Troca de autorias de textos na internet – ignorância ou
desonestidade intelectual?
Aíla Sampaio
Dois
males têm afetado muitos dos internautas que ‘gostam’ de
divulgar textos em blogs e sites de relacionamento: o
desconhecimento da literatura em função da falta de leitura, e a
desonestidade intelectual, muitas vezes decorrente de atitudes
inconsequentes ou mesmo de ignorância. Por uma razão ou outra, o
mundo virtual tem se tornado uma ferramenta de disseminação de
falsas autorias e adulteração de textos literários, tanto no
conteúdo quanto na forma. São essas práticas nada lícitas o
assunto do artigo de hoje.
Clarice Lispector é uma escritora conhecida pela propensão
psicológica de seus enredos, pela densidade dos seus
personagens. Escreveu romances, crônicas e literatura
infanto-juvenil. Não satisfeitos com o legado literário que ela
deixou, alguns internautas resolveram transformá-la em poeta,
atribuindo-a autoria de poemas ou colocando seus escritos em
forma de versos. É incontestável que são poéticas muitas
passagens de seus textos, mas isso não dá o direito a ninguém de
mudar a estética de suas criações ou atribuir-lhe textos que ela
não criou. Vejamos o poema “Nunca mais”, e a inusitada
característica de transmitir mensagens diferentes, de acordo com
o modo como é lido. Se de cima para baixo, a mensagem é de
despedida; se de baixo para cima, tem-se uma declaração de amor:
Não te
amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda
te quero como sempre quis.
Tenho
certeza que
Nada foi em vão.
Sinto
dentro de mim que
Você
não significa nada.
Não
poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto
cada vez mais que
Já te
esqueci!
E
jamais usarei a frase
EU TE
AMO!
Sinto,
mas tenho que dizer a verdade
É tarde
demais…
O texto é
criativo, mas não é de Clarice. Como assinala Betty Vidigal, em
seu artigo sobre a escritora, “Apesar dos erros de sintaxe, o
texto tem o mérito de ser surpreendente”, mas não é da autora de
Perto do coração selvagem. Outro texto atribuído a ela é o poema
“Há
momentos”, que circula livremente pela internet com o seu nome:
Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém, que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.
Sonhe com aquilo que você quiser.
/…/
A vida não é de se brincar,
porque um belo dia se morre.
Embora alguns versos lembrem o estilo clariceano, esse texto não
consta em livros da escritora. Como não consta o poema “Mude”,
que é divulgado na internet ora em prosa, ora em verso, mas
sempre com os créditos dados a ela. Leiamos um trecho:
Mude
Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Vanessa Lampert, do blog Autores desconhecidos, desvendou a
verdadeira autoria desse texto ao receber um e-mail do autor –
Edson Marques -, que vale a pena ser reproduzido: “Por um erro
da Agência Leo Burnett, meu poema MUDE foi utilizado num
comercial da Fiat, e teve sua autoria atribuída, erradamente, a
Clarice Lispector. Os herdeiros de Clarice receberam quarenta
mil dólares, ilicitamente, pelo “licenciamento” de uma obra
alheia (no caso, minha). Sentença transitada em julgado deu
ganho de causa a mim, em Ação Cautelar. Os herdeiros recusam-se
a devolver o dinheiro, e sequer se pronunciam em público sobre o
caso. Detalhes em
http://desafiat.weblogger.com.br.
Abraços, flores, estrelas. Edson Marques”.
Outro equívoco que envolve o nome da Clarice diz respeito ao
poema “Alta tensão”, que aparece com o título “Gosto dos venenos
mais lentos”:
eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
O poema é da Bruna Lombardi e está em seu primeiro livro,
O perigo do dragão,
publicado em 1984.
A frase “Não tenho mais tempo algum,/ser feliz me consome…”
também não é da Clarice, mas da poeta mineira Adélia Prado. Tal
é a situação do texto que se inicia com “Não me dêem fórmulas
certas, porque eu não espero acertar sempre”, que não consta em
livros dela; é, pelo menos até agora, mais um apócrifo. Não
bastassem essas atribuições equivocadas, Clarice também tem sido
vítima de adulterações na forma de seus textos.
Há, no
Jornal da Poesia, uma página dedicada a poemas dela, com um
adendo do editor, Soares Feitosa: “Os poemas desta página são
resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio
[…], de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice
Lispector. Nesta saudável mania de
todo-mundo-copiar-todo-mundo-sem-citar-a-fonte, tem umas “pages”
por aí publicando estes textos sem lhes indicar a parceria do
padre e como se fossem poesia originariamente feita por Clarice.
É bom que se diga que Clarice, apesar de escrever de forma não
versificada, era poeta verdadeira, pois como diz Benedicto Ferri
de Barros não basta ao texto estar quebrado em linhas para ser
poesia. Clarice fazia poesia sem quebrar as linhas”.
Concordo
com o poeta Feitosa quanto à beleza poética dos textos
clariceanos, mas acho que, mesmo numa época em que as fronteiras
entre os gêneros se estreitam, mesmo que Clarice tenha escrito
prosa poética, é inadmissível modificar a forma de textos
alheios. Por que não transcrevê-los em prosa, tal como o texto
foi criado?
Créditos incorretos: Aristóteles Onassis, Audrey Hepburn, Rita
Lee, Florbela Espanca, Victor Hugo, Henfil, Maiákovski,
Aristóteles, Chico Buarque, Machado de Assis, Albert Einstein,
Bob Marley, Cora Coralina.
Uma das maiores surpresas que ocorreram em minhas viagens pelo
mundo virtual foi ler um poema de Aristóteles Onassis, texto
considerado perfeito em alguns blogs. Jamais o imaginei dono de
versos como os de “Talvez”, que recebi em forma de slides com
belas imagens da Grécia:
Talvez
eu venha a envelhecer rápido demais. Mas lutarei para que cada
dia tenha valido a pena.
Talvez
eu sofra inúmeras desilusões no decorrer da minha vida. Mas
farei com que elas percam a importância diante dos gestos de
amor que encontrei.
Talvez
eu não tenha forças para realizar todos os meus ideais. Mas
jamais irei me considerar um derrotado.
Talvez
em algum instante eu sofra uma terrível queda. Mas não ficarei
por muito tempo olhando para o chão.
Talvez
um dia eu sofra alguma injustiça. Mas jamais irei assumir o
papel de vítima.
O
inusitado presente me colocou em busca de informações que
tivessem credibilidade e não demorei a descobrir que o poema,
citado aqui apenas em parte, é da poeta e publicitária paulista
Sônia Carvalho, não é legado do magnata grego.
Outra
atribuição enganosa foi feita em um texto muito difundido por
e-mail: “O poder armado”, publicado no Jornal do Brasil em 6 de
fevereiro de 2001, pela jornalista cearense Heloneida Studart. O
relato sobre a situação das mulheres no Brasil não é, pois, da
Rita Lee, como aparece em muitos sites.
A confusão
pode ter-se dado em função do último parágrafo, quando a
jornalista cita explicitamente parte da letra de uma música
“Pagu” da roqueira: “Viva Rita Lee, que canta: “nem toda
feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda e meu peito
não é de silicone… sou mais macho que muito homem” (“Pagu” –
Rita Lee e Zélia Zélia Duncan). Se a troca da autoria deu-se por
desatenção ou por má fé não dá para saber, mas Betty Vidigal
chama atenção para o fato de o nome da Rita Lee ter sido
retirado da versão que circula com o nome dela como autora e
assinala a mudança do título para “Mais Macho que Muito Homem”,
o que supõe premeditação.
Além da
questão espacial e temporal que distancia as duas, temos a
questão do estilo: Rita Lee é mais irreverente, não tem a
formalidade de Heloneida, que é jornalista e, à época, era
deputada, líder da bancada do PT no Rio e presidente da Comissão
Permanente de Defesa dos Direitos Humanos.
“Dicas de beleza”, por sua vez, é de humorista e apresentador de
TV americano, Sam Levenson, não é da atriz Audrey Hepburn, como
divulgam os incautos:
1 - Para ter lábios atraentes, diga palavras doces.
2 - Para ter olhos belos, procure ver o lado bom das pessoas.
3 - Para ter um corpo esguio, divida sua comida com os famintos.
4 - Para ter cabelos bonitos, deixe uma criança
passar seus dedos por eles pelo menos uma vez por dia.
5 - Para ter boa postura, caminhe com a certeza de que nunca andará sozinho.
“Os votos”, também conhecido como “Desejo primeiro que você
ame”, longo poema do qual transcrevemos a primeira estrofe, não
é do o escritor francês - Victor Hugo - que escreveu o
antológico Os Miseráveis. Somente quem nunca leu um livro
dele poderia acreditar nisso. O texto foi criado, na verdade,
por Sérgio Jockymann:
Desejo
primeiro que você ame,
E que
amando, também seja amado.
E que
se não for, seja breve em esquecer.
E que
esquecendo, não guarde mágoa.
O belo poema “Por tudo que me deste”, divulgado como escrito por
Florbela Espanca, é de autoria do poeta, também português,
Carlos Queiróz e foi publicado numa Antologia organizada em
Lisboa por Vasco Graça Moura em 2004:
Por tudo que me deste:
- Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insônia, pelas ruas, como um louco…
- Obrigado, obrigado!
Por aquela tão doce e tão breve ilusão,
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!
Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
- Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado.
Sem ironia, amor: - Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!
Já a frase “Se
não houver frutos, valeu a beleza das flores… se não houver
flores, valeu a sombra das folhas… se não houver folhas, valeu a
intenção da semente”, erroneamente creditada a Henfil, é de
Maurício Ceolin. Henfil apenas a leu em público, na época do
movimento pelas ‘Diretas Já’, e a utilizou como epígrafe de um
livro seu. Outra confusão de autoria que levou tempo para ser
esclarecida se refere ao poema “No caminho com Maiákovski”,
atribuído ao poeta russo, quando, de fato, foi escrito por
Eduardo Alves da Costa, certamente leitor dele:
“Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor/ do
nosso jardim./ E não dizemos nada…”.
“Revolução da alma” – “Ninguém é dono da sua felicidade, por
isso não entregue sua alegria, sua paz sua vida nas mãos de
ninguém, absolutamente ninguém. Somos livres, não pertencemos a
ninguém e não podemos querer ser donos dos desejos, da vontade
ou dos sonhos de quem quer que seja. A razão da sua vida é você
mesmo. A tua paz interior é a tua meta de vida” -
não é do filósofo grego Aristóteles, como acreditam muitos que
‘se dizem’ discípulos de suas ideias em páginas da Net, mas de
Paulo Gaefke, e está no livro Decidi ser Feliz, publicado
em 2002.
“Solidão”, texto que é repassado com uma foto do Chico Buarque e
seu nome impresso, teve a autoria negada por ele. Foi escrito,
depois se soube, por Fátima Irene Pinto, publicado em seu livro
Palavras para Entorpecer o Coração (p.79). O site dela é
www.fatimairene.com. Leiamos pelo menos duas estrofes:
Solidão não é a falta de gente para conversar,
namorar, passear ou fazer sexo.
Isso é carência.
Solidão não é o sentimento que experimentamos
pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar.
Isso é saudade.
A crônica que intitulam na Net como “Mulheres no topo” e/ou
“Maçã: “As Melhores Mulheres pertencem aos homens mais
atrevidos. Mulheres são como maçãs em árvores. As
melhores estão no topo. Os homens não querem alcançar essas
boas, porque eles têm medo de cair e se machucar. Preferem pegar
as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do
topo, mas são fáceis de se conseguir.”, bem como o poema “Bons
amigos” “Abençoados os que possuem amigos, / os que os têm sem
pedir. / Porque amigo não se pede, / não se compra, nem se
vende. / Amigo a gente sente! // Benditos os que sofrem por
amigos, / os que falam com o olhar.” não foram escritos por
Machado de Assis, pelo menos, não constam em seus livros.
Mesmo os romances da primeira fase machadiana, seus contos ou
crônicas, tampouco seu poemas com resquícios românticos têm o
estilo dos dois textos. Profundo conhecedor da alma humana,
Machado caricaturou a sociedade carioca e, por meio dela, traçou
o perfil dos seus contemporâneos de modo geral. Seus enredos
provocam profundas reflexões de fatos cotidianos que ressoam
como uma advertência. São, pois, apócrifos os dois textos a ele
atribuídos, a não ser que o verdadeiro autor apareça para
assumi-los.
Mas os absurdos não param por aqui. No site
www.dihitt.com.br/noticia/albert-einstein-e-a-poesia-,
há uma postagem intitulada Einstein e a poesia, seguida da
informação: “Sua
genialidade transcendeu a barreira da insensibilidade da ciencia
e o fez poeta também. Aqui um trecho de sua poesia. As inúmeras
cartas que escreveu revelam seu amor pela literatura” (Sic). Em
seguida, vem o texto:
Pode
ser que um dia deixemos de nos falar…
Mas,
enquanto houver amizade,
Faremos
as pazes de novo.
Pode
ser que um dia o tempo passe…
Mas, se
a amizade permanecer,
Um de
outro se há-de lembrar.
/…/
Há duas
formas para viver a sua vida:
Uma é
acreditar que não existe milagre.
A outra
é acreditar que todas as coisas são um milagre.
Essa
atribuição talvez tenha se dado em função da descoberta da
existência do “Diário de namorada de Einstein, que revela o
homem além do cientista”, cujo artigo foi publicado em 2004, no
Jornal da Ciência. Leiamos:
“Após a
morte de Einstein em 1955, Fantova vendeu suas cartas e poemas,
juntamente com uma pasta de fotografias, para Griffin, que as
doou para a Biblioteca Firestone. As cartas, que foram abertas
em 1996, não foram publicadas, apesar de estudiosos as terem
visto na Firestone. A maioria foi escrita durante suas férias em
Long Island, e estão cheias de queixas sobre dores, segundo
Calaprice.
Os poemas,
vários deles incluídos no diário de Fantova, são alegres, cheios
de trocadilhos ruins e piadas às custas do próprio Einstein. Um
que lamentava a ausência de Fantova diz:
(Cansado
do longo silêncio/Isto é para lhe mostrar claramente quão
forte/Os pensamentos em você sempre estarão vívidos/No pequeno
sótão de minha cabeça.)”
(Exhausted from a silence long / This is to show you clear how
strong / The thoughts of you will always sit / Up in my brain's
little attic. )
O estilo é
completamente diferente do texto que circula pela internet, que
aparece sempre sem referência bibliográfica.
O texto
“Os ventos que às vezes tiram algo que amamos, são os mesmos que
trazem algo que aprendemos a amar… Por isso não devemos chorar
pelo que nos foi tirado e sim, aprender a amar o que nos foi
dado. Pois tudo aquilo que é realmente nosso, nunca se vai para
sempre…” não foi escrito por Bob Marley como aparece em muitas
páginas. O verdadeiro autor continua desconhecido. Igualmente
ocorre com “Dificil não é lutar por
aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que se mais ama. Eu
desisti. Mas não pense que foi por não ter coragem de lutar, e
sim por não ter mais condições de sofrer”. Não há fontes
comprobatórias de autoria da maioria dos textos que circulam com
o nome do cantor jamaicano. O que não se entende é como belos
arranjos como “A maior
covardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem ter a
intenção de amá-la” e “Às Vezes construímos sonhos em cima de
grandes pessoas… O tempo passa… e descobrimos que grandes mesmo
eram os sonhos e as pessoas pequenas demais para torná-los
reais!” possam ser atribuídos a outros ou circulem como
apócrifos.
Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins, poeta goiana conhecida
pela versificação simples com temáticas cotidianas que abordam,
sobretudo, os becos de sua terra. Não se sabe por que, se pela
aproximação do estilo ou por ignorância, atribuíram-na o poema
intitulado “Não sei”, que também tem sido postado com o título
“Saber Viver”:
Não
sei… Se a vida é curta
Ou
longa demais pra nós,
Mas sei
que nada do que vivemos
Tem
sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas
vezes basta ser:
Colo
que acolhe,
Braço
que envolve,
Palavra
que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria
que contagia,
Lágrima
que corre,
Olhar
que acaricia,
Desejo
que sacia,
Amor
que promove.
CHAPLIN
Charles Chaplin foi ator, diretor, dançariro, roteirista e
músico. Sem dúvida um cineasta dos mais criativos da era do
cinema mudo. Além de escrever, produzir e dirigir seus filmes,
atuava neles e financiava-os. Tanto talento e tanta criação
levaram alguns internautas a atribuir-lhe a autoria de diversos
textos e fazê-los circular pela internet via e-mail, scraps,
mensagens, blogs e sites (não oficiais, claro). Quem entrar na
página PENSADOR.INFO (www.pensador.info/charles_chaplin_sobre_a_vida/)
encontrará um acervo enorme, a começar pelo “Ciclo da vida”, que
está no perfil de muita gente aparentemente informada no Orkut:
A coisa
mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho
que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós
deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso.
Daí
viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito
novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você
trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar
sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz
festas e se prepara para a faculdade.
Esse texto
aparece com diferentes títulos: “O Ciclo da Vida ao Contrário” /
“A vida segundo Chaplin” / “A Vida ao contrário” e é de autoria
de Sean Morey. Mirian, do site Com outros olhos, após exaustiva
pesquisa, chegou a essa conclusão. mais:
http://comoutrosolhos.multiply.com/journal/item/52.
Também o poema “A vida é uma peça de teatro”, que circula, às
vezes, com o título “Viva intensamente”, não é de Chaplin.
“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios…
Por isso, cante, ria, dance, chore
e viva intensamente cada momento de sua vida…
Antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”
Textos que contém as palavras-chave: palhaço, teatro, sorrir (e
seus derivados) são, quase sempre associados a Chaplin; dão a
atribuição por conta própria, com base apenas nesse léxico, sem
consultar as fontes. Tal é o caso de “Ei! Sorria”: “Ei!
Sorria… Mas não se esconda atrás desse sorriso… / Mostre aquilo
que você é, sem medo. / Existem pessoas que sonham com o seu
sorriso, assim como eu. / Viva! Tente! A vida não passa de uma
tentativa. / Ei! Ame acima de tudo, ame a tudo e a todos” e
“Preciso de alguém”: “Preciso de alguém que me olhe nos olhos
quando falo. / Que ouça as minhas tristezas e neuroses com
paciência. / Preciso de alguém, que venha brigar ao meu lado sem
precisar ser convocado; alguém Amigo o suficiente para dizer-me
as verdades que não quero ouvir, mesmo sabendo que posso odiá-lo
por isso” ambos de Cristiana Passinato.
Já “Quando me amei de verdade”: “Quando
me amei de verdade, / compreendi que em qualquer circunstância,
/ eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato./ E
então, pude relaxar. / Hoje sei que isso tem nome… Auto-estima”
tem a autoria de Kim e Alison McMillen.
A
letra da música “Smile”, lindamente traduzida por João de Barro
(Braguinha), é de
John Turner e
Geoffrey Parsons; só a melodia é de Chaplin. Djavan
gravou no seu CD “Malásia”, de 1996 e no CD “Djavan Novelas,
Temas de Novelas de Rede Globo”: “Sorri
/ Quando a dor te torturar / E a saudade atormentar Os teus dias
tristonhos, vazios” e os créditos estão assim colocados:
Composição: Charles Chaplin/G.Parson/J. Turner - versão:
Braguinha. A tradução que circula pela internete é: “Sorria,
embora seu coração esteja doendo / Sorria, mesmo que ele esteja
partido / Quando há nuvens no céu / Você sobreviverá…”
Outro texto bastante conhecido é “Cada pessoa que passa”, que
também aparece com o título “Acaso”:
“Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha,
é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra.
Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha, e não nos
deixa só,
porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós.
Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova
de que as pessoas não se encontram por acaso.”
Embora o texto seja bastante divulgado na Net, não há como
comprovar de que filme livro/artigo foi retirado. Já o
atribuíram também a Saint-Exupéry e a Mario Quintana, e há quem
afirme que é de Khalil Gibran. De acordo com Mirian,
pesquisadora de autorias, “uma vez perguntaram numa comunidade
de Chaplin se esta citação era mesmo dele, como resposta,
postaram o link de um blog com a citação atribuída a Chaplin.
Ora, pesquisar autorias não é tão fácil assim, ainda mais
quando há muitos sites atribuindo incorretamente, não se pode
confiar na maioria /…/ Outro responde que tanto faz de quem
seja, pois a citação é linda. Outro diz que deve ser dos dois,
de Chaplin e Saint-Exupéry”. Embora o texto resuma um pouco da
lição que o Pequeno Príncipe aprende quando chega ao 7° planeta
visitado, ele não consta no livro. Só quem não leu pode afirmar
isso.
Já o poema:
“Vida” é, na verdade, de Augusto Branco (Pseudônimo) e consta no
livro
Viva apaixonadamente,
cujo registro é 449.877 - Livro: 845 - Folha: 37 e está também
postado em seu site A Grandeza
(Fonte:
http://agrandeza.blogspot.com/2008/09/j-perdoei-erros-quase-imperdoveis.html,
acesso: 26/10/09, data da publicação no blog: 18/09/08)
Leiamos uma estrofe do texto:
Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.
Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.
/…/
Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a
vida
com paixão,
perder com classe
e
vencer
com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é “muito” pra ser insignificante.
De acordo com o verdadeiro autor, ele foi atribuído a Chaplin,
pelo fato de ele ter usado uma suposta frase de Chaplin no final
do texto: “a
vida é muito pra ser insignificante”.
Consultando o site oficial de Chaplin, em inglês e os livros a
que se tem acesso - O
Pensamento Vivo de Chaplin, Livro
Clipping: Chaplin por ele mesmo e
Chaplin: Vida e Pensamento,
todos da editora Martin Claret, não foram encontrados nenhum dos
textos até agora citados.
Mirian afirma que pensou, inicialmente, que “Vida” fosse uma
adaptação do texto “Curriculum Vitae” (Eu
já dei risada até a barriga doer, já nadei até perder o fôlego,
já chorei até dormir e acordei com o rosto desfigurado. Já fiz
cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar, já me
queimei brincando com vela. Eu já fiz bola de chiclete e
melequei todo o rosto, já conversei com o espelho, e até já
brinquei de ser bruxo…) também
registrado na Biblioteca Nacional por Juliana Spadotto, por
considerá-los muito parecidos. No site
http://www.fantasiasdaalma.com.br/cantinho_amigos/experiencia.html,
entretanto, consta que há uma versão do mesmo texto, com
eu-lírico masculino, de autoria de Félix Coronel, publicada no
livro “Como é que é?” (2003, p. 18, segundo o site ”Fantasias
da Alma”, ou páginas 25-7, segundo o site de Rosangela Aliberti). A
confusão é real: “Curriculum Vitae” é atribuído a Juliana
Spadotto e a Félix Coronel; Félix Coronel publicou um livro
contendo o texto, e Juliana Spadotto conseguiu os direitos
autorais do texto em 2004. Mirian conclui: “O texto atribuído a
Chaplin, mas que pertence a Augusto Branco, tem semelhanças com
o texto de
autor
desconhecido
que, por sua vez, tem semelhanças com o texto de Juliana
Spadotto / Félix Coronel, tanto no estilo quanto nos objetivos,
mas, por causa da liberdade que os internautas têm de fazer o
que quiserem com os textos de qualquer pessoa e colocar em seus
perfis, a internet se tornou um telefone sem fio e por causa de
uma simples citação (que ninguém sabe se é de Chaplin, mas
acreditam que seja dele só porque viram em milhares de sites na
internet) o texto todo passou a ser atribuído a ele, fato
confirmado pelo próprio Augusto”.
A falsa despedida de
Gabriel Garcia Márquez.
“O monólogo da marionete” circulou na internet como “Poema de
despedida de Gabriel García Márquez”, ou seja, uma despedida do
escritor Gabriel García Márquez, quando se soube acometido de um
câncer linfático. Leiamos uma parte do texto:
Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete
de pano e me desse um pedaço de vida, talvez eu não dissesse
tudo que penso, mas com certeza pensaria tudo que digo. / Daria
valor às coisas não pelo que custam, mas pelo significam. /
Dormiria pouco e sonharia mais, por que para cada minuto em que
fechamos os olhos perdemos sessenta segundos de luz. / Andaria
quando os outros param, despertaria quando os outros dormem,
ouviria quando os outros falam, e como aproveitaria um sorvete
de chocolate…! /…/ São tantas as coisas que aprendi de vocês.
Mas não terão muita serventia, porque quando me guardarem dentro
desta maleta, infelizmente, estarei morrendo…”
Ele próprio negou a autoria e desdenhou da qualidade do texto,
que começou a aparecer em sites de autoajuda desde julho de
1999, como “uma colaboração de García Márquez a um programa de
menores maltratados”.
Em 29 de maio de 2000, o jornal peruano La Republica
publicou “La Marioneta” como sendo “um poema de despedida que
García Márquez enviou a seus amigos mais próximos, devido ao
agravamento de sua doença. Em 30 de maio, todos os jornais do
México reproduziam a notícia. O La Crónica dizia, em
manchete: “Gabriel García Marques canta uma canção para a vida”.
Em 31 de maio, García Márquez declarou: “Lo
que realmente me puede matar es la vergüenza de que alguién me
crea capaz de haber escrito un texto tan cursi, tán malo”. Foi
então que apareceu o verdadeiro autor, o ventríloco Johnny
Welch, que se pronunciou ao
jornal mexicano Reforma (www.reforma.com/cultura/articulo/011476/)
em 1º de junho de 2000,
magoado: “A mí me duele profundamente que el señor García
Márquez diga que él no se atrevería a escribir una cosa tan
cursi, pero respeto su opinión. Yo no soy un letrado o una
persona que haya estudiado Filosofía y Letras, soy un ser humano
con la necesidad de comunicar lo que siente y lo hago con el
corazón”.
Johnny Welch vive no México, onde publicou dois livros, Lo
que Me ha Enseñado la Vida - obra em que consta o texto com
o título “Si yo tuviera vida” - e Hilos de Vida
Betty Vidigal, em sua perquirição para compreender a falsa
atribuição, descobriu que o Jornal La República declarou que o
texto publicado havia sido enviado pelo escritor Abel Posse,
embaixador da Argentina no Peru. Vidigal foi mais fundo:
“soube-se que Abel Posse recebeu o texto por e-mail da escritora
Elizabeth Burgos, radicada em Paris. Ela, por sua vez, recebeu-o
de Rosario Sosa, a quem não conhece. O e-mail tinha partido da
Bélgica. Rosário Sosa, ao receber o “poema”, enviado por Donato
di Santo, da Itália, enviou-o a 17 pessoas, entre as quais
estava o presidente do Chile, Ricardo Lagos”. Ou seja a
distribuição via e-mail é que foi responsável pela ampla
divulgação do texto, como ocorre na maioria dos casos
semelhantes.
“Instantes” não é de Jorge Luís Borges nem de Nadine Stair
O poema “Instantes”, do qual transcrevemos a primeira e a última
estrofe em língua portuguesa, não é de Jorge Luis Borges nem de
Nadine Stair. Esse foi um dos casos de falsa autoria que mais
envolveu investigações:
Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,
relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido. /…/
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo
No artigo de José Nêumanne Pinto, postado no Jornal de Poesia,
www.secrel.com.br/jpoesia/autoria.html#instantes,
ele diz que “o escritor gaúcho Moacyr Scliar sente-se
parcialmente responsável por sua divulgação no Brasil, por ter
encontrado o texto em Buenos Aires e o publicado em português,
em Porto Alegre.”
Na Folha de S. Paulo, em 17 de dezembro de 1995, Scliar
relata como conheceu o poema - na Argentina, em 1987, com o nome
de Jorge Luís Borges. De volta ao Brasil, publicou-o no jornal
Zero Hora: “A repercussão foi extraordinária …
imediatamente surgiram cópias que eu encontrava afixadas em
lugares os mais variados: casas de amigos, restaurantes,
repartições públicas. Ao mesmo tempo, pessoas me escreveram de
Buenos Aires, contestando a autoria de INSTANTES”; diz,
finalmente, que o poema não foi escrito por Borges, mas por
Nadine Stair, poeta norte-america.
Maria Kodama, viúva de Borges, ficou surpresa com a repercussão
do texto nos meios de comunicação em geral e tratou de negar a
autoria publicamente. O texto foi originariamente publicado em
inglês, com o título de Daisies (margaridas). Mas o texto
também não foi escrito por Nadine Stain. Vidigal continua:
“Byron Crawford, colunista do Louisville Courier-Journal,
descobriu uma sobrinha de Nadine Strain, segundo a qual sua tia
não deixou outros escritos: a Música é que era sua paixão. Cega
na velhice (como Borges), e vivendo em um asilo, Nadine pedia
para ser levada ao piano todos os dias e tocava enquanto os
outros faziam suas refeições”.
A mais antiga publicação de “Instantes” está na Revista Seleções
do Reader's Digest, edição de outubro de 1953, e seu autor é Don
Herold (1889-1966), escritor e humorista, autor de cerca de uma
dúzia de livros.
O texto se inicia com a frase “Of course, you can't unfry an
egg, but there is no law against thinking about it.”
(É claro que não se pode desfritar um ovo, mas não há lei que
proíba pensar nisso). “Só então ele começa a desfiar as
considerações sobre viver a vida outra vez, tirando-lhes, com
essa introdução, o tom lamurioso”, diz Vidigal. A frase final
(Pero ya ven, tengo 85 años… y sé que me estoy muriendo)
não em nenhuma outra versão em inglês, só aparece nas de língua
espanhola exatamente as que colocam Borges como autor. Mais uma
‘brincadeira’ do mundo virtual!
Martha Medeiros e Neruda – nada a ver
A cronista Martha Medeiros é uma das maiores vítimas de
adulteração de textos. São dela: “A massacrante felicidade dos
outros”, “A voz do silêncio”, “A Impontualidade do Amor”,
“Amores mal resolvidos” – (o título correto é: “Até a Rapa”),
“Eu te amo não diz tudo” ou “Saber Amar”, “Felicidade realista”,
“O que faz bem à saúde / Previna-se”, “Os olhos da cara” –
aparece também com o título “Juventude eterna”, com enxertos não
se sabe de quem -, “Para que serve uma relação?”, “Promessas
matrimoniais”, “Sacanagem” ou “O amor só acontece antes dos 30”,
“Saudade” – (o título correto é: “A dor que dói mais”),
“Sentir-se amado”, “Sermão do casamento” - (o título correto é:
“Casamento na Igreja”). Nenhuma, entretanto, foi tão copiada
quanto - “Morre lentamente”, cujo título correto: “A morte
devagar”, que, em vários sites, blogs e PPS aparece em forma de
versos, com o nome do poeta chileno Pablo Neruda:
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar,
morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de
marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Também não são de Neruda os poemas “Dos e/ou Dois”,
Dois…/
Apenas dois./ Dois seres…/ Dois objetos patéticos./ Cursos
paralelos /Frente a frente…/ …Sempre… / …A se olharem…/ Pensar
talvez: / “Paralelos que se encontram no infinito…” / No entanto
sós por enquanto./ Eternamente dois apenas” – O texto é belo,
mas não se sabe quem é o verdadeiro autor. Igualmente belo é
“Ainda não estou preparado para
perder-te”: que dizem ser de Gian Franco Pagliari, mas não há
confirmação:
“Ainda
não estou preparado para perder-te
Não
estou preparado para que me deixes só.
Ainda
não estou preparado pra crescer
e
aceitar que é natural,
para
reconhecer que tudo
tem um
princípio e tem um final.
/…/
E ainda
não estou preparado para caminhar
por
este mundo perguntando-me: Por quê?
Não
estou preparado hoje nem nunca o estarei.
Ainda
te Necessito.”
“Saudade é a solidão acompanhada”: “Saudade é solidão
acompanhada, / é quando o amor ainda não foi embora, / mas o
amado já… / Saudade é amar um passado que ainda não passou, / é
recusar um presente que nos machuca, / é não ver o futuro que
nos convida” é, na verdade, uma fala do personagem-poeta Afonso
Henriques, na novela Fera Ferida escrita por: Aguinaldo
Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn, mas aparece em
vários sites com o nome do poeta chileno.
Consultar
Moacyr Scliar - VERSOS INFAMES: A FRAGILIDADE DA FALSIFICAÇÃO
– Folha de S. Paulo, 17/12/95, e
www.geocities.com/Athens/Agora/3382/textos.htm#text1.
JORNAL DA CIÊNCIA
www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=18017. |