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J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

 

BANDA LUSÓFONA | PORTUGAL

José Manuel Capêlo | (1946-1010)

À beira do mês de março - na morte de José Manuel Capêlo

Nicolau Saião

Conheci José Manuel Capêlo na segunda metade dos idos de oitenta, numa tarde em que por intermédio de José do Carmo Francisco nos encontrámos ao pé da Estação do Rossio sob um sol quente de Verão.

Combináramos de antemão por carta, pois nem sequer se sonhava com telemóveis ou mensagens interactivas, essa jornada em que iríamos passar uma considerável parte do resto do dia num pequeno restaurante ao Bairro Alto, amparados por uns comes-e-bebes de bom porte que foram uma espécie de enquadramento para uma conversa algo rabelaisiana: gostava de comer e de beber, o autor de “Fala do Homem Sozinho”, de “Rostos e Sombras”, de “O incontável horizonte”, falava profusamente na sua voz bem timbrada e era de simpatia rápida. Não estaria mal entre goliardos, entre joviais companheiros num banquete onde houvesse iguarias e poesia entremeadas. Complexo e claramente fantasista, tinha projectos que uns se concretizariam e outros ficariam apenas esboçados. O que, perante alguns menos contentáveis o feriu frequentemente, pois o seu fundo imaginativo era por vezes atraiçoado por uma veloz mudança de cenários, que o metiam – soube-o depois -  em andanças um pouco menos que rocambolescas.

Mas era aberto e comunicativo, expansivo e poeta bastante para nos cativar e, mesmo, permitir-nos passar por alto certo pendor baloiçante de alguma navegação sua.

Devido a essa simpatia mútua logo com generosidade me convidou a participar na noite seguinte, para conversarmos e dizermos poemas, num programa de rádio que tinha numa das localidades da Grande Lisboa. Aboletou-me em sua casa e entre o petiscar afável da cozinha britânica (estava consorciado, nessa época, com uma senhora inglesa) em que nos compaginámos, contou-me estórias movimentadas que colhera nos sete céus e nos catorze continentes devido à sua profissão de comissário de bordo da TAP. Todo ele esfuziava e, si non è vero è bene trovato, mostrou-me um filme bastante conhecido (O Bom, o Mau e o Vilão de Sérgio Leone) em que entrara como figurante (médico militar nas cenas após uma escaramuça da Guerra da Secessão) junto a Clint Eastwood, Lee van Cleef e Eli Walach.

O programa a que me levou estava bem estruturado, era aliciante e ele conduziu a emissão de uma forma competente e que me permitiu excursionar com certo desembaraço por coisas do Alentejo, da noite circundante, da escrita e, em suma, da aventura de viver. 

Devido a isso, num repente e suscitado pela sua figura bem recortada, criei a partir do seu aspecto físico (com a sua agradada aquiescência) o meu personagem Doutor José Jagodes, o misto de pensador-pirata que alguns dias depois apareceria em “O Distrito de Portalegre” na sua primeira “aventura”, “O Jagodes em Espanha”.

Em princípios de 88, telefonou-me e convidou-me a participar numa antologia que teria o título de “Palavras – sete poetas portugueses contemporâneos”. Como as coisas da edição, ontem como hoje segundo julgo saber, não eram fáceis, o colectivo acertara esportular uma quantia que minorasse os custos. Como eu nessa época, devido a circunstâncias do meu erário de pai de família andava ligeiramente descapitalizado, informei-o de que não me seria possível abrir os cordões à bolsa, ficando com pena minha fora das suas deles cogitações. Ele disse-me que iria ver…

E o livro veio de facto a lume, com um prefácio de João Rui de Sousa - que na altura só conhecia de nome - que me era muito favorável. Soube então que a minha parte a pagara ele do seu bolso.

O lançamento foi numa conhecida livraria da capital, com galeria de pintura anexa e chão de empedrado como nas ruas finas. E se aludo a isto com pormenor é porque se verificou nesse evento uma situação que tenho por razoavelmente curiosa, pouco abonatória da minha proverbial distracção e que muito divertiu o nosso Capêlo que com senso de humor me xingou cordialmente durante todo o jantar que se seguiu, num entreposto do Bairro Alto em que também me fizeram cantar para poderem aquilatar dos meus hoje já diminuídos dotes vocais…

Sentados na mesa dos oradores, acompanhados do actor-declamador João D’Ávila que iria ter o encargo de dizer o acervo de poemas escolhidos, eu tive a sensação de que diversos membros da assistência que enchia completamente o salão os conhecia de algum lado que não divisei, a princípio, perfeitamente.

E o evento seguiu seu curso, com agrado geral e aplausos – e recordo que no final e antes dos autógrafos um dos membros da assistência, também ele poeta, me veio simpaticamente cumprimentar e exprimir-me o seu apreço sincero.

E a dada altura, já o nosso Capêlo me propiciara a companhia de um copo de tinto pundonoroso e aconselhara provasse uns panadinhos muito salubres, aproximou-se de mim uma senhora alta, com aspecto cordial e franco, que me disse: “Importa-se…? É para mim e para o meu marido”. “Com todo o gosto minha Senhora – retorqui eu imediatamente. E logo a seguir: “Pode fazer a fineza de me dizer o seu nome e o de seu esposo?”.

A senhora olhou-me um pouco intrigada. Deve, acho eu, ter pensado: “Estes poetas…são todos uns despassarados de marca…” ou qualquer coisa pelo estilo. Mas, com delicadeza, acrescentou de pronto: “Ora então ponha, faz favor: Maria e Aníbal…!”.

E foi então, estimulado por uma discreta cotoveladazinha nas costas dada pelo Capêlo, que se me fez luz…

As pessoas que eu parecia conhecer de qualquer lado eram políticos colunáveis: secretários de Estado, um que outro ministro, deputados e membros de formações partidárias. E a senhora…já adivinharam…era a Senhora de Cavaco Silva, que na altura estava primeiro-ministro. E devia-se a presença, solidária, de todos eles à circunstância de um dos antologiados ser Fernando Tavares Rodrigues, na época director-geral da Informação e figura destacada do PSD…!

Soube recentemente que JMC, numa sequência a que o seu interesse pela História e o Mito o levava, escrevera uma obra que me dizem de gabarito sobre o universo templário luso. A sua poesia, que fui encontrando enquanto participante-conviva em diversas publicações ou a constante em livros que ciclicamente me fazia chegar, tem uma estrutura discursiva e apaixonada de bom quilate. Ele era um intenso, mas caldeava essa característica por uma feitura sabedora, o que lhe permitia fazer excursionar a sua escrita de maneira consequente e muitas vezes com uma indubitável alta qualidade. E se por vezes se deixava enredar por uma certa deambulação declamatória, creio que o devia ao seu excesso de vitalidade, pois naquela época era vigoroso e ainda não tivera de abandonar, por mando dos esculápios, conforme me foi dito, as saborosas refeições e o corolário de um cigarro ou um charuto reconfortante.

À beira do mês de Março, quase no fim de Fevereiro, um AVC fulminante levou-o para outros espaços aos 64 anos, ao José Manuel Capelo, poeta, viajante dos céus, albicastrense de gema e sonhador de inspirações várias.

Saúdo-o com um evohé fraternal e sentido.

 

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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