Iranildo Sampaio


Teoria da Última Ladeira

Nada tenho a dizer. Deus está do outro lado, eu estou aqui, e o demônio, astuto, talvez não tenha vindo. Presto serviço a qualquer santo. As circunstâncias de que me valho são neutras e me fazem pensar noutras medidas. Passo em revista as minhas incertezas. Não sei refletir quando tudo me parece adverso. Ninguém admite o efeito transitório do meu remédio abstrato. Agora, vasculho as minhas intenções e me resumo a isto que hoje sou. Poeta de tantas agonias, divido-me em poemas comedidos, e elaboro esse longo apocalipse de verdades esdrúxulas. A certa altura, nem eu mesmo me entendo. Meu quadro é irreversível. Nunca violei qualquer segredo. Ainda assim, dou graças ao meu Deus por tudo isto, antes que o Diabo interceda em favor de seus súditos. Meu horóscopo é outro. O planeta que rege a minha sorte mudou de órbita. De dia, arrumo estas idéias na cabeça em desordem. De noite, desarrumo tudo e adormeço. Se algo me aborrece, pouco importa. O princípio é o meu. Salgo a memória e corro novamente em busca do que quero. Sei que tudo é inútil. A ciência do bem é a mesma. Tenho a força de minha gratidão a me amparar diante do meu mundo. Não posso aliciar as minhas mágoas. No entanto, as cosias permanecem iguais, e eu saio de casa a toda hora, com os mesmos propósitos.


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