Milano o outro
Dante
Floriano Martins
Dante
Milano pertence àquela plêiade de poetas cuja existência os
brasileiros raramente recordam, embora ali encontremos algumas
das mais importantes de nossas vozes poéticas. Refiro-me a nomes
como Emílio Moura, Augusto Meyer, Henriqueta Lisboa e Joaquim
Cardozo. Uma reduzida bibliografia não corresponde à grandeza de
sua poesia, embora tenha contado com a lucidez crítica de
Franklin de Oliveira, Sérgio Buarque de Hollanda e Otto Maria
Carpeaux entre seus comentaristas. Autor de uma poesia
reflexiva, que se punha em estado de diálogo com tudo o que
abordasse, chamou para si pouca reflexão no que se refere aos
estudos críticos a seu respeito.
Juntamente
com Manuel Bandeira, Dante Milano (1899-1991) não adere
formalmente ao Modernismo de 1922. E há nisto uma razão
essencial: a modernidade de ambos era anterior e já
encontrava-se bem fundada. Aliás, o caso de Dante Milano deve
irritar aqueles que julgam a rima como um recurso redutor da
linguagem poética, uma vez que tal recurso esteve presente em
toda sua poesia, mesmo nos últimos momentos. A verdade é que a
consciência poética supera qualquer submissão a modismos ou
preconceitos de turno. E a breve, porém intensa e reveladora,
obra poética de Milano nos ensina, entre outras tantas coisas,
exatamente isto.
Autor de
um único livro, Poesia (1948), editado contra sua
vontade, e que seguiu sendo ampliado a cada reedição, deixou
como inesquecíveis duas outras aventuras: a tradução de alguns
cantos do “Inferno”, da Divina Comédia, e uma conferência
sobre Leopardi. Em 1979, Virgílio Costa preparou para a
Civilização Brasileira uma edição abrangente de seus textos em
prosa e verso. Ali encontramos também suas traduções de vários
poemas de Baudelaire e a prosa publicada na imprensa carioca.
Seu nome, na verdade, só não passou por inteiro despercebido
graças a uma entrevista de Carlos Drummond, em 1987, onde
questiona a popularidade como elemento definidor da qualidade de
uma obra artística. A entrevista situa Milano entre os melhores
poetas brasileiros.
Já em
1980, o poeta Ivan Junqueira expressava a mesma opinião na
crítica carioca, situando Milano, ao lado de Drummond, Cecília
Meireles, João Cabral e Jorge de Lima, entre “os maiores poetas
brasileiros do presente século”. Claro que não teve a mesma
repercussão da declaração de Drummond, porém nos mostra a
atenção que uma voz tão lúcida quanto a de Junqueira mantinha em
relação à poesia brasileira. E faço aqui esta menção unicamente
em face da publicação da coletânea Melhores Poemas. Dante
(1998), cuja seleção e prefácio vêm assinados justamente por
Ivan Junqueira.
Esta
antologia, que reúne pouco mais de setenta poemas de Dante
Milano, traz consigo dois aspectos importantes. Em primeiro
plano, uma nova difusão da obra deste importante poeta
brasileiro. Aliada a isto a presença de um largo estudo
introdutório, que mergulha como em nenhum outro momento nos
aspectos mais pertinentes e reveladores da poética de Milano.
São mais de trinta páginas de observações críticas onde se
menciona tanto a defesa de uma poesia reflexiva quanto aquela
multiplicidade um tanto controversa dos recursos de linguagem
utilizados por este excepcional poeta.
Como
disse, Ivan Junqueira sempre manteve estreito vínculo com a
poesia de Dante Milano. Não somente movido por um exercício
ensaístico, mas antes por afinidades poéticas. Em entrevista que
lhe fiz para meu livro Escritura Conquistada (1998),
disse-me: “Se poetas como Bandeira, Drummond ou Dante Milano são
os mais altos de nossa literatura, cabe dizer aqui que só
ostentam essa condição porque, à parte seu talento pessoal,
foram poeticamente os mais cultos. A propósito, não sei de
nenhum grande poeta de qualquer língua que não fosse
poeticamente culto, ou seja, que não conhecesse a fundo seu
ofício e os segredos de seu idioma.” E conhecimento do ofício
não entra em choque com inspiração. O poeta tanto é tomado por
forças como é o “tomador” de forças.
Dante
Milano buscou tornar a vida um poema. Não por um artifício, uma
forma fria de convencimento, mas antes por uma identificação
intensa entre existência e consciência. Buscou tornar a vida,
tanto quanto o poema, necessária. Tinha um profundo respeito
pelo sentimento de essencialidade das coisas, do momento preciso
e inadiável das coisas se revelarem. E descria tanto da
imortalidade quanto da importância humana depois da morte. E
disse isto com todos os seus versos. |