O poeta contemporâneo
Fernando Aguiar
1.
Ao
tomarmos consciência dos recursos do presente, estamos a
perspectivar a arte do futuro.
A
poesia, como arte literária, tem inevitavelmente que acompanhar
e corresponder às possibilidades que a tecnologia põe à sua
disposição.
O
espírito da descoberta e da pesquisa estética inerente à
actividade criativa, faz com que a produção poética recorra a
estes meios para criar novos poemas e para elaborar obras com um
carácter mais inovador, mais actuante, mas igualmente poético.
Por
isso é natural que nos próximos tempos se verifique uma
aproximação cada vez maior aos meios tecnológicos, sobretudo com
as crescentes potencialidades dos computadores no tratamento da
escrita, da imagem e do som.
Embora não nos apercebamos, os diversos sentidos têm adquirido
uma capacidade crescente de se adaptarem à simultaneidade, em
interacção com o cérebro. Terá sido sempre assim, mas pelo os
códigos visuais e sonoros têm-se multiplicado, obrigando os
sentidos a decifrarem mais rapidamente e em conjunto as
mensagens recebidas, inter-relacionando-as.
O
desenvolvimento científico encaminha a sociedade e a consequente
produção artística nesse sentido, e não deixa grande espaço para
uma inversão de marcha.
A
capacidade de um entendimento integrado acrescido pela
criatividade, dá à poesia os argumentos para o uso das
tecnologias na realização do poema.
A poesia só se poderá considerar uma forma de arte enquanto se
encontrar no domínio da informação, isto é, enquanto contribuir
com algo de novo na produção do poema. E os meios tecnológicos
são um importante campo de exploração na procura de novas
linguagens poéticas. E poesia é, definitivamente, uma palavra
visual.
Apesar dos suportes referidos no capítulo anterior, alguns dos
quais já se utilizam há vários anos na criação poética como a
fotografia, a electrografian ou o video, sognos, espaços, sons,
movimento, volume, estrutura, cor e, obviamente, letras e
palavras, fazem parte dos recursos e do vocabulário semiológico
e fonético do poeta actual.
Embora possa parecer um exagero, pelo menos neste aspecto os
poetas visuais são como Deus: escrevem direito por linhas
tortas. E esse poder é-lhes conferido pela produção dos seus
poemas mediante técnicas e suportes diversificados.
2.
Mas
estes avanços e descobertas vão manter a voz, ainda que tratada
e trabalhada, como factor de dicção e de transmissão sonora do
poema, assim como o próprio poeta que, com a sua presença,
tornará mais expressiva e estimulante a criação do acto poético
ou a interpretação do poema.
Este
é também um aspecto em que o poeta pode acrescentar algo de novo
a uma arte milenar que é a poesia, e à tradição da sua
transmissão oral praticada pelo próprio através da sua
capacidade expressiva e comunicativa.
Existe ainda uma questão curiosa em relação à intervenção ou
performance poética. Se é possivél considerar-se que uma obra de
arte ou literária só é experimental enquanto está em fase de
criação, a performance poética é efectivamente o poema
experimental no seu estado mais puro. E isto porque simplesmente
não existe como obra acabada no sentido objectual do termo
(apenas no aspecto temporal), esgotando-se no processo criativo.
Apesar de uma intervenção poética ser pensada e estruturada,
existe sempre um certo grau de imprevisibilidade. O poema vai-se
desenrolando perante o leitor que está a assistir em tempo real
à sua criação (relegando a leitura da poesia literária ou de um
poema visual para um acto meramente virtual ?), e quando a
intervenção acaba, o processo criativo do poema termina ficando
apenas na memória de quem o viu.
Mesmo que a performance seja registada em video ou fotografado
resulta simplesmete na fotografia de um poema, enquanto que o
video de uma performance é apenas o registo videográfico de uma
acção, necessáriamente redutor, e não a intervenção em si.
Assim, se o poema experimental só existe verdadeiramente
enquanto processo, isso acontece exclusivamente com o acto
poético. Porque só a performance permite o imponderável no
poema.
Estes avanços e descobertas vão manter a voz, ainda que tratada
e trabalhada, como factor de dicção e de transmissão sonora do
poema, assim como o próprio poeta que, com a sua presença,
tornará mais expressivo e estimulante a criação do acto poético
ou a interpretação do poema.
Apesar dos suportes já referidos, alguns dos quais já se
utilizam há vários anos na criação poética como a fotografia, a
electrografia ou o video, signos, espaços, sons, movimento,
volume, estrutura, cor e, obviamente, letras e palavras, fazem
parte dos recursos e do vocabulário semiológico e fonético
actual.
Embora possa parecer um exagero, pelo menos neste aspecto os
poetas visuais são como Deus: escrevem direito por linhas
tortas. E esse poder é-lhes conferido pela produção dos seus
poemas mediante técnicas e suportes diversificados.
Poesia & Interação
Uma
das características da arte actual é o seu poder de interacção,
é a sua capacidade de relacionar os diferentes géneros
artísticos e diferentes “média”, para permitir uma percepção
mais criativa por parte do fruidor.
Mais
do que caracterizar ou definir, importa associar, interligar,
ultrapassar barreiras, destruir catalogações e compartimentos
onde, normalmente, a arte é colocada.
Pintura, escultura, dança, música, poesia, teatro, mímica e
video, deixaram de ser apenas áreas de especialização para
contribuírem com algumas das suas especificidades para a
produção de uma arte heterogénea, viva, actual e com um elevado
poder de comunicação.
A
poesia é um bom exemplo: os numerosos suportes através dos quais
esta é hoje realizada, retiraram-na há muito das rígidas
estruturas gramaticais e dos contornos da bidimensionalidade,
sempre limitativos, para ganhar uma estrutura e uma forma
diferente, por vezes tridimensional e com movimento.
É o
caso do poema-objecto, da instalação poética, de electropoesia
(poesia criada através da fotocopiadora), da poesia de
computador, da video-poesia, da holopoesia (poesia escrita com
raios laser) e sobretudo, da intervenção do próprio poeta em
tempo real.
É
com a performance ou acção poética que o conceito de interacção
melhor se realiza, pela dinâmica criada pelo poeta/performer em
relação a todos os objectos, conceitos e veículos expressivos
utilizados.
O
rápido desenvolvimento da tecnologia e a possibilidade de
explorar essas potencialidades, permite ao poeta (e para além do
livro) exprimir-se de uma forma mais completa e também mais
complexa, provocando a necessidade de usar de uma forma mais
aprofundada e quase sempre sincronizada os diversos sentidos,
para uma melhor elaboração e percepção do acto poético.
Esta
atitude veio não só alterar a ideia tradicional de poesia, como
o próprio termo “poesia visual” deixou de estar adequado a
determinadas realidades poéticas, já que “poesia visual” está
ainda demasiado conotada com uma poesia essencialmente
bidimensional, apesar de todos os jogos espaciais das letras e
das palavras, e da utilização das imagens.
Neste momento, a poesia é mais informacional no sentido do seu
tratamento pela informática, é mais cibernética no sentido do
envolvimento da máquina como suporte da mensagem, é mais
integracional por integrar em si o uso de materiais, técnicas
diversificadas e um manancial de conhecimentos entretanto
adquiridos, é mais relacional atendendo ao inter-relacionamento
dos canais sensoriais, e é mais interactiva por interaccionar
esteticamente todos estes aspectos.
Interactiva porque todos os componentes do poema são o resultado
de uma (inter)acção conjunta entre si. Interactiva porque o
poema age pela reacção dos diferentes factores inerentes ao acto
poético. Poesia interactiva pela actuação interagente dos
aspectos estéticos e informativos. Interligados. Interassociados.
Interpenetrados. Intertextuais.
Esta
poesia interactiva não se poderá considerar tanto como uma
poesia de ruptura, mas representa o resultado da prática e da
evolução real de uma determinada área poética com
características mais experimentalistas.
Nos
últimos trinta anos houve uma evolução visível na poesia e na(s)
forma(s) desta ser veiculada. E sobretudo no último decénio, a
poesia avançou para algo que é mais do que a simples valorização
do aspecto visual do poema. Evoluiu para uma interacção activa e
criativa dos sentidos através dos meios que os poetas têm
utilizado.
Por
todas estas razões, a poesia interactiva é um dos caminhos a
seguir como processo de investigação poética e como forma de
potencializar criativamente a palavra. |