Foi
lançado em outubro de 1996 o livro "Oku - Viajando com Basho", de
autoria o paranaense radicado na Bahia Carlos Verçosa, do qual passo
a apresentar pequeno comentário a guisa de resenha. O livro em questão
foi escrito como trabalho de formatura de seu curso de Comunicação.
Conta com apresentação de Fernando Masip e prefacio de Oldegar
Vieira, tendo sido publicado pela Secretaria de Cultura e Turismo do Governo
do Estado da Bahia.
* * *
O "Oku"
do titulo refere-se a "Oku no Hosomichi", diário de viagem escrito
pelo poeta japonês Basho no século 17. O trabalho de Carlos
Verçosa, um alentado volume de 568 paginas, pode ser dividido em
tres partes: a primeira contem traduções de dois ensaios
de Octavio Paz sobre haicai: "A Poesia de Matsuo Basho" e "A Tradição
do Haikai". A segunda consiste na tradução do diário
de viagem "Oku no Hosomichi", ou "Sendas de Oku", como é mais conhecido
no Brasil, a partir da tradução mexicana de Octavio Paz e
Eikichi Hayashiya. Por ultimo, o ensaio "Presença do Haikai na Poesia
Brasileira", do próprio Verçosa.
Os ensaios
do prêmio Nobel Octavio Paz ja' haviam sido publicados em portugues,
como parte do livro "Signos em Rotação", organizado por Celso
Lafer e Haroldo de Campos, uma coletânea de trabalhos do intelectual
mexicano. "A Poesia de Matsuo Basho" é uma introdução
ao haicai e a Basho com um background Zen. "A Tradição do
Haikai" foi publicado originalmente como introdução `a tradução
de "Sendas de Oku", tratando do desenvolvimento do haicai tanto em japonês
como em espanhol.
A tradução
de "Oku no Hosomichi", como ja' dissemos, é baseada na versao de
Paz e Hayashiya do original japonês. Como a tradução
anterior de Olga Savary encontra-se esgotada ha' muitos anos, trata-se
de oportunidade unica de conhecer este que é um dos marcos mundiais
da Literatura de Viagem. Trata-se do registro de uma jornada empreendida
por Basho e seu discípulo Sora pelo norte do Japao, com textos em
prosa entremeados por haicais.
Eis dois trechos:
"HIRAIZUMI"
O esplendor de três gerações de Fujiwara durou o sonho
de uma noite. Os restos da entrada principal da mansão estão
àdistancia de um ri [4km] do conjunto das ruínas.
O Palácio deHidehira é hoje um terreno baldio e só
permanece de pé o MonteGalo de Ouro.
Subi às ruínas do Palacio Takadate. Dali se ve oKitakami, grande rio que vem do sul; o Rio Koromo, após arrodearo Castelo de Izumi, une-se a ele sob o Palácio Takadate.
As ruínas do castelo de Yasuhira, com a Passagem deKoromo,
que esta' mais adiante, guardam a entrada do sul econstituem uma
defesa contra toda invasão.
Aqui se encerram os fieis eleitos. De suas proezas nadaficou, a
não ser este mato.
Lembro-me então do antigo poema:
pátrias desmoronam
rios e montanhas permanecem
nas ruínas do castelo
hoje verdeja a erva
é primavera
Sento-me sobre meu chapéu e choro, sem me dar conta do tempo que
passa:
relva de verão
guarda dos guerreiros
o sonho
* * *
"SOSSEGO EM UM TEMPLO DA MONTANHA"
No domínio de Yamagata ha' um templo na montanha chamadoRyusyaku.
Quem o fundou foi o grande mestre Jikaku e é um lugarfamoso
por seu silêncio. Como me recomendaram que fossemos vê-lo,tivemos que regressar de Obanazawa e caminhar cerca de sete ri[28km].
O sol ainda não tinha se posto e pedimos hospitalidade emum
dos asilos para os peregrinos que se encontram nas bases domonte.
Depois, subimos ao Santuário, que está no cume.
A montanha é um amontoado de rochas e penhascos, entreos
quais crescem velhos pinheiros e carvalhos. A terra e as pedrasestavam
cobertas por um musgo suave e tudo parecia antiquissimo.
O templo esta construído sobre a rocha. Suas portasestavam
cerradas e não se ouvia nenhum ruído. Dei a volta por umpenhasco alto e escarpado, subi pelas rochas e cheguei ao Santuário.
Diante da beleza tranqüila da paisagem, meu coração
se aquietou:
silencio de vidro
o si si si das cigarras
vibra nas pedras
* * *
As traduções de haicais de
Carlos Verçosa usam com abundância aliterações
e expressões coloquiais, indicando a amizade e a admiração
que o ligaram a Paulo Leminski:
mira admirar
ver o verde que reluz
na luz
solar
não é para o seu bico
pica-pau
bosque no estio
matsushima
as asas de prata do grou
deseja o tordo atordoado
coisa fina
até a neve é cheirosa
em minamidani
jogo de estio
o rio joga a bola do sol
ao mar
Ao final de cada capitulo do diário,
em um trabalho muito interessante, Verçosa confronta as varias traduções dos haicais apresentados.
Entre as principais, estão Octavio Paz (primeira e segunda edição),
Nobuyuki Yuasa, Dorothy Britton, Harold Henderson, Makoto Ueda, Paulo Leminski
e Olga Savary.
A ultima parte do livro trata-se do mais
completo levantamento sobre o haicai brasileiro, desde "O Haicai no Brasil" de H. Masuda Goga e "Haikai"
de Paulo Franchetti. Ocupando 164 paginas, trata do desenvolvimento do haicai
desde a chegada dos imigrantes japoneses ao Brasil, com o mapeamento exaustivo
de autores e haicais de todo o pais, das mais variadas tendências:
o haicai imigrante de Nempuku Sato, o parnasianismo de Guilherme de Almeida,
o haicai baiano de Afrânio Peixoto de Oldegar Vieira, o haicai da
contracultura dos anos 70 e o haicai feminino.
Ainda que seu conceito de haicai seja, em
nossa opinião, excessivamente abrangente, Carlos Verçosa mostra-se um pesquisador notável
pela riqueza de sua bibliografia e pelo esforço em concatenar tantos poetas.
Revela que o autor dos primeiros haicais brasileiros foi o modernista Luis
Aranha, em seu livro "Cocktails", escrito em 1921 mas inédito ate
1984. E dedica a parte final do ensaio a Paulo Leminski, descrevendo seu
profundo interesse sobre cultura japonesa, refletido em sua obra originalíssima.
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"Oku - Viajando com Basho" é um trabalho
de pesquisa muito importante e indispensável para o haicaista e pesquisador de haicai. Como
ainda não temos noticia de sua distribuição para venda,
sugerimos contatar diretamente o autor, solicitando-lhe informações
sobre como adquirir o livro.