Valdemar Cruz
do semanário
português
[27.03.1999]
O armazém da poesia
A POESIA de expressão portuguesa está em festa na rede mundial
de computadores, graças à militância de um brasileiro
do Ceará, antes radicado em Salvador. Soares Feitosa, antigo jornalista,
ex-cobrador de impostos e actualmente poeta, criou em 1996 o Jornal de
Poesia (http://www.secrel.com.br/jpoesia),
sem saber que estava a dar o primeiro passo de uma fantástica empresa.
Hoje, o jornal possui o equivalente a 60 mil páginas impressas,
inclui a obra completa de poetas tão diversos como Camões,
Pessoa ou Castro Alves, já está a caminhar para um projecto
ibérico - com Octávio Paz a abrir - e divulga a obra de mais
de dois mil poetas. A parte má da história é a constatação
de que a colaboração de portugueses é residual.
Navegar pelas páginas do Jornal de Poesia é uma aventura
fascinante. Cada recanto surge como uma verdadeira caixa de Pandora, de
onde saem os mais inesperados poemas de poetas conhecidos, ou as mais singulares
poesias de poetas cuja obra é ainda um quase segredo partilhado
por uns poucos. O mais extraordinário é que tudo isto funciona
sem apoios, não há nenhuma universidade envolvida no projecto
e tudo é feito à base de carolice pura e dura. Como disse
ao EXPRESSO Soares Feitosa, em entrevista feita através da internet,
quem colabora não visa nenhum interesse. «Tem um, Paulo Torquato
Tasso, que me manda poemas de João Cabral, de Bandeira e de Camões
e ele nem é poeta, nem divulga nada dele».
Feitosa emociona-se com Paulo e «a portuguesa Alice Vila Fabião.
São dois gatos pingados. Tem um terceiro, o Walter Cid, um pequeno
comerciante na Bahia, manda digitar poetas esquecidos e ajuda financeiramente
nos custos. O resto, 99,9% é da turma do venha a nós o Vosso
reino».
Uma vez ou outra há quem escreva a enviar uma colaboração,
os seus próprios poemas. Feitosa responde que aquela será
a colaboração do jornal «para com o poeta-você,
agora mande colaboração propriamente dita... fogem».
Esta é uma parte interessante que remete para o modo como o JP se
expandiu na rede. Cada poeta que quisesse participar, enviava os respectivos
poemas, acompanhados de poesias de outros cinco poetas. Foi assim possível
chegar aos dois mil nomes, entre os quais se inclui parte importante das
grandes referências da poesia feita em português, com assinatura
de brasileiros, portugueses, angolanos, moçambicanos, timorenses
ou até guineenses.
Com mil visitas diárias de todos os recantos do planeta, o Jornal
de Poesia acaba por lançar de forma implícita algumas questões
interessantes à instituição universitária portuguesa
ou, até, aos amantes da poesia em Portugal. Transformado numa poderosa
montra poética com divulgação planetária, o
JP tem um peso excessivo de poetas brasileiros, por culpa dos portugueses
e outras nacionalidades de expressão portuguesa, que não
têm dado a necessária atenção à importância
estratégica deste sítio. Numa altura em que o Governo português
se propõe multiplicar por mil o número de sítios em
português na internet, talvez não fosse desajustado começar
por aproveitar o que já existe e incentivar uma participação
mais activa, por exemplo das escolas, num projecto cujo limite é
o infinito. Soares Feitosa diz que «o jornal não é
brasileiro, é luso, no sentido amplo da língua - esta adorável
sepultura destes sete povos», mas quando se abre ao acaso o índice
geral de poetas, as primeiras cinquenta referências da letra C, por
exemplo, incluem apenas três portugueses, entre eles Carlos de Oliveira,
e um poeta de São Tomé. Como diz Soares Feitosa, «os
portugueses colaboram muito pouco. Quase nada. Acho que se sentem 'inferiorizados'
pelo quantitativo de brasileiros».
O crescimento do JP tem sido exponencial e tem todas as condições
para continuar a assumir-se como um atractivo ponto de encontro, com secções
tão diversas como as dedicadas ao cordel nordestino, crítica
de poesia e estudos literários, endereços de poetas, poesia
temática, «links» gerais de poesia, ligações
a suplementos literários ou a divertida secção de
perdidos e achados, onde se procura tudo e de tudo. Feitosa recorda o caso
de um leitor que procurava um poema para a mãe, «velhinha
de 81 anos. Ela falava que o avô o recitava para ela. Foi conseguido».
O Jornal de Poesia é uma espécie de armazém da poesia
de expressão portuguesa, à espera de voluntários para
a divulgação de mais poetas, e sempre disponível para
abrir as suas páginas ao conhecimento de novos e antigos criadores
de poesia, o que não deixa de ser entusiasmante, numa altura em
que nas livrarias são cada vez mais reduzidas as prateleiras dedicadas
à produção poética.
VALDEMAR CRUZ
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imenso!]
Página inicial do Jornal de Poesia
Dos leitores:
From:
Jorge Fallorca <jfall@mail.telepac.pt>
To:
jpoesia@sec.secrel.com.br
Caros Amigos,
Com surpresa, descobri hoje (27 de Março) a notícia da
existência do
"Jornal de Poesia", através do semanário "Expresso".
Mais surpreendido
fiquei ainda ao lançar-me ao "oceano" de informação
disponível no JP,
que passará a ser minha leitura obrigatória.
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