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J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

 

BANDA LUSÓFONA | PORTUGAL

Fernando Alves dos Santos | (1928-1993)

Fernando Alves dos Santos: lembrança e homenagem

 

Perfecto E. Cuadrado

 

A história do Surrealismo em Portugal é ainda um território aberto à descoberta e às surpresas, um território parcialmente inexplorado onde podemos encontrar, junto a alguns protagonistas já universalmente conhecidos outros que estão pedindo ainda uma urgente reavaliação ou recuperação e alguns quase que uma verdadeira ressurreição em parte por ter ficado à sombra dos “vultos maiores” mas também por se terem afastado do mundo literário ou artístico (ou pelo menos da face mais pública e espectacular desse mundo), como foi o caso de um Risques Pereira ou o do poeta que aqui e agora celebramos publicando a sua obra poética: Fernando Alves dos Santos (Lisboa,1928-Albufeira 1993), de quem pouca coisa ficou a se saber nas histórias excepto a sua dedicação preferente à actividade teatral e a sua participação nalguns dos episódios da aventura surrealista nos seus primeiros momentos de afirmação e intervenção polémica e nalguma das exposições que posteriormente tentariam recuperar momentos ou aspectos particulares daquela intervenção mais com um propósito de renovada provocação do que com os objectivos e os métodos do historiador e do arqueólogo. Sabemos assim que:

1) Assinou a “Declaração” enviada ao Diário de Lisboa, em carta assinada por António Maria Lisboa em resposta a uma carta de António Pedro ao mismo jornal (9-5-49), dentro da polémica suscitada pelas intervenções no JUBA. A “Declaração” era assinada também por: António Maria Lisboa, Mário Cesariny de Vasconcelos, Henrique Risques Pereira, Pedro Oom, Carlos Eurico da Costa e A. do Cruzeiro Seixas (Vid. Mário Cesariny: A Intervenção Surrealista . Lisboa: Ulisseia, 1966, pág. 128; reed., Lisboa: Assírio & Alvim, 1997, pp. 129-130).

2) Participou na 1ª Exposição dos Surrealistas. Sala de projecção da “Pathé Baby”, Lisboa, 18 Junho-2 Julho 1949 com “Poemas e uma mala”.

3) Assinou o panfleto colectivo Do Capítulo da Probidade (Lisboa, Dezembro de 1951) junto a Mário Cesariny de Vasconcelos, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa, Henrique Risques Pereira, Carlos Eurico da Costa e Artur do Cruzeiro Seixas [Panfleto em resposta às afirmações/acusações de Alexandre O’Neill no seu livro Tempo de Fantasmas. Lisboa, Cadernos de Poesia . Fascículo onze. Segunda série. Novembro de 1951].

4) Participou na exposição O Cadáver Esquisito Sua Exaltação Seguida de Pinturas Colectivas. Galeria Ottolini. Jornal do Gato. Lisboa, Fevereiro de 1975, com o cadáver esquisito realizado em 1949 com António Maria Lisboa que no Catálogo da exposição vem indicado com o título “Manifesto” mas que no próprio desenho tem em baixo, antes das assinaturas, a frase “A descoberta incessante dessa grande taça que habita o Mundo Contrário”, título com que já aparece no Catálogo da exposição “Três Poetas do Surrealismo”, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981.

Ora bem, para além dessas colaborações em actividades colectivas, Fernando Alves dos Santos deixou-nos uma obra poética de que foram publicados dois livros (Diário Flagrante. Lisboa, 1954, e Textos Poéticos. Lisboa, 1957) e alguns poemas dispersos por antologias, catálogos e revistas, ficando inéditos vários outros poemas e um livro – De Palavra em Palavra – que estava pronto para a sua publicação em 1988.

Da actitude da crítica para com a obra de Fernando Alves dos Santos queixava-se Mário Cesariny comentando que “a crítica, geralmente bastante erecta, não quis ter a maçada de tropeçar no primeiro livro de poemas, saído em 1953, do autor da ‘Mala do Viajante’”, [1] e voltava ao assunto anos depois falando do autor como “poeta de dois pequenos livros em alto voo planado, ainda hoje invisível aos olhos da crítica”. [2]

Provavelmente a única excepção – mas esta fora de Portugal e passada já mais de uma década da publicação das obras – a essa atitude geral de silêncio da crítica foi a de Antonio Tabucchi, quem havia de recolher na sua pioneira antologia da poesia surrealista portuguesa alguns dos poemas do autor do Diário Flagrante apontando ali que “la sua poesia si distingue per una forza lirica ed evocatrice percorsa da una sottile vena d’ironia”. [3]

No primeiro livro, o Diário Flagrante, destaca a presença do amor que da sentido a uma existência marcada pela experiência da solidão e do silêncio na atmosfera muitas vezes asfixiante duma paisagem carregada de signos de negatividade, nocturnidade, vaguedade, deserto e exílio – a noite, o outono, a neblina, a charneca (com Florbela invocada qualificando o substantivo: “charneca florbela”) –, um sentido traduzido em termos românticos de convulsão na presença do sublime na natureza, nas ideias ou nas sensações:

 

Obrigado meu amor, obrigado

Pelo medo da tua morte,                                                                                   

pela paisagem rara de humanidade,

pelos longínquos sopros do silêncio: – OBRIGADO.

Pela bela agonia do que existe,

pelo esplendoroso mar que sinto a transbordar nas trevas,

pelos relâmpagos gerados no horizonte,

pelas minhas longas mãos em torno do teu leito,

pela espuma que projecto nas estrelas,

OBRIGADO MEU AMOR, OBRIGADO.

 

E, na esteira do estado de tensão romântica entre a realidade e o desejo, o sonho como espaço ideal de liberação frente ao espaço quotidiano e real e simbólico da cidade e como caminho para o vôo do poeta à procura dum além luminoso que pode ser simples miragem no deserto ou armadilha que o sol prepara ao novo ícaro.

Voar, fugir, sonhar, procurar uma realidade poética onde respirar e viver: a viagem, essa obsessão do poeta moderno, que sempre esteve presente no imaginário do autor (lembre-se a mala com que ficou representado na 1ª Exposição dos Surrealistas), percorre como tema recurrente (às vezes através das alusões a um emblemático comboio) os poemas do seu segundo livro, Textos Poéticos, presidindo a belíssima narração lírica “As cidades e o meu nome” onde a imagem do homo viator aparece ligada à da construcção duma cidade feita para tornar possível a experiência do amour fou que por sua vez permite à personagem a descoberta e a experiência da própria identidade, do “nome”, talvez aquele “nome” que Cesariny reclamava no seu conhecido poema “A Antonin Artaud” como promessa e privilégio duma “idade em que serão esquecidos por// completo//os grandes nomes opacos que hoje damos às coisas”.

 No livro que ficou inédito (apesar dos esforços de Mário Cesariny para o publicar) e que agora incorporamos a esta edição, a realidade quotidiana vai emergendo das brumas do sonho para se concretizar mostrando os seus perfis mais duros, as referências a essa realidade (física, política, moral) são cada vez mais concretas e identificáveis, e a luta pela sua transformação (reabilitação) mais prendida à prosa do dia-a-dia e por isso mais insatisfactória e mais cruel. Mas apesar das armadilhas e das resistências da realidade real, o Poeta conseguiu chegar a esta estação final da sua “itinerância” agarrado à sua mala mítica onde sempre guardara a brúxula – o Amor – para não se perder na Cidade que Verhaeren alcunhou lúcidamente de “tentacular” e o instrumento – a Palavra – para perpetuar com as mais fulgurantes imagens a sua condena e para desenhar a esperança resumida poética e proféticamente no “haverá// um acordar” de Mário Cesariny.

 

 

NOTAS

1. Mário Cesariny: A Intervenção Surrealista. Lisboa: Ulisseia, 1966, pp. 203-206 (na reed. da Assírio & Alvim, 1997, pp. 202-205).

2. “Para uma cronologia do surrealismo em português”, in As Mãos na Água a Cabeça no Mar. Lisboa: Assírio &Alvim, 1985, pp. 278-279.

3. Antonio Tabucchi A parola interdetta. Poeti surrealisti portoghesi . Torino: Giulio Einaudi Editore, 1971, pág. 73 [Assinale-se que nesta obra, e na bibliografia de Fernando Alves dos Santos, aparece recolhida uma obra, Crónicas duma cidade inexistente, Sintra, 1966, de que não temos podido encontrar referências]

[Prefácio do livro Diário flagrante, de Fernando Alves dos Santos. Organização de Floriano Martins para a Coleção Ponte Velha da Escrituras Editora. São Paulo, 2008.]

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

     1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
    2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
     3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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