P R O J E T O   E D I T O R I A L   B A N D A   L U S Ó F O N A

 

 

J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

 

BANDA LUSÓFONA | PORTUGAL

Júlio Conrado | (1936)

A poesia portuguesa depois da revolução de Abril

Júlio Conrado

Os acontecimentos de 25 de Abril de 1974 encontraram os escritores portugueses maioritariamente agrupados, do ponto de vista político, numa ampla frente antifascista e treinados na arte de iludir a censura salazar-caetanista com toda a espécie de artifícios por forma a que a sua mensagem de protesto contra o estado das coisas chegasse até um público virtualmente anti-situacionista, de consciência cívica sensível aos problemas do país e por conseguinte atento aos sinais de mudança que os livros continham nas entrelinhas. Tornou-se então imperioso aprender a escrever em liberdade. Fora subitamente alargada a faixa de consumidores da escrita em tempo de “liquidação” do regime antigo e de ensaio de tomada do poder por uma parte das forças de esquerda vencedoras. A liberdade de expressão passara a nutrir-se da efervescente luta de classes no seio das empresas, nas ruas e nos campos; da querela ideológica no seio das famílias e em sectores moderados aturdidos com a espiral de violência verbal dos grupos radicais. Não é, pois, de admirar que os poetas, nos trabalhos produzidos a “quente”, exprimissem as suas emoções utilizando uma linguagem tão terra-a-terra quanto possível que os conservasse em harmonia sustentada com a dinâmica revolucionária posta em marcha. É o momento em que os escritores se tornam “outros”, seja porque a censura os trouxera amordaçados e a realidade de distúrbio feliz produz neles o efeito insólito da garrafa de espumante aberta com estrépito no quarto escuro, seja porque as convulsões sociais ateiam neles o fogo da palavra útil que é preciso alimentar por imperativos éticos e de intervenção directa na vida dos povos, seja, finalmente, pelo aparecimento de condições propiciadoras de uma tranquilidade criadora afecta a escolhas livres mesmo se o contexto socio-político, nalguma medida, tende de novo a constrangê-las. A recondução da Revolução dos Cravos ao seu inicial projecto democrático, o conturbado processo de descolonização, a chamada crise das ideologias gerada pela queda do Muro de Berlim e pela implosão do império soviético, tanto geográfico como mental, terão contribuído para a perda de coordenadas de alguns dos romancistas e poetas mais atreitos a considerarem os seus livros contributos materiais para uma irreversível ascensão à sociedade socialista, mas constituiram fenómenos que estimularam o reencontro de muitos outros com o prazer do texto, na medida em que puderam, passada a fase orgásmica da ruptura, apaziguadas as pulsões, serenado o discurso inflamado da paixão, culminar em liberdade as suas experiências com resultados notáveis atendendo ao volume e à pujança da obra concluída. O mínimo que se pode dizer é que, se a revolução mobilizou os poetas numa conjuntura favorável à intervenção directa destes na vida da comunidade, coagindo-os transitoriamente a adiarem projectos de realização próprios, aqueles que tinham realmente algo a dizer fora do quadro do pragmatismo revolucionário acabaram por fazê-lo com invulgar brilho, corroborando assim a convicção há muito vulgarizada segundo a qual a poesia portuguesa, dada a sua alta qualidade, constitui o género literário que melhor “representa” a literatura do país, pese embora o facto de também o romance ter contado, nos últimos vinte anos, com intérpretes de grande nível, contrariando uma outra ideia feita que dava os portugueses como estruturalmente ineptos para a prática de modalidade tão exigente.

 

Cantigas, leva-as o vento

Num texto que se pretende da máxima abrangência relativamente a um período tão extenso como é o que vai de 25 de Abril de 1974 até à actualidade, não é fácil evitar algumas generalizações nem contornar com análises tecnicamente rigorosas a necessidade de nomear, de lembrar, de não esquecer, porque se muitos são os chamados e poucos os escolhidos, não é este um lugar de escolha e sim de chamada. Comecemos por falar da canção de intervenção na medida em que ela foi veículo privilegiado da poesia no dealbar da liberdade. A Revolução nasceu, por assim dizer, a cantar e constituíu o pano de fundo ideal para o desabrochar da poesia como ela era então entendida por homens como José Carlos Ary dos Santos, Joaquim Pessoa, José Jorge Letria, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília, Manuel Freire, Sérgio Godinho e Francisco Fanhais. Alguns destes nomes de referência da esfera poético-musical tiveram grande influência na alteração do gosto do público no sentido da adesão deste à poesia cantada como “arma” contra a burguesia (terminologia e objectivos dos poemas-canções da época). A canção foi o instrumento mais à mão para fazer chegar a poesia ao povo e alguns dos que já eram ou viriam a consagrar-se vozes de topo na poesia portuguesa das últimas décadas estavam então conluiados com a música na experiência única de transformar a coisa poética numa causa popular de necessidade e urgência. A canção Grândola, Vila Morena, de José Afonso, foi a senha para o arranque das operações militares da madrugada de 25 de Abril e Ary dos Santos (d)escreveu-a assim: “Disse a primeira palavra / na madrugada serena / um poeta que cantava / o povo é quem mais ordena”. A fé de Ary dos Santos no “povo unido” que “nunca mais será vencido” levou-o a construir um poema-canção com base na palavra de ordem célebre, importada do Chile revolucionário. Pedra Filosofal, poema de António Gedeão de elogio ao futuro e à transformação do mundo, foi escutada até à exaustão na balada de Manuel Freire. Através de uma canção ouviu Natália Correia, emocionada, na rádio, no dia seguinte ao da data-corte, o seu poema proibido pela ditadura Queixa das almas jovens censuradas . “A poesia está na rua” era vulgar dizer-se nesses dias de comer estrelas na baixela da liberdade[1] muito por responsabilidade dos que a fizeram para ser cantada.

Se o sentimento de festa instalado na sequência da vitória dos capitães, deu, com efeito, à poesia cantada, uma ressonância nunca antes adivinhada, é preciso reconhecer na sua função circunstancial precaridades que a evolução do processo revolucionário e o percurso posterior dos próprios poetas acabaria por confirmar. Abril não foi só ponto de partida, foi também ponto de chegada. A frente antifascista dos escritores não correspondia a qualquer unanimismo estético-literário: era composta por grupos tendencialmente distintos que de diferentes maneiras interpretavam a oposição à ditadura. No caso particular dos poetas, havia-os de diversos matizes: os do conteúdo, os de vanguarda, os obscuros, os elegíacos, os surrealistas, os eróticos, os espiritualistas, os do quotidiano, os estrangeirados, os da guerra colonial e alguns mesmo realizando-se poderosamente sem ligação orgânica às linhas preponderantes ou ainda revelando-se herdeiros assumidos do património pessoano (influência não despicienda que Fernando J. B. Martinho trata com o escrúpulo do historiador e com a sensibilidade do poeta, que é, em vasta obra consagrada ao assunto, que adiante mencionaremos com o merecido relevo) ou do cesariano. Toda esta pléiade de poetas, unida na oposição ao fascismo, festejou jubilosamente a derrocada do velho regime, “caído de maduro”, como bem constatamos nos poemas de um céptico culto, lúcido e furioso da estirpe de Jorge de Sena, siderado no seu exílio de Santa Bárbara com o que em Portugal se passava: “ Qual a cor da liberdade? / É verde, verde e vermelha./ Saem tanques para a rua,/ sai o povo logo atrás: estala enfim altiva e nua, com força que não recua,/ a verdade mais veraz”,[2] nos versos de Manuel Alegre alusivos à vida por um só dia: “Foram batalhas perdidas. Foram derrotas vitórias./ Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias) / mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida)/ por um só dia vivida.”, na dúvida sobre a legitimidade dos militares para instaurarem um regime de liberdades que lemos em José Gomes Ferreira, dúvida logo desfeita assim que o poeta foi capaz de interpretar correctamente o rumo dos acontecimentos; nas tensas, tersas palavras de José Manuel Mendes: “depois Lisboa / doca da madrugada / tão de cravos nascida / o povo nas ruas / e o gosto a terra / que só a pátria / tem.”[3]

Cedo se percebeu, porém, que terminado o festim dos espantos surgiriam os problemas e que os tempos vindouros seriam de clivagens profundas entre gente intelectualmente honesta mas profundamente divergente quanto às rotas sociais e estéticas a trilhar. Cedo os poetas menos inclinados a abdicarem dos pressupostos que haviam assistido à obra passada (Natália, Torga, Sena, Sophia, Graça Moura) se posicionaram, não contra a liberdade nem contra a democracia, mas contra o anúncio de uma nova era totalitária, de sinal contrário ao da “ordem” precedente, capaz de sacrificar a uma retórica do “uniforme” de índole burocrática boa parte dos criadores inconformistas (ou apenas incorfomados com o rumo que as coisas levavam) tendo em conta tanto o modelo de sociedade que se pretendia implantar como as equivalências conhecidas da aplicação desse mesmo modelo noutras partes do mundo. Esta é, no entanto, uma luta que se desenvolverá ao longo dos tumultuosos meses de febre balizados pelas datas de 25 de Abril de 1974 e de 25 de Novembro de 1975, altura em que se concretizaram acções de contenção político-ideológica a partir das quais Portugal “regressou” à via ocidentalizante, não sem algumas vacilações e receios de perda de identidade face aos riscos insinuados, à esquerda e à direita, de diluição numa confederação europeia indiferente às especificidades nacionais. A Natália Correia, a poetisa que deu a cara nesse combate, foram assacadas responsabilidades golpistas na derrota do projecto de esquerda, mas a coerência com que depois se bateu pelas suas convicções, tanto no trabalho da escrita como no desempenho das funções de deputada na Assembleia da República atesta uma fidelidade aos valores da liberdade que ninguém ousa pôr em causa a não ser aqueles mesmos que, por razões intrínsecas ao seu perfil intelectual, se mantiveram apegados a irredutíveis visões do mundo e comportamentos afins.

A homenagem de doze poetas a Vasco Gonçalves, o militar-político que foi um dos rostos visíveis das forças acusadas de pretenderem instaurar em Portugal uma democracia popular, pode servir de contraponto à “luta” de Natália Correia pela “liberdade” já porque tinha a legitimá-la objectivos igualmente edificantes – uma “sociedade mais justa” – já porque ainda era difícil de assimilar, pelos sectores apoiantes do general (o famoso “Óscar” das operações militares de Abril) a inversão da corrente História, dois anos depois dos enfrentamentos de Novembro. Conquanto faça todo o sentido que a recolha tenha sido organizada por inspiração partidária, não só é inequívoca a alta qualidade de alguns poemas como se torna particularmente estimulante acompanhar no tempo e no espaço da escrita a evolução dos melhores destes doze cavaleiros do apocalipse: António Ramos Rosa, Armando Silva Carvalho, Casimiro de Brito, Eduardo Olímpio, Egito Gonçalves, Eugénio de Andrade, Gastão Cruz, José Jorge Letria, José Barreiros, José Ferreira Monte, Maria da Graça Varela Cid e Maria Tereza Horta.

 

Guerra colonial: resistência e catarse

De onde vinha e como estava a poesia que tínhamos à chegada do 25 de Abril ? Peguemos na ponta de um dos muitos fios cruzados do tecido da escrita poética – o que faz a ligação com a guerra colonial. Manda o rigor histórico sublinhar o facto de serem em número relativamente escasso as vozes poéticas que se ergueram contra a guerra no decurso desta, pelo que a poesia de resistência configurada como agente explícito de ruptura se confina a versões poligrafadas da índole de Discurso Claro como o Inverno (1961), de Liberto Cruz,[4] a discretas edições de autor como Três Natais (1967) de José Correia Tavares, a livros proscritos como Praça da Canção (1965) e O Canto e As Armas (1967), de Manuel Alegre ou aos contidos poemas-relatos de circulação restrita de Fernando Assis Pacheco, de que o título mais conhecido é Catalabanza, Quilolo e Volta (1972, reformulado em 1976). Ainda que da necessidade de exorcisar os fantasmas da guerra tenha resultado, depois do 25 de Abril, um importante acervo de testemunhos cuja “posterioridade” os situa num contexto de recuperação, acrescento e rectificação da memória colectiva (Vergílio Alberto Vieira, José Martins Garcia, Eusébio Cardoso Martins, João de Melo, Maria da Graça Varela Cid, J. H. dos Santos Barros, Celso Cruzeiro, Fernando Grade, Fernão de Magalhães Gonçalves e Filomena Cabral entre outros) , nunca é demais sublinhar o sacrifício dos pioneiros, tenha presidido ao seu discurso a cólera, a revolta, o desespero ou até mesmo o medo. Jornal de Campanha, de Liberto Cruz, publicado em 1986, reúne “fragmentos” escritos em Buela, Luanda e Sintra entre Maio de 1962 e Janeiro de 1965 que são, no dizer do ensaísta Eugénio Lisboa, “disparos” de um texto “avaro, rápido, seco, letal”. São na verdade incomplacentes para com a guerra essas composições de dois, três versos de recorte diarístico das quais não é excluído o desencanto pela ausência de protesto dos escritores quanto ao que se passava em África: “Onde estão os escritores do meu País / ó António Nobre, que nada escrevem sobre esta guerra ?” e se revelam ora vorazmente irónicas “Uma novidade: a partir de agora alguns pais vão passar a receber no dia 1O de Junho, no Terreiro do Paço, uma medalha em troca dos filhos.” ora de sibilante dramatismo nos limites da dor: “ Com um serrote de cozinha, o médico cortou, há pouco / um braço a um soldado. / A mão armada também salva.” Manuel Alegre, ex-expedicionário, exilado em Argel, registará em livros como Praça da Canção e O Canto e as Armas o absurdo da guerra e a impotência da poesia perante esse absurdo, de que o poema a seguir transcrito é exemplo:

De súbito três tiros na memória.

Apagaram-se as luzes. Noite. Noite.

De súbito três tiros nas palavras

um poeta calou-se apagou-se a canção.

 

De súbito um poema foi bombardeado

um poeta fechou-se nas vogais

cercado por consoantes que talvez

caminhassem cantando para um verso.

 

Eram granadas ? Eram sílabas de fogo ?

E de súbito a guerra. Noite. Noite. E um poeta

com cinco letras escreveu no chão: porquê ?

Com cinco letras do seu próprio sangue.

 

Praça da Canção

Também Fernando Assis Pacheco, no poema Monólogo e Explicação em Catalabanza se amargura com a fragilidade das sua “armas” preferidas – a poesia, os livros – no cotejo com a violência irracional.

Não puxei atrás a culatra,

não limpei o óleo do cano,

dizem que a guerra mata: a minha

desfez-me logo à chegada.

 

Não houve pois cercos, balas

que demovessem este forçado.

Viram-no à mesa com grandes livros,

com grandes copos, grandes mãos aterradas.

José Correia Tavares consegue fazer passar imagens doridas do conflito em África glosando o Natal, tema, em si mesmo, caro às autoridades, o que valeu ao pequeno livro Três Natais (1967) não ter sido apreendido, embora nesses poemas em prosa se denuncie com toda a veemência a malignidade do que então se passava além-mar. Textos que Liberto Cruz eleva à categoria de       “ testemunho duma geração que descobriu na guerra não serem a dor e o luto, a morte e o suicídio, simples e estafadas figuras de retórica.”

Ao sussurro confidencial da represada raiva, ao eco clandestino ou de exílio dos que eram contra a guerra respondia a direita nacionalista tocando a rebate para reunir as hostes que ainda se lhe mantinham fiéis, quando julgou ser oportuno dar a impressão de que eram afinal “muitos” aqueles que defendiam a ficção das províncias ultramarinas de Portugal “do Minho a Timor”. Numa recolha de poemas coordenada por António Almeida Matos O Corpo da Pátria, antologia poética da guerra do Ultramar (1961/71), são seleccionados “poetas da rectaguarda” e “poetas da frente”. Tanto no primeiro grupo como no segundo há presenças surpreendentes, como as de Rui Cinatti (1915-1986) – explicada, de algum modo, pela sua forte ligação afectiva a Timor – (Antologia,1986), de Manuel Geraldo e Álamo de Oliveira, que posteriormente evoluiram para posições críticas em relação ao sentido e às finalidades da guerra, a par do que de mais radicalmente conservador o regime produziu: Amândio César, Fernanda de Castro, Pedro Homem de Melo, Fernando Guedes, Barroso da Fonte, António Salvado, entre outros. Coincidindo com o polémico I Congresso dos Combatentes do Ultramar, foi editada uma antologia dos “poetas do Ultramar” intitulada Vestido de Soldado e organizada por António Salvado (1973).

Pode parecer estranho que, estando os poetas e escritores realmente importantes, juntos na vasta frente de oposição à ditadura, a guerra colonial lhes tenha passado praticamente ao lado durante os treze anos que durou. Recorde-se, a propósito, que uma terrível censura de guerra fez da questão colonial tabu (“a pátria não se discute”). Em Portugal, país periférico fechado ao mundo, cuja população era apertadamente controlada por uma polícia política violenta e poderosa, não se verificaram, por exemplo, os movimentos de opinião que nos Estados Unidos contribuiram para pôr fim à guerra do Vietname ou em França conduziram à independência da Argélia. Os escritores eram sensíveis à ideia de que soluções para a questão colonial passavam pelo estabelecimento de condições mínimas de democracia interna que permitissem a sua discussão. O combate privilegiou a restituição dos direitos, liberdades e garantias a um povo deles privado desde 1926, data que marca o advento do salazarismo.

Reconheça-se, ainda, que nenhum poeta – salvo, talvez, Bação Leal, morto na guerra, que não teve tempo para escrever senão sobre ela[5] – fez do conflito o núcleo temático mais forte da sua obra. A guerra constituíu um pesadelo que foi “poeticamente” digerido no seu horror como na sua transitoriedade pelos nela presencialmente envolvidos ou pelos contemporâneos cuja posição ética os colocava na mesma margem de alarme. O sonho mau levou tempo a passar, deixou fundos traços de desespero nas páginas que o relatam, mas uma vez resolvido o problema os poetas foram convocados para fazer outras coisas: a vida reclamava-os para novos e fascinantes desafios embora os que participaram em directo nos acontecimentos pontualmente os relembrem para que não sejam esquecidos. O caso de Vergílio Alberto Vieira é, a vários títulos, exemplar. O seu trabalho poético, de início influenciado por Eugénio de Andrade e que depois ganhou cambiantes particulares na experimentação de variantes de poesia pura, foi “suspenso” na sua orientação semântica e organizacional para abrir espaço a um livro catártico de conteúdo “guerreiro”- A Paixão das Armas (1983) -em que o autor sacode as mágoas do inferno quer recorrendo a implacável veia sarcástica que não recua perante o recurso ao léxico mais ousado para caracterizar situações caricatas sem olvidar a premonição da morte no horizonte de certos poemas, obsessão primordial de qualquer expedicionário lançado contra vontade na sangreira dos combates:

Metalizaram o espaço

 

Os olhos saltam das órbitas:

metalizaram o espaço

 

A terra sangra

Apodrece sobre o rosto nimbado

dos mortos

 

Pela madrugada, as buganvílias

deixaram de cantar

 

O espaço é de ferro, arma-se

de sombras:

 

Estamos dentro da morte.

 

O neo-realismo e depois

A liberdade reconquistada graças ao Movimento dos Capitães deu um segundo fôlego a alguns poetas resistentes, no passado reunidos em torno de uma colecção editada pela Revista Vértice, de Coimbra, intitulada Novo Cancioneiro (1941/1944). À data de 25 de Abril estão ainda vivos sete dos dez poetas, integrantes da colecção, dados como referências de cume da poesia neo-realista: Fernando Namora, Mário Dionísio, João José Cochofel, Joaquim Namorado, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira e Sidónio Muralha. Tinham falecido Francisco José Tenreiro (1963), Álvaro Feijó (1941) e Políbio Gomes dos Santos (1939) surgindo a publicação dos poemas deste último, em 1941, como homenagem póstuma. Já na década de noventa viriam a desaparecer Manuel da Fonseca e Mário Dionísio pelo que, actualmente, não restam sobreviventes. (A obra de Carlos de Oliveira está incluída em Obras de Carlos de Oliveira, Ed. Caminho, 1992, com prefácio de José Manuel Mendes).

Convidado a colaborar no nº 10 da colecção, que acabaria por não saír, José Gomes Ferreira considerar-se-á sempre membro do grupo. Todos estes criadores tinham a aproximá-los a intenção social de conotação marxista (neo-realismo era a máscara nominal de realismo socialista, para ludibriar a censura) conquanto variasse de poeta para poeta a atitude face aos imperativos estéticos da escrita: Fernando Namora jamais abdicará da componente psicologística que lhe vem de assumidas afinidades presencistas; Manuel da Fonseca manter-se-á ao rés do povo, cantando-lhe as necessidades e as dores com versos de uma densidade e depuração formal muito exigentes; Carlos de Oliveira refinará o seu notório gosto pela palavra rigorosa e contundente, construindo uma obra única à qual muitos defendem ter ido “beber” alguma da Poesia 61, conquanto outros preconizem que a influência foi de sentido inverso; João José Cochofel, “um aristocrata que simpatizava com o povo”[6] será uma voz intimista, crepuscular e discreta que se terá afirmado melhor no ensaio; José Gomes Ferreira, poeta do quotidiano citadino e das metáforas pomposas, gestor afortunado da dialéctica do eu individual-eu social, fará agulha, em liberdade, para a irreverente coloquialidade com que questiona o real a partir da observação directa da realidade, extraindo dos efeitos desta ganhos de popularidade não negligenciáveis; Joaquim Namorado será aquele em cuja obra pesará de forma mais nítida o “programa” de transformação da sociedade a que na literatura e na vida se devotou, e Mário Dionísio, intelectual e teorizador do movimento, na primeira fase, derramará o seu talento pelo ensaio, a crónica, a crítica, o conto e o romance, além, evidentemente, da poesia. Do grupo (alargado) do Novo Cancioneiro só Joaquim Namorado e José Gomes Ferreira são “poetas militantes” em 25 de Abril. Cochofel pouco se expõe.[7] Carlos de Oliveira, Fernando Namora e Manuel da Fonseca são então renomados romancistas. Mário Dionísio partilha-se pela pintura, o ensaio, a crónica memorialista, depois de ter escrito, convém lembrar, um romance paradigmático[8] causador de certa perturbação por se tratar de um trabalho tecnicamente elaborado ao arrepio daquilo que postulara nos anos quarenta como formalmente conveniente à boa consciência e eficácia neo-realistas. Pastoral (1976), de Carlos de Oliveira, Nome Para Uma Casa (1984), de Fernando Namora, e Terceira Idade (1982), de Mário Dionísio, são os títulos mais salientes de colectâneas de poemas assinadas pelos últimos representantes de uma geração de notáveis que, tendo começado pela poesia, se realizou predominantemente na prosa.

De entre os poetas de qualidade estreados nas décadas de quarenta-cinquenta, vários são os que chegaram ao 25 de Abril em plena actividade criadora, actividade que a libertação da censura tornou mais impetuosa e vibrátil. Dos praticantes do neo-realismo mais vincamente ideológico (Antunes da Silva, Armindo Rodrigues, José Saramago) aos cultores de relações de (boa) vizinhança ou de grande intimidade com um surrealismo retardado e que deram nas vistas graças ao dinamismo por si imprimido a modos de comunicação poética irreverentes e provocatórios para a época (António Barahona da Fonseca, Mário Cesariny de Vasconcelos, Alexandre O'Neill, Egito Gonçalves, Natália Correia, António José Forte, Mendes de Carvalho, José Carlos Gonzalez, Vergílio Martinho, Helder Macedo, Rui Cinatti, alguns deles componentes do grupo “abjeccionista” do Gêlo, uma tertúlia que animou, no café lisboeta do mesmo nome, a vida cultural no final dos anos cinquenta) e aos que irradiaram de projectos singulares ou grupais para fulgurantes caminhadas solitárias (Miguel Torga, Jorge de Sena, David Mourão-Ferreira, Sophia de Melo Breyner, Eugénio de Andrade, João Rui de Sousa, António Ramos Rosa e Albano Martins), todos tiveram bons motivos para se congratularem com a instauração das liberdades, incluindo a que mais lhes interessava, a liberdade de expressão, que os projectou no país finalmente à medida da sua verdadeira estatura intelectual, dando-lhes e às suas obras a visibilidade que os arrancou a um silêncio injusto e, nalguns casos, trágico, junto do seu próprio povo.

É difícil isolar de entre os nomes atrás referidos os dos “melhores”, dado tratar-se de criadores multifacetados que nalguns casos levaram até às últimas consequências a indagação metafísica da causalidade poética, como António Ramos Rosa, autor entregue, nesse campo, a uma denodada porfia cujo processo ainda decorre e à qual Vergílio Ferreira se reportou nos seguintes termos: “De livro em livro, de poema em poema, essa palavra rarefaz-se até ao desejo inexorável e absurdo de ser fala plena no silêncio. Palavra discreta que mal se enuncia, faz sinais longínquos a outras palavras à distância, estremece indecisa à ponta do “lápis” que a torna real – ela evoca o gesto de uma sacralidade e secreta iniciação.” (Do prefácio a O Incêndio dos Aspectos, 1979).[9] Sophia de Melo Breyner explora com impressivo recorte perfeccionista o engaste das paisagens límpidas e solares do Mediterrânio helénico (ou do sul português que mais se lhe assemelha) na palavra que, ao designá-las, resplende de um imaginário encantatório de beleza e transparência (De pedra e cal é a cidade / Com campanários brancos /De pedra e cal é a cidade / Com algumas figueiras. Geografia, 1961) . São-lhe assinaladas ao longo da obra certas inflexões de sentido tendentes à adesão a realidades mais “tangíveis” através de uma linguagem menos afectada por ressaibos aristocratizantes, mas a sua escrita jamais perdeu a unidade que faz dela um marco de coerência estilística na moderna poesia portuguesa.[10] David Mourão-Ferreira cristalizou em harmoniosa escrita clássica de assumido pendor hedonista o louvor à figura da mulher como mito erótico axial (Quem foi que à tua pele conferiu esse papel / que mais que tua pele ser pele da minha pele, Do Tempo ao Coração, 1966), mas notou com argúcia Eugénio Lisboa, a propósito de um dos seus poemas, que “… toda a poesia de David Mourão-Ferreira (1927-1996) com todo aquele deflagrar de corpos que fulgem, é minada por rios subterrâneos de uma angústia omnipresente: a luz segrega a sombra, como o deserto segrega a sede”.[11] Eugénio de Andrade, mergulha em versos da mais pura água sentimentos, afectos, paixões, solidões, desencantos, fundidos na matéria das coisas, nos elementos naturais e no destino precário do corpo depois do apogeu, sobretudo na fase posterior a Obscuro Domínio (1971), momento de viragem para uma das mais empolgantes aventuras poéticas do nosso tempo português (obras mais recentes: Matéria Solar (1980), O Peso da Sombra (1982) Branco no Branco (1984) Vertentes do Olhar (1987), O Outro Nome da Terra (1988), Rente ao Dizer (1992). Jorge de Sena (192O-1978) em azedo contencioso com a terra-mãe, ergueu um protesto gigantesco contra a exclusão a que o seu tempo o forçou, eivado de ressentimento radical, caso sem paralelo nas lusas Letras: “És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração. Eu te pertenço: mas ser's minha, não.” escreveu, referindo-se à pátria, que ainda a tempo recuperou como sua após demorado e aviltante exílio por diversas partes do mundo, que culminou em Santa Bárbara (Estados Unidos), onde o surpreendeu a notícia do golpe libertador. Homem de Letras dos mais cultos do seu tempo, queixoso do descaso dos contemporâneos em relação à sua obra, atormentado e vigilante, como sobre ele escreveu Angel Crespo, poeta-filólogo maneirista, como lhe chamou João Barrento, “caso-limite de identidade na alteridade”, a propósito das máscaras de Camões, como referiu José Augusto Seabra, Jorge de Sena é uma figura que impressiona pelo excesso na afirmação do que nega, pelo superavit de convicção alardeado nos seus textos, poéticos ou não, pelo protesto violento de quem não se rende ao ignominioso ultraje de um ostracismo imerecido.[12] Pela estrada larga da poesia viaja, com pujança criadora, João Rui de Sousa, sempre fiel a um lirismo de “obscura” clareza que não cessa de se renovar.[13] Miguel Torga (1907-1994) telúrico solitário, incansável no seu amor pelos lugares de apreço calcorreados a par e passo com paciência de peregrino e minúcias de investigador de sensações fortes, foi o moderno cantor da pátria, o que lhe sofreu as dores e os rancores e lhe captou os momentos cintilantes sem nunca perder de vista o destino de um povo sacrificado mas desperto para a defesa da sua unidade existencial. Arauto da liberdade, a quem Fernão de Magalhães Gonçalves reconheceu um itinerário órfico, um discurso cósmico, um discurso sociológico e um discurso teológico, foi na “clandestinidade do espírito” que estas linhas de sentido se intersectaram numa obra rica de significação e actualidade.[14]

Foste um sonho redondo

E és agora

Um palmo de amargura

Retornada.

Amargura que em mim

Também nunca tem fim

Por ter sido comigo baptizada.

[28.4.77 Diário XII]

Egito Gonçalves começa a ser um caso sério de longevidade literária activa: ganhou recentemente o prémio do Pen Clube Português, ex-aequo com Armando da Silva Carvalho, e sagrou-se vencedor do sempre ambicionado Grande Prémio de Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores, com o livro “E no entanto Move-se” (1995) no qual alguma crítica viu “os seus melhores versos”, mas a sua obra vem do início dos anos cinquenta: encontramo-lo já entre os colaboradores de Árvore , revista dirigida por António Ramos Rosa, António Luís Moita, José Terra, Luís Amaro e Raul de Carvalho de que sairam apenas quatro números mas que constituíu, segundo Clara Rocha, “lugar de afirmação de um grupo de poetas ligados pelo vínculo geracional e por um comum entendimento da criação artística”. Além dos fundadores e de Egito Gonçalves, por aquelas “folhas de poesia” passaram Matilde Rosa Araújo (cuja finura e sensibilidade poéticas pudémos rever em Voz Nua, 1986 e A Estrada Fascinante, 1988) Sebastião da Gama, Alberto Lacerda, Sophia de Melo Breyner, David Mourão-Ferreira, Cristóvam Pavia e Mário Cesariny de Vasconcelos.[15] Egito Gonçalves, autor de poesia de matriz surrealista, é considerado na História da Literatura Portuguesa, de Óscar Lopes e António José Saraiva, “o mais importante caso de imagismo-surrealismo que se transcende”, na primeira fase da sua carreira, e continuador “da tradição lírica do amor por uma partitura onde, às vezes com extraordinário acerto e audácia, a exuberância de registos metafóricos e de timbres afectivos se casa com a dialéctica ausência-presença, saudade-desejo, textualização possível-impossível, de um (dois) corpo(s) e suas circunstâncias.” A obra de Egito Gonçalves até 1991 está reunida em Pêndulo Afectivo, Ed. Afrontamento. Alexandre O'Neill (1924-1986) controversa figura literária à qual foram colados os rótulos de “surrealista”, “herdeiro” de Nicolau Tolentino (poeta satírico do século XVIII), poeta do “concreto” e “publicitário”, entre outras minudências de encarecimento personalista tendentes a arrumá-lo nos armários da História devidamente classificado, fez do verbo sistematicamente insubordinado o instrumento com que arranhou os tiques, as manias e as disfunções psicológicas dos seus contemporâneos, satirizando em versos breves e secos, plenos de eficácia, desbordantes de inventiva, uma quantidade enorme de tipos citadinos sem nunca cortar as asas às expressões que, adquirindo dinâmica própria, queriam voar para fora do quadro do “concreto” em que à viva força Alexandre Pinheiro Torres quis encarcerá-las, a avaliar por um textozinho programático incluído num livro intitulado justamente Programa para o Concreto (1966). Fernando J. B. Martinho, todavia, não anda longe das verificações de Pinheiro Torres ao reconhecer que O'Neill se “detém a observar criticamente o real, a sujeitá-lo, em tom de fala, próxima, viva, a uma visão ora ternamente irónica ora virulentamente sarcástica, de modo a dar-nos, na radiografia dos nossos pequenos ridículos e mediocridades, o retrato certeiro do país que somos.”, ao invés de libertar o real quotidiano “para as zonas do surreal onde se busca a anulação das contradições…”.[16] Albano Martins é mais um poeta defensor da economia verbal, que no seu caso se caracteriza por incidir numa escrita fortemente alegórica, portadora de fascinantes associações simbólicas de marcada ligação à natureza e à vida (Afluentes / dum rio: conúbio / da água com a água, Com as Flores do Salgueiro, 1995).[17] Raul de Carvalho fez da poesia o espelho da sua timidez, o vazadouro das suas amarguras de homem socialmente marginalizado. Serafim Ferreira, investigador da obra do poeta alentejano e um dos seus biógrafos, observa que na “dor” e no “sofrimento” “toda a poesia de Raul de Carvalho mergulha e se cumpre no destino de ser forma de expressão tão pessoal e própria, lembrando, como Lautreamont, que “só o poeta consola a humanidade”.[18] E para Luís Amaro (autor de delicada poesia intimista que não voltou a publicar em livro desde Diário Íntimo, Dádiva e outros poemas, de 1975) o desaparecido companheiro da Árvore viria a merecer-lhe as seguintes palavras na homenagem que lhe foi prestada em 23 de Novembro de 1996 na terra natal, Alvito: “A dada altura, descobrira, como fuga, o sentido de humor surrealizante – e quanto, no íntimo, sonharia ingressar no grupo marginal e culto, negativista, dos surrealistas lisboetas ! Mas não: as suas raízes nunca de todo se desprenderam do húmus natal, do vero padrão lírico de início, ainda que superando-o, enriquecendo-o de leituras, experiências, incursões no campo artístico em que se movia como em terreno próprio.”[19] António Gedeão, poeta, e Rómulo de Carvalho, professor, historiador e divulgador da Ciência, são uma e a mesma pessoa. O poeta estreou-se em 1956 com Monumento Perpétuo e em 1964 publicou Poemas Completos com prefácio de Jorge de Sena, asseverando Fernando Guimarães (J. L. 6.11.96) que o imaginário de António Gedeão “talvez esteja mais perto da expressão barroca” e salientando como “aspecto importante” da sua poesia “ o modo como se usa a sua figuração irónica”. Ao completar, no ano transacto, 90 anos de idade, as comunidades literária e científica juntaram-se para lhe prestar significativa homenagem. Dos poetas estreados na década de cinquenta que mantém um alto índice de produtividade, há a destacar Pedro Tamen, cujo livro inicial, Poema para Todos os Dias, 1956, ressente preocupações religiosas, tal como Fernando Echevarría (recolhas: Poesia 1956-1979; Poesia 1980-1984), seu companheiro de geração, evoluindo aquele depois para formas de crítica subtil e irónica da realidade quotidiana, como é bem patente em Horácio e Coriácio,1981: “Olha Daisy: quando amanhã for à praça / compro-te um peixe com uma chave no bucho. / Não serei Gepeto ou Jonas devolvido,/ mas leitor moído, colecção Manecas”;[20] Maria Alberta Menéres (Poemas Escolhidos 1952-1961, José Carlos Gonzalez (estreia: 1957; antologia: 7O Poemas,1990), Helder Macedo (Poesia 1957-1977, Moraes Ed., 1979) Rui Knopfli (Memória Consentida – 20 Anos de Poesia 1959-1979, Imprensa Nacional, 1982), Orlando da Costa (A Estrada e a Voz, 1951, Canto Civil, 1979, Caminho), José Blanc de Portugal (Parva Naturália, 1959, O Espaço Prometido, Moraes Ed., 1960) José Bento (Silabário, 1992, Relógio d'Água, obra poética 1953-1992) e António Cabral (O Mar e as Águias, 1956, Os Homens Cantam a Nordeste, 1967, Emigração Clandestina, 1977, Novos Poemas Durienses, 1993) são outros dos poetas estreados na década de cinquenta que vêm publicando com maior ou menor regularidade. Fernando Guimarães, estreado em 1956, é um caso notável de alteridade crítica/criação. A par do labor crítico bem evidenciado ao longo dos últimos anos nas páginas da Revista Colóquio/Letras e do J. L. escreve poesia, já reunida em Poesias (1956 a 1988) tendo recebido o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio do Pen Clube pelo seu livro Anel Débil, 1994, Afrontamento.

 

Os polémicos anos sessenta

Aqueles que o poeta Vasco da Graça Moura considera “uma boa merda”,[21] os anos sessenta (altura em que se estreou), são, objectivamente, anos decisivos para a poesia portuguesa contemporânea. Desde logo o aparecimento do grupo da Poesia 61 constituído por cinco poetas animados da vontade de romper com a “praxis” dominante veio alterar os equilíbrios existentes. Contra a verbosidade, a litania do social – que já não lograva impor com eficácia os seus estafados clichés messiânicos (os amanhãs que cantam, etc.) – e um certo conformismo reinante, os cinco intérpretes de Poesia 61 (Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Teresa Horta, Luiza Neto Jorge e Casimiro de Brito) propunham-se, através da adopção de uma linguagem tensa e densa, cifrada, de uma economia textual auto-vigiada a par de reiterada preocupação social, relançar nos circuitos comunicacionais mensagens em código, não de imediato referenciáveis pela censura, que compatibilizassem inovação significante e reforço da atenção aos mais candentes problemas que afligiam a sociedade portuguesa. Todos eles viriam a construir obra poética duradoura ainda que o trabalho da maoiria se tenha ressentido da pluridisciplinaridade que já informara a produção da anterior geração neo-realista: Maria Teresa Horta tergiversou, sem grande sucesso, pelo romance, em repetidas digressões eróticas de registo intimista; Fiama Hasse Pais Brandão repartiu-se pela poesia e pelo teatro, expondo-se à crítica, que viu na “obsessão” pela metáfora, causa de asfixia e devorismo textuais, o sinal de um momento “historicamente determinado” de valorização recorrente dos “padrões míticos”[22] e inflectindo ultimamente para modos de acentuação da carga sonora da sua poesia, depois de discutida a presença, nela, do sujeito intertextual e da autonomia da escrita, em composições de ressonância camoneana;[23] Casimiro de Brito cultivou a ficção romanesca (sendo co-autor de um interessante romance “a dois” com Teresa Salema), a crónica e a crítica, evoluindo na poesia para patamares superlativos de inteligência do prazer, trazendo a provocação do desejo à superfície das palavras solares que o nomeiam, depois de ultrapassado o pessimismo “elegíaco” dos primeiros versos (Corpo Sitiado, recolha, 1955-1963). No seu último trabalho, Intensidades (1996) nostalgia, androginia e afirmação narcísica da urgência de amar como saída para o “belo caos inquieto do mundo em volta”, fundem-se numa valorização do presente e dos seus momentos privilegiados “Já que não posso mudar o mundo / deixa-me sacudir a areia / das tuas sandálias”;[24] Gastão Cruz e Luiza Neto Jorge (1939-1989) terão sido, digamos assim, os menos erráticos, a segunda porque viria a falecer quando ainda tinha muito para dar à poesia e a sua herança literária se confina aos versos de intransigente e dorida frontalidade – não isentos de uma exigente contenção formalista – com que ataca o universo das ideias feitas, exalta as metamorfoses do corpo minado pela doença ou dominado pelo desejo erótico e luta pela dignidade humana, e o primeiro por opção, o que faz dele o poeta mais coerente com os objectivos iniciais do grupo,[25] até porque, tendo sido um dos seus teóricos, capitaliza numa escrita que retém da lição camoneana a sua essencialidade, as capacidades de expressão que dão corpo a muitos dos objectivos que postulou.

Os poetas aglutinados à volta do projecto Poesia 61 tiveram a sua “réplica” em Coimbra, ainda sob a égide tutelar da Vértice e do incentivo ideológico de Joaquim Namorado, na publicação dos primeiros poemas de José Carlos Vasconcelos, Fernando Assis Pacheco e Manuel Alegre. Diferentes seriam os percursos destas três figuras importantes da sua geração: José Carlos de Vasconcelos trocaria o suado labor poético pelas seduções do jornalismo, mantendo de pé, depois de dezasseis anos de teimosia, um baluarte das Letras – o Jornal de Letras, Artes e Ideias -, título de referência na imprensa cultural portuguesa; Fernando Assis Pacheco (1937-1996), de quem já falámos a propósito da guerra colonial, evoluiria para uma poesia de recorte surreal-satírico distante dos belos propósitos da sua fase neo-realista (Musa Irregular, 1996); e Manuel Alegre, cuja vasta obra se distribui pela condenação da guerra, o protesto cívico e um “mergulho” afectuoso no património lírico português (de Camões a Bernardim Ribeiro, dos trovadores a Fernando Pessoa), tendo a pátria como instância mítica central, trata, ora com fervor épico, ora com delicada sensibilidade, factos históricos erigidos em temas nucleares sem nunca prescindir dos recursos rítmicos e de musicalidade da melhor poesia tradicional.[26]

Organizados em torno das páginas literárias dos jornais da província, alguns poetas de diversas proveniências (na maioria neo-realistas ou aparentados mas igualmente surrealistas como Carlos Loures e Fernando Grade) realizaram “encontros” cuja periodicidade se quis anual mas que em boa verdade se realizaram somente quando foi possível, com a finalidade de se darem a conhecer uns aos outros e incomodarem a ditadura, o que, até certo ponto, conseguiram. António Augusto Menano, um poeta da Figueira da Foz, e Santos Simões, professor em Guimarães, lograram dinamizar, confrontados com dificuldades enormes, esses encontros, sendo que no seguimento de um deles (Cascais, 1964), embora não como sua consequência directa, foi preso pela polícia política o poeta Carlos Loures. José Ferraz Diogo, Daniel Filipe, Idalécio Cação, Manuel Amaral e António Augusto Sales, além dos já citados, entre outros, pontificaram nesse movimento. Com exepção de Fernando Grade, que não “saíu” da poesia, as restantes figuras ou “desapareceram” na voragem da militância política, ou se “perderam” para profissões mais estimulantes ou, enfim, cederam, como tantos outros, à atracção da prosa. António Augusto Menano tem-se feito notar ultimamente por romances-crónicas fixados na sua experiência de Macau, onde viveu alguns anos (embora com poesia aí localizada: Poemas do Oriente, 1990) e Carlos Loures ficciona preferencialmente episódios da luta contra o salazarismo. Luís de Miranda Rocha – cujo primeiro livro data de 1968 (O Corpo e o Muro) – um poeta contemporâneo deste grupo mas que vem percorrendo um caminho próprio de indagação existencial a partir de textos de complexa estrutura semântica, continua a fazer prova da sua coerência relativamente à opção tomada (obras mais recentes: Os Arredores do Mar, 1993, Vagas, Artifícios,1995) .

Em 1964 apareceu o primeiro caderno de publicação antológica Poesia Experimental, que congregou nomes revelados no último quartel da década anterior, com vista à abertura de uma frente de “desconstrução do discurso” que “suportava ideologicamente” uma sociedade “traumatizada e eivada de contradições internas e externas… uma sociedade provinciana oprimida e fechada como a nossa”.[27] A poesia experimental, voltada para a exploração de recursos não especificamente literários, como o visual e o objectual, colidia frontalmente com os valores que sustentavam a crítica literária mais influente da altura, a crítica jornalística, ao favorecer “valores mais pragmáticos, objectivos e construtivistas, tais como a estrutura da construção do texto, quer visual, quer fonética, quer morfológica, ou a transgressão produtora da própria autonomia textual, ou o isomorfismo conceptual-visual do poema concreto.” António Aragão, António Ramos Rosa, António Barahona, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder e Salette Tavares figuram na rampa de lançamento de Poesia Experimental . A maioria destes poetas viria a perseguir interesses próprios, nem sempre coincidentes com a natureza fundadora do movimento. E. M. de Melo e Castro, principal teorizador e divulgador das acções do grupo, Ana Hatherly, Salette Tavares (1922-1995) e José Alberto Marques, a que depois veio juntar-se um poeta iconoclasta como Alberto Pimenta, identificado com as posições de Adorno,[28] são os vultos mais insinuantes, em Portugal, da poesia de vanguarda tal como ela era praticada e divulgada nos seus fundamentos e propósitos, nos anos sessenta e que na década precedente tivera no Brasil percursores da envergadura de Décio Pigmatari e Haroldo e Augusto de Campos.

A década de sessenta (cujos autores nesse período revelados ou em início de carreira têm larga repercussão desde o 25 de Abril até aos nossos dias), é, no entanto, quanto a performances individuais, dominada por dois poetas de proveniências diferentes: Herberto Helder,[29] estreado no decénio anterior (O Amor em Visita, 1958) companheiro de cruzada dos mentores da Poesia Experimental, faz desde logo alarde de frontal recusa dos dispositivos culturais dominantes, e Ruy Belo (1933-1978) – cujo livro de estreia, Aquele Grande Rio Eufrates, é de 1961- oriundo da área espiritualista afecta à Igreja Católica, “obriga” a sua poesia a um movimento deslizante, ao encontro das preocupações da sociedade “laica”, acabando por veicular dilacerantes contradições de cariz ontológico, que constituem, para muitos, a sua principal riqueza, através da atitude neo-romântica que passou a impregnar a sua escrita, até aí voltada para os grandes feitos históricos e para o elogio da pátria como universo mítico tutelar. “Não renego um passado conhecido de muitos, susceptível de ser conhecido por quem o quiser conhecer. Apesar disso sofri alguma coisa, numa sociedade e num país onde se sofre muito. No termo de dez anos de uma aventura mística que terminou há dez anos, eu saí para a rua e para o dia-a-dia com este punhado de poemas, com estas palavras que me consentiram escrever nos breves intervalos de um silêncio durante muitos anos imposto, a pretexto de que, de contrário, a minha alma correria perigo, como se eu tivesse uma coisa como alma, como se correr perigo não fosse talvez a minha mais profunda razão de vida.” São premonitórios estes versos de 1976 extraídos do poema Uma Forma de me Despedir:

Nos fins de setembro quando eu partir

de uma cidade seja ela qual for

quando eu pressentir que alguém morre

que alguma coisa fica para sempre nos dias

e ou nuns olhos ou numa água

num pouco de água ou em muita água

onda do mar lágrima ou brilho do olhar

eu recear seriamente vir-me a submergir

direi alto ou baixo conforme puder

com a boca toda ou já a custar-me a engolir

as palavras mar ou mulher

com certo vagar e cada vez mais devagar

mulher mar

depois quase já só a pensar

o mar a mulher

Não sei mas será

talvez mais que outra coisa qualquer

uma forma de me despedir[30]

De Herberto Helder dirá Fernando J. B. Martinho tratar-se de um “Poeta indelevelmente marcado pelo Surrealismo” que fez de elementos como o “excesso”, a “graça furiosa”, a “vertigem”, a “febre”, os fundamentos do seu processo criativo”[31] enquanto que Maria Estela Guedes, num extenso e informado trabalho de interpretação da obra deste autor[32] destrói logo à partida eventuais reservas dos receptores mais cépticos: “Herberto Helder é um dos poetas mais fascinantes que me foi dado ler, e aquele cujo poder encantatório mais me deslumbrou. Este livro representa o tributo que ao fim da estrada o viajante paga por a ter percorrido, sendo também o resultado de quatro anos de convivência assídua com a obra herbertiana.”

Ruy Belo e Herberto Helder contrariam, não de modo deliberado mas tão só porque são intrinsecamente avessos à economia de linguagem que consubstanciava a proposta de Poesia 61, todo e qualquer obstáculo ao curso da palavra, não reconhecendo limites técnicos à expansão desta, e se o primeiro, não obstante, ainda respeita os pressupostos do comunicado clássico, o segundo subverte-os em deslumbrantes jogos de espelhos estilhaçados, numa exuberante reivindicação de liberdade para o texto poético de alguma maneira contrastante com a discrição que pauta o seu comportamento social. Herberto não aceita prémios, não dá entrevistas, repele sistematicamente homenagens e prebendas, não tem visibilidade mediática, vivendo exclusivamente para a Poesia numa entrega de si a si e de si a ela, Poesia, sem outros mediadores que não sejam os editores que lhe publicam os livros, os leitores, alguns amigos. Personagem estranhíssima no mundo das pequenas vaidades e dos pequenos vedetismos dos artistas das Letras, Herberto Helder distingue-se sem dúvida como uma das mais fortes personalidades literárias do século que certamente muita tinta ainda fará correr: além de que não esgotou o seu invejável gosto de experimentador nem exauriu o seu fabuloso arsenal linguístico , a “obra feita” do ilustre poeta madeirense – a que ele costuma chamar “Poesia Toda” – é já suficiente para alimentar o interesse de várias gerações de estudiosos que sobre ela venham a debruçar-se criticamente.

Outro dos poetas que marcou presença significativa foi Armando Silva Carvalho, cujo ano de estreia foi o de 1965 com Lírica Consumível . Escritor plurifacetado, que tanto em poesia como em prosa tem patenteado um apreciável arcaboiço satítiro na crítica à sociedade do seu tempo, ora censurando com grande à vontade as dialécticas do consumo e os ritos da publicidade, ora ironizando o processo de realização e produção do texto, ora refinando a acentuação no erotismo, tudo isto na óptica do desgaste de uma visão do social urbano potencialmente geradora de mal-estar civilizacional , Armando Silva Carvalho é um dos bons valores da sua geração que ainda recentemente mereceu, de parceria com Egito Gonçalves, o prémio do Pen pelo seu livro Canis Dei, 1995.[33] Vasco Graça Moura, estreado em 1963 com Modo mudando, seguido de Semana Inglesa (1965) e de Quatro Sextinas (1973) em edições de autor, só depois do 25 de Abril vem a conhecer grande notoriedade pública, quer pelo ritmo de produção e de publicação imprimido à sua obra desde então, quer porque se desdobrou em mútiplas actividades com afirmação mediática garantida, sobretudo as relacionadas com a sua postura cívica de “reserva intelectual” do cavaquismo. Embora tendo experimentado, com discretos resultados, a ficção romanesca, na poesia – uma poesia inicialmente próxima do surrealismo que depois derivou para uma estilização classizante do seu discurso, suportada, por um lado, pela vasta cultura de V.G.M., por outro, pelo apelo dos temas “eternos” (o amor, a morte, o tempo), tratados com torrencialidade, exigência estética e ambição humoral – mais e melhor se exprimem as suas faculdades de escritor. Escritor multifacetado: aos vinte e dois títulos que leva publicados em poesia, há a juntar treze livros de ensaio, três romances, duas peças de teatro, crónica, diário e uma antologia. Em 1996 sairam os Poemas Escolhidos (1963-1995), Bertrand, uma boa plataforma para quem pretenda lançar-se no estudo da obra acompanhado de um estudo interpretativo do autor. Liberto Cruz que, para lá da sua já referida intervenção como testemunha da guerra colonial, tem uma obra diversificada que inclui, até, uma passagem pela poesia experimental (sob o pseudónimo de Álvaro Neto) e que teria dado ao movimento a dimensão paródica que ele não “explorara suficientemente”.[34] Ao início “barroquizante”, seguido da fase “experimentalista” – com numerosos trabalhos de índole ensaística pelo meio – Liberto Cruz chega ao Caderno de Encargos, de 1994, onde ele próprio se define como homo viator.[35] Eduardo Guerra Carneiro, estreado em 1961 com O Perfil da Estátua, é mais um poeta de “extracção” surrealista, que fez um percurso sincopado mas em ascenso, com pontos altos nos anos sessenta: Corpo da Terra (1966), Algumas Palavras (1969) e nos anos setenta: Isto Anda Tudo Ligado (1970); É Assim que se Faz a História (1973) e Como Quem Não Quer a Coisa (1978). Mais espaçada é a produção na década de oitenta, apenas dois títulos: Dama de Copas (1981) e Contra a Corrente (1989), conhecendo ritmo idêntico nos “noventas”: Profissão de Fé, (1990), Lixo, 1993 . De idêntica “raiz” é José Viale Moutinho, um poeta madeirense radicado no Porto, autor de um punhado de livros de versos de grande qualidade, de que elegemos Correm Turvas as Águas deste Rio, 1982 Piano Bar, 1986 e Máscaras Venezianas, 1987; Fernando Alvarenga, poeta estreado em 1966 com Poemas para a Distância Quebrada, a que se seguiram Hoje na Madrugada, 1972, Meus Cantos de Ainda,1982, A Mãe por um Menino, 1994 e O Iris da Cinza, 1994, livros em alguns dos quais versos de ressonância africana indiciam a passagem do poeta por Angola, é uma personalidade também com presença marcante no ensaísmo literário que consegue harmonizar o que para muitos é inconciliável: sendo um pessoano de reconhecido valor (A Socialização da Arte em Fernando Pessoa, 1984) é igualmente um escrupuloso estudioso do neo-realismo (Afluentes Teórico-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, 1989); Orlando Neves, cujo livro de estreia foi publicado em 1959 (Sopapo para a Destruição da Felicidade) é um dos autores prolíficos do seu tempo, com larga intervenção nos domínios da crónica, da literatura infanto-juvenil, do teatro e da ficção romanesca, além da lírica. Esta última está reunida no volume Poesia, 1995, no qual figuram catorze dos seus vinte e dois títulos em poesia e J. O. Travanca-Rego, também poeta[36] e analista atento da poética de O. N., refere-se-lhe nestes termos em amplo ensaio “aproximativo”: “Através da concitação de múltiplas, diversas e contraditórias lactências existenciais, de um rebuscar num arquivo de experiências, memórias, intenções, o 'eu' rebusca aí também a sua tensa unidade numa contida repercussão de 'tudo': o eu, os outros, a História, a presença e a ausência do tempo vivido… representificado, desejado, irrecuperável, imparável.” Mendes de Carvalho (1927-1988), na linha de O'Neill, mas de veia satírica mais mordaz, menos polida, tem em Camaleões & Altifalantes, 1963, Poemas de Ponta e Mola, 1975 e Experiência de Liberdade, 1976, três das suas obras fundamentais. Outros nomes importantes dos “sessentas”, ainda activos: Arnaldo Saraiva, José Augusto Seabra, Yvette Centeno, A. M. Pires Cabral, Dórdio Guimarães, M. S. Lourenço e Maria Amélia Neto.[37]

 

Pessoa e Cesário: as sombras tutelares

O cinquentenário da morte de Fernando Pessoa (1985) e o centenário do seu nascimento (1988), sobre serem pretexto para o relançamento da obra e da biografia do poeta, deram origem a que a influência deste último se revelasse, num cenário comemorativista e concelebratório, nos mais inesperados e controversos quadrantes da “inteligentzia” literária (recorde-se, a título de exemplo, que o romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, foi o livro que consagrou José Saramago na Europa e na América do Sul). Já antes, porém, Fernando J. B. Martinho vinha indagando da “presença” do autor de Mensagem nas obras das gerações posteriores, num processo inter e transtextual clara ou discretamente assumido por essas mesmas gerações. Num livro hoje esgotado (espera-se a sua reedição para breve) que constitui trabalho de referência para se aquilatar da extensão da influência de Pessoa na produção dos poetas que lhe sucederam – Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa, do “Orpheu” a 1960, 1983 – são exaustivamente examinados os entrelaces textuais que denunciam as subjectividades cúmplices do forte ascendente exercido nos que chegaram depois pela arte do mestre heteronimista, “uma das grandes vozes do modernismo, à escala internacional”. Aquilo que Martinho definiu então como “invasão” (e outros como “inflacção fernandina”)[38] é associado a um conjunto de iniciativas de sentido elogiativo tendentes a manter vivo o interesse pela herança pessoana, nomeadamente: a publicação da revista Persona, dedicada ao poeta e ao modernismo português; a actuação do Centro de Estudos Pessoanos, no Porto; filme e adadptação televisiva; o aparecimento de “abundante iconografia”; a organização de Congressos Internacionais de Estudos Pessoanos, em Portugal e no estrangeiro; a representação da peça de Jaime Salazar Sampaio, Fernando (Talvez) Pessoa, no Teatro Nacional, entre outros importantes contributos que viriam a ser alargados nos anos correspondentes às datas aniversariantes atrás referidas e mesmo depois (atente-se nos soberbos trabalhos de Tereza Rita Lopes Pessoa por Conhecer, Roteiro para uma Expedição, 1990, e Fotobibliografia, 1988, org. por João Rui de Sousa). Neste domínio da “inflação fernandina” o ensaísta Eduardo Lourenço, num texto célebre, ironizava assim premonitoriamente o fenómeno: “A terra inteira está povoada de anacoretas pessoanos dedicados noite e dia à sua glosa antropofágica, consumindo na mesma adorante devo(ra)ção a poesia de Pessoa e a glosa dos outros glosadores. A exegese pessoana é hoje uma selva luminosa onde ninguém está disposto a reconhecer pai e mãe. Na verdade um contacto “inocente” ou acintosamente ingénuo (livre) com a obra de Pessoa tornou-se impraticável. Nenhum deus escapa à perversão do ritual inventado para o tornar presente. Chega sempre um dia em que é necessário negá-lo para o sentir ainda vivo.”[39] Mas o que aqui mais nos importa sublinhar é o vasto espectro dos poetas “irmãos” do autor de Ode Marítima, dos aparentados ou tão só daqueles cuja poética, tendo divergido no estilo e nos propósitos, comporta de alguma maneira o “diálogo” com o genial predecessor. Segundo Fernando Martinho, teriam sido “tocados”, de perto ou de longe, pela labareda do poeta, artistas da palavra como Pedro Echevarría, Pedro Tamen, Ana Hatherly, Salette Tavares, João Rui de Sousa, Luís Amaro, José Carlos Gonzalez, Casimiro de Brito, Fiama Brandão, Herberto Helder, Rui Knopfli, Sophia de Melo Andersen, Alexandre O'Neill, Luís Veiga Leitão, Natália Correia, António Ramos Rosa, Couto Viana, Cesariny, Raul de Carvalho, Arnaldo Saraiva, Eugénio de Andrade, Egito Gonçalves, Alfredo Margarido, Jorge de Sena, Rui Cinatti, Helder Macedo e José Blanc de Portugal, para só citar os vivos ou aqueles que desaparceram fisicamente já depois da Revolução, o que vale por dizer que praticamente a todos os criadores de um certo quadro geracional que puseram em causa o discurso poético positivista, fosse por via da fragmentação versilibrista mais extrema, fosse por via da exploração transfiguradora dos complexos caminhos do sentido, não foi alheia a lição do criador dos heterónimos, que nele viram o guia incontestável, uns, o “esotérico” ou o “obscuro”, outros, mas estes últimos sempre atentos à proximidade dos sinais do seu fogo, mesmo quando a querela da arte pela arte radicalizou posições entre os defensores da poesia como veículo de intervenção social, necessariamente limitado por espartilhos normativos, e os da poesia encarada como território de liberdade total do texto, do desassossego significante às osmoses da significação.

A herança naturalista de Cesário Verde (1855-1886) interessou mais os “materialistas”, mas ela é omnipresente em poetas de outros quadrantes estéticos, como bem o revela um inquérito promovido pela revista Colóquio Letras em 1986 (nº 93). Aí, Armando Silva Carvalho não hesita em considerar o neo-realismo como “um seu descendente”; Armindo Rodrigues louva-lhe a “ternura pelos pobres, pelos desprotegidos, como o amor do campo” porque é “puramente natural e naturalmente se exprime”; Fernando Martinho considera-o essencial aos que “têm feito a aprendizagem do olhar, do olhar para fora de si” elegendo-o como um antecessor “à altura das poéticas de maior exigência do lirismo nacional da hora presente.”; para António Barahona, Cesário é o poeta da “descoberta e exaltação dos objectos quotidianos e da vida prática”; Albano Martins vê o trabalho poético do comerciante da Rua dos Fanqueiros como cingido ao real – “o real observável, o real quotidiano” ; Nuno Júdice e Fernando Echevarria entendem, o primeiro , que alguns dos seus poemas se filiam “na luminosa dureza do ritmo de Cesário” e o segundo vai mesmo ao ponto de defender que Cesário contribuiu, à posteriori, para o óbito do Neo-Realismo português; e Pedro da Silveira escreve: “Agora é que estamos em jeito de claramente ver como a sua obra tão exígua deu o tom certo àqueles anos que vão mais ou menos de 1876 a 1886”.

Sem esquecer Ressentimento dum Ocidental (197O) de Henrique Segurado, são O Ressentimento de um Ocidental (1981), de Alexandre Pinheiro Torres e Cesário: Instantes da Fala (1989), de José Jorge Letria, as obras que melhor traduzem a influência de Cesário no nosso tempo. Letria, num processo mediúnico que vai muito para além da “ansiedade das influências” e tem mesmo a ambição de dar a Cesário a biografia que lhe falta, mete-se na pele do autor fisicamente desaparecido, fala por ele, vive virtualmente por ele, com extrapolações espaciotemporais que pulverizam o tempo cronológico, tornando objectual no texto o universo fantasmático em que múltiplas referências se cruzam: “ Dizes tu, O'Neill, que querias que eu / aqui estivesse e eu não posso estar, / ou não posso estar e estou, e no que / há nisto de contraditório e inexplicável / reside uma verdade clara e de ofuscante evidência: / perfilo-me na paisagem dos olhos, abrasado / por um lume que nasce da lembrança das casas / e se propaga aos quartos e à música / de opereta das mansardas do ciúme e do tédio.” Alexandre Pinheiro Torres () explica ele próprio na citada Colóquio Letras de que modo convive, no seu livro, intertextualmente, com Cesário: “ Diga-se quanto ao meu livro que ele tomou sempre os escritos de Cesário como praticamente a única fonte tópica, mas num tom mais apelativo, às vezes declamatório, e, em dois ou três casos, propositadamente panfletário, o que nunca sucede com o Mestre, que evita estas tentações, nem sempre, em teoria, negativas.” José do Carmo Francisco, pela atenção que dedica ao pulsar da vida quotidiana numa cidade ainda em muitos aspectos “cesarista” como Lisboa, parece-nos ser o poeta actual que, sem explicitamente o reclamar, mais perto está do olhar humanizado e humanizador do antecessor ilustre. Tansporte Sentimental (1987), por exemplo, é um livro muito próximo do que se presume seria a visão de Cesário de uma urbe cheia de carácter e de potencialidades referenciadoras neste final de século XX – a capital portuguesa.

 

Presente e futuro

Uma das singularidades da poesia portuguesa prende-se com a não existência de um elenco de críticos e ensaístas exclusivamente votados ao trato da disciplina, do que resulta serem muitas vezes os poetas a desdobrarem-se nessas funções, se bem que um crítico como Fernando J. B. Martinho possa constituir a mais ilustrativa excepção a esta “regra”, ele que abdicou de publicar poesia de forma continuada para mobilizar os seus esforços no rastreio iluminador da produção do último meio século. Todavia, esta “concentração de poderes”, que com o avanço e a generalização dos estudos literários acentua a institucionalização da poesia e os consequentes reflexos corporativos da crítica que a sublinha, está a contribuir para relativizar o prestígio de arma de ruptura, transgressão e anti-poder que durante decénios caracterizou a arte lírica. A esta contemporânea hegemonização da poesia no seio da instituição universitária, não é estranho o seu estatuto de disciplina de programa escolar, que traz como consequência maior a rarefacção do mundo da experiência vivida na sua vertente efabulatória em proveito de intensos movimentos exploratórios em torno e sobre os recursos do texto. A Universidade já não estuda o que os poetas fazem: quer que os poetas escrevam poesia como ela própria ensina. Talvez por isso não pareça despiciendo constatar serem professores universitários alguns dos poetas que mais insistentemente têm vindo a cortejar o universo crepuscular das representações e a “autonomia” das linguagens. Mas é também, curiosamente, de dentro da Universidade que têm brotado alguns apelos visando a necessidade de um “regresso” ao realismo[40] seja porque a vaga de fundo do texto pelo texto de certa maneira exponencializada em três figuras nucleares (Ramos Rosa, Herberto Helder e Nuno Júdice) pouca margem de manobra deixe aos seus “continuadores”, instaurando, por conseguinte, o mal-estar e a crise como estado de coisas permanente, seja porque a vida flui fora das Faculdades de Letras a ritmos mais velozes do que os seus por forma a justificar se não, já, os exercícios de mimese da poesia “útil” que prevaleceu durante décadas de realismo socio-literário, decerto modelos de intervenção “racionalista” na marcha das sociedades capazes de alimentarem um projecto no qual estas reconheçam os seus desígnios substantivos.

Na predisposição académica para sublimar a produção dos escritores que nos dois últimos decénios e meio se bateram pela poesia enquanto pulsão de desobediência às coordenadas lógico-simbólicas, em detrimento de algumas vozes que legitimamente reivindicam o estatuto “realista” contrário aos rituais celebratórios da “estetização da utopia”,[41] vemos que um professor de literatura, João Barrento, elege hoje um poeta que por sinal ensina literatura, Fernando Pinto do Amaral (dois ensaístas de cujo eficiente labor este texto é, em boa medida, tributário) como um dos vultos mais representativos da novíssima poesia portuguesa, ao consagrar nos seus versos um estado de espírito melancólico, decadentista, com tendência para o esvaziamento do tempo e propenso à exaltação das “paisagens da alma” em lugares do “nosso mundo, do nosso tempo e dos lugares simbólicos da sua precaridade (esplanadas e cafés, por exemplo)”,[42] de algum modo a foz do “realismo” contemporâneo posto a correr vinte anos antes por um outro professor universitário, poeta, Joaquim Manuel Magalhães, proponente do que julgamos ser um realismo céptico. Sobre Magalhães escreve Barrento: “É praticamente impossível ler a poesia de um Joaquim Manuel Magalhães, de há vinte anos a esta parte, sem nos darmos conta de que ela é, insistentemente, isto mesmo: um terreno marcado por essa consciência do mesmo, atravessado por uma nostalgia à rebours, ou malgré soi, todo feito de pequenas alegorias de um quotidiano banal, sem “heroísmos”, como eram ainda os de Baudelaire ou de Eliot…[43] Entre Magalhães e Pinto do Amaral há toda uma elite de poetas da “recusa”, da “ausência” e da “perda” que em diferentes registos e em discrepância com o passado “épico” do sujeito diluído em grandes operações de resgate social, valoriza agora o papel desse mesmo sujeito ocupado com aquilo que num livro de Manuel Frias Martins é descrito como estética do detalhe.[44] A poesia minimalista de Helder Moura Pereira será a que melhor ilustra o conceito mas torna-se necessário recuar a 1971 para se detectar o início do percurso de João Miguel Fernando Jorge, aquele que, segundo o mesmo Frias Martins, “oferece cada poema por um acto de comprometimento com os valores canónicos inscritos no significado de cada vocábulo”.[45]

Parti para o movimento da água

para o nome deste barco

premeditado incêndio de um corpo

de vigília e festas.

 

A aspereza é o nome

o acordado corpo

a incerteza o escreve.

À Beira do Mar de Junho,1982

Nomes como os de António Franco Alexandre, Al Berto, Luís Miguel Nava (1957- 1995) – falecido em Bruxelas, em condições trágicas- e Paulo Teixeira[46] estão na primeira linha da vanguarda melancólica, seja por cicios, silêncios, lamúrias ou educados protestos anti-Europa, destoando talvez deste desencantado panorama “pós-moderno” eivado de angústia conformada, uma poética como a de José Agostinho Baptista cujo pessimismo com o seu quê de mágico e profético não exclui a conotação com o real objectivo nos deslocamentos temáticos que o levam, por exemplo, a inspirar-se na cultura mexicana para assinar alguns dos seus textos.[47] António Torrado, cujo trabalho poético se anunciava promissor (Do Agregado Sentimental, 1970 e Dos Simples e das Casas Interiores, 1976) fez agulha para a literatura infanto-juvenil, modalidade na qual “construíu” obra notável, publicando esporadicamente poesia. José Jorge Letria, poeta igualmente revelado nos anos setenta, só na década seguinte se demarcará decisivamente de uma escrita de génese sociológica, passando a privilegiar preocupações ontológicas sempre, em todo o caso, ligadas à “realidade”. A facilidade com que se “move” no mundo espectral e a hábil gestão que faz dos ruídos e das vozes, das esperanças e das decepções, dos perigos e dos prazeres, levam a que a sua escrita seja atravessada por uma espécie de melancolia “activa” na altercação constante com os fantasmas ruins que lhe povoam as insónias mas como que empolgada com a memória do vivido de maneira a não se deixar cair numa analgesiante litania do pesar, do luto ou da indiferença que conduza à desistência. A “explicação” que o poeta dá da sua própria alteridade torna clara a dialéctica existencial do discurso, que assim submete à encenação por vezes atroz do remorso a confusa auto-estima do sujeito da escrita e a ampla generosidade dos afectos (físicos, míticos e anímicos) em poesia de sonoridades e ritmos que coerentemente lhe conferem um tom de sugestiva musicalidade. O essencial da poesia de José Jorge Letria está recolhido em O Fantasma da Obra (1993), colectânea que tem sido merecedora de rasgados encómios pela unidade que transmite da escrita de um poeta até aí considerado excessivamente “fragmentário”. Wanda Ramos é outra voz dos “setentas” cuja poesia, não enjeitando a herança surrealista, antes dela se reclamando afim, conforma a um estilo barroquizante um entendimento da vida em que as vibrações eróticas e os insolidários silêncios se aliam por vezes a uma certa fúria de viver assinalada pela palavra poética nos seus ciclos de crise, desejo e dádiva.[48] Ernesto José Rodrigues é mais um dos poetas-prosadores em que a literatura portuguesa é fértil, com o coração repartido entre os penhascos transmontanos e a Hungria danubiana, estreado em 1973. Uma recolha de 1981 – Para Ortense: Variantes, dá conta de um humor com forte carga sarcástica e de uma ainda assaz contundente crítica social indissociada de um pendor versilibrista que toca mesmo, em vários momentos, as raias do prosaico. Amadurecida e codificada é a linguagem dos poemas mais recentes de Sobre o Danúbio (edição bilingue, Budapeste, 1996), pequena casa antológica que poeta e prosador partilham sem conflito. João Camilo, autor de verso livre, solto, atento ao quotidiano, tem o melhor da sua obra reunido em Nunca Mais se Apagam as Imagens, 1996. Paulo da Costa Domingos, truculento e iconoclasta, reuniu em Vaga, 1990, a sua obra poética. António Quadros, aliás Frei Johannes Garabatus, aliás Mutimati Barnabé João, aliás João Pedro Grabato Dias – um luso-moçambicano que foi das vozes mais activas da fase pré-independência do seu novo país foi também uma das figuras mais perturbadoras da sua geração. O Povo é Nós, 1979, é uma obra de afirmação revolucionária, já distante de Quybyrycas (1972), uma lúcida e bem humorada paródia ao desastre de Alcácer-Quibir e a outras vicissitudes históricas de má lembrança. António Osório é um caso de revelação tardia mas nem por isso é menos significativo o lugar que ocupa no panorama da nossa poesia: não obstante ter sido co-fundador e director da revista Anteu na primeira metade da década de cinquenta, onde “apareceu” ao lado de Pedro Tamen e Cristóvam Pavia, só em 1972 publicou A Raiz Afectuosa, a que se seguiram A Ignorância da Morte (1978), O Lugar do Amor (1981) e Décima Aurora (1982), livros que definitivamente o consagraram como uma das vozes mais autênticas no domínio da poesia amorosa confessional, de modo lapidar sinalizada por Eugénio Lisboa no prefácio à segunda daquelas obras: “… A Ignorância da Morte, é, no seu modo mansamente inovador, apetecidamente lento e meticuloso, no seu progredir musicalmente inventariante, no seu fascinante realismo mítico, aladamente terrestre e distanciadamente afectuoso, uma das vozes mais fortes, mais isoladas, mais inquietantemente pessoais e mais complicadamente directas que nos tem sido dado conhecer, de há alguns anos a esta parte.” O eco da poesia de António Osório nas gerações mais novas é já patente no modo como sobre ela se pronuncia um Fernando Pinto do Amaral: “Pelo retorno a uma expressão classizante, por um gosto confessional eivado de pudor, pelo reequilíbrio entre o coração e os sentidos, pela fidelidade a um universo em que a linguagem da experiência é sempre mais decisiva do que a experiência da linguagem – por tudo isso, mesmo os que esteticamente a ela não aderem serão obrigados a reconhecer que esta obra tem representado um meio eficaz de resistir, com discreta perseverança, à barbárie maioritária que tantas vezes nos cerca e agride. Quem pode exigir mais a um poeta?” E, enfim, figura revelada nos anos setenta, há que falar de Nuno Júdice, um dos mais enigmáticos poetas do nosso tempo. Tendo brotado de uma conjuntura pouco favorável a manifestações poéticas de matriz individualista (1972), quando as tensões sociais em Portugal eram já portadoras do germen da mudança que viria a manifestar-se dois anos depois e as preocupações do país estavam centradas na crise de confiança nas instituições decorrente da erosão do regime, sobretudo pelo beco sem saída a que conduzira a guerra colonial, Nuno Júdice “aventurou-se” a encetar um caminho original de pesquisa, se assim se pode dizer de um trabalho marcado pela persistente exploração das virtualidades da palavra que vai da subversão do sentido lógico do discurso ao sentido emergente do tráfico de informação verbal e cultural organizando-se em equívocas metáforas da própria significação do que escreve. A obra de Nuno Júdice, vista no seu todo, revela coerência estrutural, um inegável apuro formal e uma ambiguidade semântica em que é “legível” a consciência dessa mesma ambiguidade e o torna, pelo engenho com que consegue harmonizar estas três vertentes, um dos vultos em foco na poesia portuguesa actual.[49]

Seria injusto omitir deste texto alguns nomes de poetas que, ou porque tivessem publicado irregularmente, ou porque a sua progressão esteja ainda em curso e seja prematuro emitir considerações de natureza judicativa sobre as suas obras, ou porque a dispersão por outras áreas do saber literário os “fixou” nessas áreas em detrimento da Poesia (casos de Maria Alzira Seixo, notável ensaísta, autora de Letra da Terra, 1983; de Fernando J. B. Martinho, historiador da Poesia, autor de Resposta a Rorschach, 1970, Razão Sombria, 1980; de Eugénio Lisboa, vigoroso e estilisticamente brilhante crítico e ensaísta, autor de A Matéria Intensa, 1985; ou de Joaquim Manuel Magalhães, em igual medida poeta e teórico da literatura). Se escritores como Olga Gonçalves, Mário Cláudio ou Maria Estela Guedes parecem ter passado pela Poesia sem nela se demorarem, já que as suas faculdades se adaptarão talvez melhor à novelística e ao ensaio, poetas como António Cândido Franco, Manuel Gusmão, Luís Filipe Castro Mendes, Manuel António Pina, Helena Buescu, Joana Varela, Ana Mafalda Leite, Rosa Alice Branco, José Guardado Moreira, Ana Luísa Amaral e Tolentino Mendonça, sendo poetas do “futuro”, porque a experiência e as vivências não deixarão mais tarde de completar percursos longe ainda do fim, são-no também do “presente” porque a obra feita torna desde já inequívoco que se trata de poetas de valor consolidado cujo reconhecimento dispensaria outras “provas”.

Além destes, nomes estimáveis como os de Luís Filipe Sarmento, Mário Máximo, João Candeias, Artur Lucena, Graça Pires, Mário Machado Fraião, Miguel Barbosa, Jaime Rocha, Henrique Madeira, Eduardo Pitta, Francisco José Viegas, Fátima Maldonado, Amadeu Baptista, José Emídio-Nelson, Raúl Malaquias Marques, Cristino Cortes, Amélia Vieira, Graciete Besse e Isabel de Sá, entre vários outros, representam modos diversos de encarar o fenómeno poético e merecem integrar o vasto elenco dos homens e das mulheres que generosamente contribuem para que Portugal seja considerado um país de poetas.

Presentemente – depreende-se do que ficou dito – a poesia “nova” que se faz em Portugal cinge-se à tradição elegíaca. Se poemas de combate como os de José Carlos Ary dos Santos (1937-1984), Joaquim Pessoa ou José Correia Tavares[50] parecem hoje “elementares” face aos níveis de complexidade estilística e efabulatória logrados pelos seus pares da “estrutura”, do “código”, da “desconstrução” e da “reconstrução” do texto e do aprofundamento do eu subjectivo-melancólico num grau de excesso niilista virtualmente suicida, é, por outro lado, já uma necessidade dos tempos avaliar de novo o regresso ao realismo não-disfórico no qual a poesia se reaproxime do mundo da experiência com confiança criadora, mesmo em cenários de crise em que a ausência de uma épica da vida dificulte a eclosão de um surto épico na arte poética. A rotação ideológica, o advento de grandes causas e a aspiração das pessoas à clareza poderão talvez reorientar o dizer dos poetas, no próximo século, para objectivos menos elucubrantes e pessimistas do que aqueles hoje em dia se tomam por “inevitáveis”, e mais consentâneos com a felicidade humana enquanto utopia mas também como aspiração colectiva materializável através de graduais superações do aparentemente impossível. Isto não passa de futurologia precária e as coisas tanto se podem passar assim como exactamente ao contrário ? Naturalmente. Mas não era isto mesmo que há dezena e meia de anos atrás preconizava Joaquim Manuel Magalhães no último texto do seu livro Os Dois Crepúsculos (A Regra do Jogo, 1981) ? Atente-se no que escrevia, então, Magalhães: “Em Portugal, como nos países atingidos pelas reformas capitalistas, a palavra dos poetas precisa de reocupar o sentido das coisas que se perdem e das coisas que tardam a vir. Sabe-se que a espera da poesia é como a da própria história: sem impaciência. Mas pertencemos a uma geração dessatisfeita. Culturalmente, nenhum lado faz sentido, ou fez um sentido novo. Politicamente, nada esteve interessado na criação cultural fosse do que fosse. Apenas se conseguiu atingir o coração do nada com este vazio. Quando é cada vez mais preciso que a nossa colectividade adquira um coração singular e crescente para poder criar uma plenitude cantável. E aí têm os poetas um dos seus mais radicais desígnios.”

Palavras válidas para os dias de hoje, obviamente.

 


 

NOTAS

[1] Natália Correia.Não Percas a Rosa, Dom Quixote, Lisboa, 1978. A sua obra poética completa foi publicada em 1993 sob o título O Sol nas Noites e O Luar nos Dias (1957-1993), Círculo de Leitores, Lisboa.

[2] Jorge de Sena. 40 Anos de Servidão. Moraes Ed., 1978.

[3] José Manuel Mendes. Obra principal: Rosto Descontínuo (1963-1986), 1992, Editorial Presença.

[4] Apesar de datados de 1961, os poemas de Discurso Claro como o Inverno foram publicados pela primeira vez na revista Estudos de Castelo Branco, nº 12, em 1.4.64.

[5] Sobre as cartas e os poemas de José Crisóstomo Bação Leal (1942-1965) escreveu Urbano Tavares Rodrigues o seguinte:”Há traços de anjo, mas de anjo agressivo (inimigo declarado de todo o farisaísmo, mandarinismo e veneração do lugar-comum) neste rapaz culto e carinhoso, cheio de repentes, que põe nas suas leituras toda a ebulição dos impulsos e na vida de relação intercala alegorias e reminiscências estético-filosóficas. Sim: vemo-lo em Poesias e Cartas crescer e atingir uma estatura invulgar de homem.” Ensaios de Após-Abril, Moares Ed.1977.

[6] Assim se lhe refere António Pedro Pitta na “entrada” que redigiu para Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Editorial Verbo.

[7] Ver “entrada” referida no nº anterior. J. J. Cochofel. O Bispo de Pedra, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1975.

[8] Mário Dionísio. Não há Morte nem Princípio, Publicações Europa América, 1966.

[9] António Ramos Rosa. Entre O Grito Claro, 1958, e Dezassete Poemas, Escritor, 1992, o poeta, ainda em plena actividade, tinha produzido 52 títulos. Não é fácil eleger “obras principais” numa carreira marcada por uma grande coerência estrutural e por um ritmo de publicação vertiginoso. Sintetizando lapidarmente o “ofício” do escritor, a propósito do livro Ciclo do Cavalo, Limiar, 1975, escreveu Maria Alzira Seixo em trabalho incluído na sua obra Discursos do Texto (Bertrand, 1977) : “Sonetos de alento e desalento serão estes em que o fogo endurece a argila da casa que depois consome. Por isso mesmo que o muro impede e abriga, corta e permite. Um soneto é uma casa, como um livro. Nestes sonetos se procura reconstruir um tipo de morada poética, delimitação de um canto para o canto. E tudo o que a partir dele se conta é a história do trabalho da escrita.”

[10] A obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen está editada pela Editorial Caminho a partir de 1990.

[11] David Mourão-Ferreira. Obra Poética (1948-1988), Ed. Presença, Lisboa, 1988.

[12] O essencial da lírica de Jorge de Sena está incluído no livro 4O Anos de Servidão. Inúmeros são os estudos sobre a sua produção poética, ficcional e ensaística. Estudos sobre Jorge de Sena, colectânea de textos sobre a figura e obra do escritor, organizada por Eugénio Lisboa, Imprensa Nacional, Lisboa, 1984, é livro de consulta obrigatória para quem pretenda iniciar-se na literatura de Sena.

[13] João Rui de Sousa. Obras principais: Fogo Repartido (1960-1983), Litexa, Lisboa, 1983; Palavra Azul e Quando, 1991, Átrio, Lisboa; Enquanto a Noite, a Folhagem, Tertúlia, Lisboa, 1991.

[14] Miguel Torga publicava em “edição de autor”. É de 1981 uma Antologia Poética dada à estampa em Coimbra.

[15] Mário Cesariny de Vasconcelos. Obras principais: Corpo Visível, 1950; Pena Capital, 1957; Poesia 1944-55, Delfos; Planisfério, 1961; Titânia e Cidade Queimada, 1977 e Primavera Autónoma das Estradas, Assírio & Alvim, Lisboa, 1980. Organizador da antologia Intervenção Surrealista, 1966.

[16] A obra de Alexandre O'Neill (1924-1986) está reunida em Poesias Completas 1951-1981, Imprensa Nacional, Lisboa, 1982.

[17] Outras obras de Albano Martins: Secura Verde, 1950; Coração de Bússula, 1967; Paralelo ao Vento, 1979, A Margem do Azul, 1982; Rodomel. Rododendro, Quetzal Editores, Lisboa, 1989 e Entre a Cicuta e o Mosto, Átrio, Lisboa, 1992.

[18] Serafim Ferreira. Raúl de Carvalho: Entre o Silêncio e a Solidão, 1995, Campo das Letras, Porto.

[19] Raul de Carvalho (1920-1984). O essencial da sua obra está reunido em Obra Publicada em Livro, 1993, Editorial Caminho, Lisboa.

[20] Pedro Tamen. Ver Poesia (1956-1978), Moraes Ed., Lisboa, 1978;Princípio do Sol, 1982; Antologia Provisória, 1983; Dentro de Momentos, 1984 e Depois de Ver, 1995, Quetzal, Lisboa.

[21] Revista Ler. Edição Internacional, Agosto/Setembro 1990.

[22] Manuel Frias Martins in 1O Anos de Poesia em Portugal, 1974-1984, Leitura de Uma Década. Ed. Caminho, 1986.

[23] Fiama Hasse Pais Brandão. Obras principais: Barcas Novas, 1967; Este Rosto, 1970; O Texto de João Zorro, 1974; Homenagem à Literatura, 1976; F de Fiama, 1986 e Obra Breve, 1991.

[24] Casimiro de Brito. Outras obras principais: Ode & Ceia (1955-1984), 1985, Ed. Dom Quixote; Labirinthus, Moraes Ed., 1981; Subitamente o Silêncio, Tertúlia, 1991.

[25] Gastão Cruz. Obras principais: Teoria da Fala, 1972; Os Nomes, poesia até 1974; Campânula, 1978; Os Nomes Desses Corpos, 1979 e Órgão de Luzes, 1981. Ver ensaio interpretativo de Luís Miguel Nava sobre a poesia de Luísa Neto Jorge na Revista Colóquio Letras nº 108, Lisboa, 1989. Luísa Neto Jorge (1939-1989). Recolha da obra completa (Os Dias Sitiados, A Lume e Dispersos) em edição da Assírio & Alvim, Lisboa, 1996.

[26] Manuel Alegre. Obra principal: 3O Anos de Poesia, 1995, Ed. Dom Quixote, Lisboa.

[27] E. M. de Melo e Castro. As Vanguardas na Poesia Portuguesa do Século XX, Biblioteca Breve, Lisboa, 1980.

[28] Obras principais de: Ana Hatherly (Poesia 1958-1978, Moraes Ed., Lisboa, 1980, O Cisne Intacto, Limiar, Porto, 1980); E. M. de Melo e Castro (Cara lh amas, 1975; Círculos Afins, Assírio & Alvim, Lisboa, 1977; As palavras só-lidas, Livros Horizonte, LIsboa, 1979; Corpos Radiantes, & Etc, Lisboa, 1982 e Autologia – Poemas Escolhidos 1951-82,1983), Tertúlia, Lisboa; Salette Tavares – 1922-1995 (Espelho Cego, 1957; Concerto em Bi Bemol para Clarinete e Bateria, 1961; Quadrada, 1967); José Alberto Marques (A Face do Tempo, 1964; Estórias de Coisas, 1972; Sala Hipóstida, 1973; O Elefante de Setrai, 1977;Aprendizagem do Corpo, & Etc, LIsboa, 1983; Nuvens no Vale, 1985); Alberto Pimenta (O Labirintodonte, 197O; Os Entes e os Contraentes, 1970; Corpos Estranhos, 1973; Homo Sapiens,1977 e Bestiário Lusitano, 1980; Obra Quase Incompleta,1990,Fenda, Coimbra; A Magia que Tira os Pecados do Mundo, Cotovia, Lisboa 1995.

[29] Herberto Helder. Poesia Toda, 1996, Assírio & Alvim, Lisboa, reune a totalidade da obra do poeta.

[30] Ruy Belo. Obra Poética de Ruy Belo, 2 vol., Ed. Presença, LIsboa, 1981.

[31] Fernando J. B. Martinho in Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa – Biblioteca Breve, Lisboa, 1983.

[32] Maria Estela Guedes: H. H., Poeta Obscuro, Moraes Ed., Lisboa, 1979.

[33] Armando Silva Carvalho. Outras obras do autor: Armas Brancas, 1977; Técnicas de Engate, & Etc., LIsboa, 1979; Sentimento Dum Ocidental, Contexto, Lisboa, 1981; Alexandre Bissexto, Ed. Presença, Lisboa, 1983).

[34] Nota de Fernando J. B. Martinho em Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Editorial Verbo, Lisboa.

[35] Outras obras de Liberto Cruz: Poesia-Momento (1956); A Tua Palavra, 1958; Névoa ou Sintaxe (1959); Itinerário (1962); Gramática Histórica (1971); Distância (1982) e Ciclo (1982).

[36] J. O. Travanca-Rego. Cinco Incisões (antologia poética 1961-91), Átrio, Lisboa, 1992.

[37] Algumas obras de: José Augusto Seabra – A Vida Toda, 1961; Os Sinais e a Origem, 1967; Tempo Táctil, 1972; Desmemória, 1977; O Anjo, 1980 e Gramática Grega, 1985. Arnaldo Saraiva – Nove Poemas e um Exemplo para a Poesia Actual, 1961; António Manuel Pires Cabral – Algures a Nordeste (1962 / 1974); Solo Arável, 1976; Trirreme, 1978, Centelha, Coimbra; Boleto em Constantim, 1981, Oiro do Dia, Porto; Dórdio Guimarães – Tempo Imediato, 1960; Mar de Verão, 1961; Cynthia, 1964; A Idade dos Lilases, 1969; Paicia, 1977; M. S. Lourenço – O Desequilibrista, 1960; Arte Combinatória, 1971; Wytham Abbey, 1974; Pássaro Paradípsico, 1979; Nhada Brahama, 1993; Emanuel Felix – A Viagem Possível (1965-1992), Vega, Lisboa; Maria Amélia Neto – O Vento e a Sombra, 1960; A Primeira Verdade Nobre, 1961; Equinócio, 1962. Yvette Centeno – Opus 1, 1960, O Barco na Cidade, 1965.

[38] Jaime Salazar Sampaio citado por Fernando J. B. Martinho in Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa.

[39] Eduardo Lourenço. Pessoa Revisitado, 1973, Nova, reed. 1980, Moraes Ed., Lisboa.

[40] Joaquim Manuel Magalhães citado por Fernando Pinto do Amaral in O Mosaico Fluido, 1991, Assírio & Alvim, Lisboa.

[41] João Barrento. A Palavra Transversal, 1996, Cotovia, Lisboa.

[42] Ibidem, obra citada.

[43] Ibidem, obra citada. Joaquim Manuel Magalhães. Obras principais: Alguns Livros Reunidos (1974-1984), Contexto, Lisboa, 1987; Os Dias, Pequenos Charcos, Presença, Lisboa, 1981; Segredos, Sebes, Aluviões, 1981, Presença, Lisboa, 1985).

[44] Manuel Frias Martins. 1O Anos de Poesia em Portugal, 1974-1984, Leitura de Uma Década.

[45] Ibidem, obra citada. A obra de João Miguel Fernandes Jorge está a ser editada pela Editorial Presença, Lisboa. Em 1996 saíu o volume nº 5. Helder Moura Pereira. Obras principais: Cartucho (em colaboração), 1976; Entre o Deserto e a Vertigem, Centelha, Coimbra, 1979; Os Tranquilos Sobressaltos, Gota de Água, Coimbra, 1972; À Luz do Mistério, Fenda, Coimbra, 1983; Sedução pelo Inimigo, 1983, Contexto, Lisboa; Mercúrio, 1987,Frenesi, Lisboa; Carta de Rumos,1989 & Etc., Lisboa.

[46] Obras principais de: António Franco Alexandre – Poemas, 1996, Assírio & Alvim, Lisboa, reune o conjunto da obra; Al Berto – O Medo (1974-1986), Contexto, Lisboa, 1987; O Livro dos Regressos, 1989, Frenesi, Lisboa; Paulo Teixeira – As Imaginações da Verdade, 1985, Ed. Caminho, Lisboa; Epos, 1987, Vega, Lisboa; Conhecimento do Apocalipse, & Etc., Lisboa, 1988; A Região Brilhante, Edit. Caminho,Lisboa, 1988. Luís Miguel Nava – Poemas (1979-1984), 1987, Limiar, Porto; O Céu Sob as Entranhas, Limiar,Porto, 1989.

[47] José Agostinho Baptista. Obras principais: Deste Lado Onde, 1976; Jeremias, o Louco, 1979; O Último Romântico, 1981; Morrer no Sul, 1983; Autoretrato, 1986; O Centro do Universo, 1989. Com excepção do segundo livro, editado pela Centelha, Coimbra, todas as outras obras têm a cjancela da Assírio & Alvim, Lisboa.

[48] Wanda Ramos. Obras principais: Nas Coxas do Tempo, 1970; E Contudo Cantar Sempre, 1979, Inova, Porto; Intimidade da Fala, 1983, & Etc. Lisboa; Poe-mas Com-Sentidos, 1986, Ulmeiro, Lisboa.

[49] Nuno Júdice. Obras principais: A Noção de Poema, 1972, Dom Quixote, Lisboa; Crítica Doméstica dos Paralelipípedos, 1973, Dom Quixote, Lisboa; As Inumeráveis Águas, 1974, Assírio & Alvim,Lisboa; O Mecanismo Romântico da Fragmentação, 1975, Inova, Porto; Nos Braços da Exígua Luz, 1976, Arcádia, Lisboa; O Corte na Ênfase, 1978, Inova, Porto; O Voo de Igitur num Copo de Dados, 1981, & Etc., Lisboa; A Partilha dos Mitos, 1982, Regra do Jogo, Lisboa; Lira de Líquen, 1986, Rolim, Lisboa; A Condescendência do Ser, 1988, Quetzal, Lisboa; Enumeração de Sombras, 1989, Quetzal, Lisboa; As Regras da Perspectiva, 1990, Quetzal, Lisboa.

[50] Obras principais de: José Carlos Ary dos Santos – Obra Poética, 1995, Ed. Avante, Lisboa; Joaquim Pessoa – O Pássaro no Espelho, 1975, Moraes Ed., Lisboa; O Amor Infinito, 1983, Moraes Ed., Lisboa; Fly, 1984, Litexa, Lisboa; Os Herdeiros do Vento, 1984, Litexa, Lisboa; Amor Combate, 1985, Litexa, Lisboa; 125 Poemas, 1989, Litexa, Lisboa; José Correria Tavares – Dádiva, 1961; A Flor e o Muro, 1962; Porcelama, 1972; Beijos e Pedradas, 1975, Prelo, Lisboa; E Não me Tiveram, 1976, Parceria A. M. Pereira, Lisboa; Fim de Citação, 1976, Parceria A. M. Pereira, Lisboa; Rio Sem Ponte, 1977, Parceria A. M. Pereira, Lisboa; Ganhar Ofício, 1977, Parceria A. M. Pereira, Lisboa; Atraído ao Engano, 1984, Litexa, Lisboa; O Verso e o Rosto, 1987, Vega, Lisboa; Todas Estas Palavras, 1988, Vega, Lisboa.

NOTA FINAL

Indicam-se, sempre que possível, os nomes das editoras. Houve, sobretudo, a preocupação de localizar com rigor, quer nestas notas, quer no corpo do texto, as obras antológicas ou “completas” de maneira a permitir o acesso fácil dos interessados. De referir que muitas das obras citadas, sobretudo as que correspondem ao percurso inicial dos poetas, são edições de autor, razão pela qual não são mencionadas as editoras. Sobre poesia das ilhas chamamos a atenção para Antologia da Poesia Açoriana, 1977, Sá da Costa, organização de Pedro da Silveira, e Da Ilha que Somos, Câmara Municipal do Funchal, 1977, coordenação e prefácio de A. J. Vieira de Freitas.

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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Ficha Técnica

Projeto Editorial Banda Lusófona
Janeiro de 2010 | Fortaleza, Ceará - Brasil
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Projetos associados: Revista La Otra (México) | Ediciones Andrómeda (Costa Rica) | Revista Blanco Móvil (México) | Triplov (Portugal).
Cumplicidade expressa: Alfonso Peña, Eduardo Mosches, Gladys Mendía, José Ángel Leyva, Maria Estela Guedes, Soares Feitosa e Socorro Nunes.
Contatos:
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