mas o poeta tem obras inéditas, entre as quais os originais intitulados
Novos Caminhos, Hora Fecunda, Vida e Ocaso.
Sobre sua poesia, escreveu o jornalista e professor Antônio
Loureiro de Souza, em 1979: “O soneto tem sido, sempre, a sua constante.
E como o elabora! Sai-lhe o quatorzeto da oficina, para lembrarmos Bilac,
sem um defeito. E não há quem lhe note o esforço,
a tortura, a ânsia de limar aqui e ali um verso, o emprego da rima
rica apropriada. Ao final, a composição se torna simples,
fluente, cantante, refletindo o belo. Por igual os temas fogem do banal.
Há uma elevação de idéia, o que mais ainda
lhe replena, engrandecendo-o, o soneto elaborado. (...) Não descambou
para os conceitos filosóficos ou amargos, como aconteceu com Bilac
ao escrever Tarde. Antes, conservou-se continuadamente lírico, de
raro em raro conceituoso. Mas seu lirismo não é derramado.
É enxuto. É, de quando em quando, seco, mas, nem por isso,
menos elevado, superior e belo”.
Luar
Neste instante é silêncio. É noite. É
sombra em tudo.
A lua vai nascer, trazendo a luz que enleva.
E morre a noite, e morre a sombra, e morre a treva.
E, de morrer, também, eu não me desiludo.
Veio a lua trazendo o esplêndido veludo
De sua própria luz que é perene e longevo
Formando um mundo branco ao qual logo me leva,
Fazendo-me ficar todo envolvido e mudo.
É o meu deslumbramento. E, com tudo eu me encanto,
Quando me faz sentir, sem sorriso e sem pranto
A Beleza na terra e a Beleza no mar.
Tudo é noite, afinal, até que chegue o dia,
Quando eu sentir, do mesmo, a luz que se irradia,
Fazendo-me perder este mundo de luar.
Soneto do amor sem medo
Melhor é ter o amor dentro do peito,
Do que guardar o coração vazio.
Amar a musa, dela ser o eleito,
Esse é o mais amoroso desafio.
O ciúme não tem voz, neste conceito:
Vive calado num qualquer desvio.
Ao amor não resiste o preconceito;
Ele vai a seu fim sem extravio.
Nada de fuga, nada de abandono...
Viver verão, inverno, primavera,
Até chegar seu derradeiro outono.
Esta é a vida feliz do amor sem medo:
A tudo enfrenta, não se desespera,
Mostrando ao mundo que não tem segredo.
Vida que passa
Estão guardadas minhas esperanças
No cofre da existência demorada.
Meus olhos não têm mais luz de alvorada
Minhas noites são cheias de lembranças.
Minhas horas se vão frias e mansas,
Meus minutos se vão em retirada.
Meus segundos em lenta caminhada
Mostram as minhas físicas mudanças.
Longe ou perto do fim de meu caminho,
Não sei se estou. Mas guardo, com carinho,
Versos que Deus me dá – bondade imensa –.
Eu vivo em sombra e luz meu dia-a-dia...
Mas, meu lugar, no mundo da poesia,
É, para mim, divina recompensa.
Meus versos e eu
Os meus versos são pobres como eu sou
Não tiveram a mínima riqueza;
Eles têm de minha alma a singeleza
Com que Deus, para sempre me premiou.
Eles vivem comigo onde eu estou
Dentro de nossa singular pobreza,
Mas eu não sinto a mínima tristeza,
A descaso e abandono eu não me dou.
Poeta à margem do tempo só porque
Não consigo fazer verso moderno
Que eu leio e o modernista o meu não lê.
Mas a vida esclarece a solução:
É que a verdade diz que nada é eterno
Que nós iremos para o mesmo chão.
Coisas de ontem
Não pude ouvir o som do Stradivarius,
Nem do Essenfeld lá de minha casa,
Pois tenho em meus ouvidos de Beethoven,
A Nona Sinfonia do silêncio.
Então busquei poetar: Tempo perdido...
O Fernando Pessoa estava doente,
Bandeira ia em rumo de Passárgada,
Vinicius é a canção na alma do povo.
Nada de “Leite Criolo” e de “Antropófagos”,
De “Samba” e de “Arco e Flecha”. O Cassiano
E o Bopp onde é que estão, Carvalho Filho?
Ó Godofredo, irmão no canto novo,
Reza à Santa Cecília e a São Sosígenes...
Carlos Drumond de Andrade te abençoa.
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Abreu
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