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COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

 

BANDA LUSÓFONA | PORTUGAL

António José Forte | (1931-1988)

Sobre a poesia de António José Forte

Nicolau Saião

Dizia Ernesto Sampaio em “A única real tradição viva” que “É esta a orla de um tempo onde todo o pensamento grande e rigoroso vai dar ao Inferno”. Noutro continente, por seu turno, referia Chesterton que “Todo o encadeamento de palavras leva ao êxtase, todos podem levar ao país das fadas”. É pois entre florestas e sombras inquietantes ou surpreendentes que se movem as vozes dos Poetas, uma vez que a razia social, se acaso consente a maravilha, muito mais desejaria essas vozes perenemente sob um sol negro de amargura. Nestes tempos do fim como lhes chamou André Coyné, a Poesia move-se com dificuldade e é deslocando-se entre Sila e Caribdis que a nave poética busca chegar a bom porto.

Náo tenhamos ilusões: o Poeta que o é e não simples abonador de prestígios em verso para maior glória dos seus donos, tem sempre pela frente a insídia das horas do quotidiano policiado – mesmo sendo homem de paz – da intolerância social das aparelhagens sediadas nos pólos onde a avidez, o interesse orientado, a mesquinhez, a corrupção judicial e a fraude pública ditam as suas leis.

Para os que persistem em opor aos desvigamentos sociais do dia-a-dia uma palavra alta e clara, já Gilbert Proteau nos esclareceu qual o destino mais provável: a corda, o punhal, o garrote, as difamações geralmente impunes, o calabouço e, nos casos mais suaves, a marginalização. Aos que acaso escapam, resta em geral uma vida de dificuldades que, entre nós, se cifra na “apagada e vil tristeza” dum mundo que não pode e não quer consentir a liberdade luminosa de ser-se “profeta e aedo num país onde só querem que haja lapuzes e vilões”, para citar Manuel Carreira Viana.

A poesia de António José Forte, falecido em meados de 1989, ilustra de maneira perfeita o trajecto de quem não cede e persiste em procurar a casa encantada em cujo telhado crescem floridas excrescências carnosas, o “palácio ideal” que Cheval levou à prática e tantos outros tentam erguer ora aqui ora ali, entre bosques pimordiais e estranhas muralhas de granito.

Dede o seu pimeiro livro “Trinta noites de insónia de fogo nos dentes numa girândola implacável” até aos poemas finais dados a lume na Editorial Estampa, passando plo texto que tinha como personagem nuclear Daniel Cohn-Bendit vindo a público na revista “Grifo”, imediatamente retirada de circulação pela PIDE que impediu a publicação de novos números, sente-se perpassar uma grande inquietação temperada, todavia, pela ternura dos seus melhores momentos. As imagens encadeiam-se de forma inusitada, sempre muito próximas de um “real absoluto” que punha em destaque o amor e o conhecimento do mundo onde as figuras estendiam salutarmente de mão em mão os objectos comuns como um cigarro ou uma chave.

 Lembro, das conversas havidas ao velejar os minutos ao fim da tarde ou já na noite colectiva, o interesse que Forte tinha pelos grandes mistérios da existência (pirâmides de Tenochtitlan, as construções desenhadas na planície desértica de Nazca…) e, em contraponto, os enigmas contidos na existência quotidiana habitual, que lhe pareciam ultrapassar os outros em fascínio e estranheza. Esse quotidiano onde ele “passasse a fumar/ e o fumo fosse para se ler”.

A poesia de António José Forte foi-me dada pela primeira vez a ler por Donato Faria, seu companheiro de emprego nas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, numa das nossas habituais reuniões (já Forte saíra de Portalegre para ir trabalhar na Casa mãe) na pensão da Rua 31 de Janeiro, frente à taberna Capote e cujas janelas de terceiro andar deitavam para o Largo da Sé – sempre repleto de gente, principalmente rapazes e raparigas alunos da Escola do Magistério Primário, neses anos em que a cidade não mergulhara ainda na desertificação que hoje a caracteriza em geral e no casco histórico em particular.

Foi ali que este me mostrou os “Cadernos Pirâmide” da responsabilidade de Carlos Loures e Máximo Lisboa. Era a segunda vaga surrealista, que trazia nela autores como Manuel de Castro, o magnífico poeta de “Estrela Rutilante” que teria como pares, no desenho e na pintura, as explosões singulares de Mário Botas e José Escada, posto que actuassem por outras bandas.

Mergulhando inelutavelmente no sonho de todas as horas, interiores e exteriores, a poesia surrealista desses tempos, seguidos logo de outros onde mais autores se forjavam, forçava por libertar-se dos enleios do hábito, do conformismo imposto por condottieri exteriores, geralmente literatos subidos ao poder administrativamente e nele mantidos pelos mandantes dentro e fora dos órgãos de comunicação e das estantes desses lugares de massacre que demasiadas vezes são os “estabelecimentos de ensino” de alto coturno. E em que o lirismo, mais que ser apenas “um epigonismo da prisão de ventre” como Cesariny dizia com justa ferocidade, seria luz revelada na noite geral.

O lirismo de Forte, separado – por uma brusca mutação interior – daquele que ainda hoje se expande em revoadas de folhas propiciadas por tanto vate de ocasião (ou, o que ainda é pior, por operadores de safada carreira cimentada por áulicos), aspirava à realidade, essa realidade outra (surrealidade) em que as mãos, por exemplo, já não são objectos para prender os movimentos alheios mas sinal palpável de fraternal sabedoria alcançada, pomo finalmente liberto abrindo fulgores diferentes e mais autênticos.

Contra a quinquilharia que frequentemente fere o viajante, a sua poesia é suscepível de criar em quem a lê um apetite de melhor e menos banal. A ua adjectivação, que nunca bordeja as margens do efémero ou do destrambelhadamente pseudo-original, que nunca reside e se eixa cair na redundância pretensiosa mas é antes um sublinhar de adequadas iluminações, faz passar de estrofe para estrofe símbolos que extinguem a inutilidade das escritas que acatitam a leitura.

Dizia Étienne de Sénancour: “O homem é perecível; pode ser…Mas pereçamos resistindo e se, ao fim, o que nos espera é o vazio e o nada façamos com que isso seja uma injustiça”. A poesia de António José Forte, que permanece nos nossos ouvidos e na nossa cabeça muito depois de ser lida, ilustra de forma soberana como é possível lançar, aos deuses pogramados e progamadores, o grande desafio dos que sabem ser e dar-se a si mesmos como penhor de que não foi em vão a passagem dum Poeta pelas planícies do tempo destroçado.

 

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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Cumplicidade expressa: Alfonso Peña, Eduardo Mosches, Gladys Mendía, José Ángel Leyva, Maria Estela Guedes, Soares Feitosa e Socorro Nunes.
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