Francisco Miguel de Moura
O rico, o pobre e o ladrão
Iam o rico e o
pobre por uma estrada deserta, fazendo uma espécie de caminhada
matinal programada. O primeiro porque comia demais, bebia demais,
andava de carro, e os vasos circulatórios estavam entupidos de
gordura; o outro porque comia de menos e, sem vitaminas e cálcios,
os ossos enfraqueceram, estava ameaçado de osteoporose, além dos
reumatismos próprios da idade.
De repente, um
motoqueiro barrou-lhes o caminho, e foi descendo da máquina. Era um
homem magro, alto, moreno, de cheio de manchas de tinta nas mãos.
Puxou o revólver e foi apontando para os dois, que estavam muito
unidos naquele instante, e falou rápido:
– É um assalto!
– falou primeiro para o gordo.
Não deu pra
desconfiar porque ele vinha vestido em uniforme de policial e usando
o capacete de proteção exigido pela lei.
– É um assalto!
– repetiu a mesma frase, agora mais em direção do magro, sempre com
a arma apontada.
O gordo botou os
bolsos pra fora da calça. Tinha algum dinheiro, mas não o suficiente
para satisfazer o apetite do criminoso. Eram notas de 5, 10 e 50
reais, nenhuma de 100.
O magro
automaticamente imita o gordo: botou pra fora os dois bolsos, não
tinham nada, nem um níquel.
– Não se mexam!
– ordenou.
– Estou liso e
devendo... – desculpou-se, baixinho, o pobre.
O homem da moto
virou-se pra ele e disse.
– Então, vai
morrer. Para aprender a respeitar os direitos dos outros. Como é que
o ladrão vai sobreviver? Prepare-se. Vai aprender que quando se sai
de casa tem que botar no bolso uns trocados para o ladrão, assim
como bota o do guardador de carro, o do estacionamento, o do ônibus,
o da merenda... Nosso Sindicato já prevê isto.
O rico, vendo a
aflição do companheiro de estrada, teve pena e tentou socorrê-lo.
Revirando agora os bolsos da camisa, encontra duas moedas de 1 real
cada e entrega-as ao ladrão, apelando:
– Não faça isto,
amigo, este pobre senhor só possui a roupa do corpo. Eu
empresto-lhes estas moedas.
O ladrão recebeu
os trocados, montou na moto e deu partida, enquanto eles tomavam
nota, na memória, do número da placa, da cor e de outras
características mais evidentes, para depois irem registrar o fato na
Polícia, o que de fato fizeram daí a instantes. Estavam quase de
frente com a Delegacia.
O delegado
mandou o escrivão tomar nota de tudo.
No
interrogatório, o ladrão negou tudo, enquanto ia repetindo: “não
gosto de pobre”, “tenho raiva de pobre.”
– O que é que
vocês querem que a Polícia faça com ele?
O rico:
– Solte o homem,
Delegado. Ele bem que poderia ter-nos matado. Mas, não. Foi
prudente. Vamos premia-lo por isto.
E o pobre:
– Tome a arma e
lhe dê uma boa sova, Delegado. Depois, cana, muita cana nele, até
aprender que com autoridade não se brinca.
O Delegado
pensou, pensou... E, finalmente, opta por informar aos denunciantes
que o Governo acabara de construir um anexo para abrigar os presos
que não possuem família nem nada, os pedintes da rua e que vagam
pelo mundo sem ter o que fazer – uma espécie de albergue onde os
atendidos recebem comida, roupa e cama, além de assistência médica e
religiosa. Só esqueceu de dizer que os albergados morriam às
dezenas, logo que lá chegavam, sem explicação. Sempre de disenteria.
O ladrão foi pra
lá.
O Delegado
disse, quando assim decidiu:
– Ora, ora,
ladrão que rouba pobre é esmolar.
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