Os navios
parnasianos
Lêdo
Ivo
Os
navios chegavam. Os navios chegavam e traziam os livros de
Baudelaire, Théophile Gautier, Heredia, Sully Prudhomme, Jean
Richepin, Leconte de Lisle, Théodore de Banville, Verlaine,
Catulle Mendès, François Coppée. Os navios chegavam e
continuavam trazendo os livros de Victor Hugo, que, na nova
leitura, não era mais o gênio torrencial e gótico do Romantismo.
Para os jovens que se abeberavam no Parnasse Contemporain,
o autor de Feuilles d’automne era o virtuose insuperável
da arte de fazer versos. Os navios chegavam e eram navios
parnasianos. E graças a eles, à mercadoria transgressora trazida
em seus porões, operou-se no Brasil, nos quatro últimos decênios
do século XIX, uma grande travessia poética e cultural. Foi a
agonia e morte do Romantismo e a emergência de outro movimento,
que haveria de chamar-se Parnasianismo. Antes de ser
parnasianos, os parnasianos foram românticos.
No
alvorejar poético e literário, os jovens Machado de Assis,
Raimundo Correia e Alberto de Oliveira – para citar aqui apenas
nomes tutelares – respiraram a atmosfera romântica: de um
romantismo que se ia desfazendo vagarosamente no ar, alcançado
pelas novas correntes renovadoras trazidas pelos navios.
Coube-lhes, assim, atravessar a ponte e atingir o outro lado.
Nesse
processo misterioso em que não se modifica apenas o cenário das
letras, mas também as condutas dos seus passantes, jamais
haveremos de saber até que ponto as mudanças estéticas serão o
fruto único dos movimentos e escolas literárias ou a obra de
personalidades poderosas. E o juízo da posteridade não retifica
os julgamentos sumários propalados pelo tempo e histórias
literárias, que, como os dicionários, costumam repetir os
verbetes e fundamentar-se em verdades consabidas.
Assim, na
avaliação do Parnasianismo brasileiro, constitui quase uma
cláusula pétrea a existência de uma tríade fulgurante: Alberto
de Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo Correia. Após esses nomes
gloriosos, o Parnasianismo começaria a esvair-se num território
de olvido e sombra em que jazem, à espera de um olhar piedoso ou
atenção, os demais figurantes, como é o caso de Francisca Júlia,
Vicente de Carvalho, Luís Delfino, esse B. Lopes que chamou o
meu conterrâneo Floriano Peixoto de “cheirosa criatura”, ou o
alagoano Guimarães Passos.
A operação
redutora, se de um lado mutila o Parnasianismo como escola, do
outro contempla a verdade talvez indesejável de que os
movimentos literários e estéticos não passam de cenários
rumorosos onde se movem desembaraçadamente os protagonistas
escolhidos pelo destino para cumprir determinada missão. Esse
critério leva a uma visão darwinística, carlyliana e até
calvinista da literatura: a existência de seres providenciais ou
predestinados, que já nasceram a salvo da voragem dos dias e dos
anos, e com uma cadeira cativa na posteridade.
Aceita ou
não tal premissa, cumpre observar que a trindade parnasiana é,
na verdade, um quarteto. O estatuto didático que aponta Alberto
de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac como os
sobreviventes gloriosos do naufrágio parnasiano tem uma tinta
redutora.
A inclusão
de Machado de Assis, quer como grande poeta parnasiano, quer
como o teórico do movimento, é, a meu ver, indispensável e
inarredável. Poemas do alto, fino e rico lavor de “Última
morada”, “Círculo vicioso”, “A mosca azul” e especialmente o
belo e pungente “A Carolina” ocupam o mesmo sítio privilegiado
das obras-primas e dos alexandrinos de Bilac, Raimundo Correia e
Alberto de Oliveira (“Trago-te flores, restos arrancados…”).
Já em
1866, ao ocupar-se do Cantos e fantasias, de Fagundes
Varela, Machado de Assis, então com 28 anos, se insurge contra o
Romantismo. Censura os imitadores de Byron e o byronismo, que
contaminava a poesia nacional. Nessa crítica, alude a descuidos,
negligências e demasias do grande poeta romântico – invocando
rimas imperfeitas ou vocábulos mal cabidos – e chega a sustentar
que “a boa versificação é uma condição essencial à poesia”. Para
ele, Varela tem o dever de apurar “aqueles versos, a minoria
deles, onde o estudo da forma não acompanha a beleza e o viço do
pensamento”. E completa: “Desde já lhe notamos aqui os versos
alexandrinos, que realmente não são alexandrinos, pois que lhes
falta a cesura dos hemistíquios.” A existência, na versificação
ocidental, do alexandrino espanhol, que dispensa as cesuras,
bastaria para refutar a exigência de Machado de Assis. Mas,
protagonista de uma aventura poética que só a ordem, a lei, o
trabalho e a disciplina podem produzir, Machado de Assis condena
“as vocações sôfregas” e reclama, “mesmo dos talentos mais
fecundos, certas condições de reflexão e de madureza, que não
dispensam uma demora salutar. Ao mesmo tempo e à constância no
estudo, deve-se deixar o cuidado do aperfeiçoamento das obras”.
A crítica
a Fagundes Varela deve ser considerada uma das peças básicas da
sua estética e pensamento. Todo o Machado de Assis,
especialmente o que, silenciosa e pertinazmente, estava então
desabrochando para o futuro metódico e triunfal, está nessas
páginas em que, escrevendo sobre o romântico Fagundes Varela,
traça também o seu próprio perfil de parnasiano em botão ou em
flor. De parnasiano de quatro costados. Como em Capitu, a fruta
já estava dentro da casca.
Onze anos
depois, em 1879, Machado de Assis reitera, no ensaio “A nova
geração”, a postura de defensor exigente e intransigente da
espera, da demora e do trabalho como condições indispensáveis
para a criação de uma poesia que se distinga pelo apuro formal.
Isto é, pela plena adequação da forma à emoção e à essência ou
conteúdo. E encerra o minucioso julgamento dos seus companheiros
de viagem com uma alusão ao seu trabalho pessoal de crítico e
poeta, omitindo mesmo o ser romancista e contista. O céptico sem
filhos, já orçando pelos 41 anos de idade, tem as suas certezas
inabaláveis.
É um
formalista. Para ele, a literatura é uma estrutura, uma
construção. Assume um ar paternal, de quem guia e aconselha,
pondera e adverte, e até impõe e exige. Essa atitude crítica
prenuncia o mestre incontestável sentado na sua cadeira da
Livraria Garnier.
O
verdadeiro chefe do Parnasianismo brasileiro – função emérita
que acumulava com a de chefe do Realismo – foi, sem dúvida,
Machado de Assis.
Ora
oculto, ora dissimulado, ora ostensivo, ele preferia exercer o
seu magistério estético ao cair da noite. Entre as imagens que
nos ficaram do famigerado bruxo do Cosme Velho, nenhuma exprime
tão vivamente a sua maneira de ser, estar, influir e conduzir os
seus sequazes como aquela em que o vemos no fundo escuro da
Livraria Garnier. Terminada a faina burocrática no Ministério da
Agricultura, Machado de Assis se encaminhava para a casa que o
editava – e, no lusco-fusco, assumia a posição ao mesmo tempo
dissimulada e incontestável de imperador da literatura
brasileira, ouvindo e falando, comentando e instruindo,
orientando e fofocando.
Sem a
presença e a ação crítica de Machado de Assis, o Parnasianismo
brasileiro teria sido muito diferente. Coube-lhe, ainda, com o
exemplo do seu exercício poético, mestria prosística e
principalmente com uma vigilante postulação crítica,
desafrancesar o movimento exportado de Paris. Antigo
frequentador juvenil do Real Gabinete Português de Leitura,
leitor assíduo dos clássicos portugueses, nos quais pescava
preciosas louçanias de linguagem, conhecedor profundo de Camões
e de Garrett, usuário obediente do Tratado de versificação
de Castilho, apreciador da sonetística fria e rigorosa de
Bocage, marido de uma portuguesa – o que lhe garantia um castiço
convívio linguístico de cama e mesa –, Machado de Assis teve um
papel decisivo no aportuguesamento linguístico do nosso
Parnasianismo.
Aquele
que, segundo Rui Barbosa no discurso de despedida de 1908,
“cantava como Camões e proseava como frei Luís de Souza”,
influiu poderosamente para que o Parnasianismo transplantado
florescesse e prosperasse entre nós não como um mero produto de
exportação, uma fatalidade alfandegária, mas como uma flor
nativa, uma operação linguística aparelhada para refletir mais
uma vez o poder criativo nacional.
O
característico fundamental do Parnasianismo foi o culto da
forma. No cerne e em torno desse culto, tornado quase uma
religião, ele se afirmou tanto na França como nos demais países
ocidentais, abertos ao seu influxo ou contágio. Com o novo
movimento, os poetas perderam a condição de gênios, magos e
profetas. Empenhados na busca da perfeição formal, tornaram-se
ourives, escultores, buriladores, marteladores e cinzeladores do
verso. O trabalho pertinaz substituiu a Inspiração (com I
maiúsculo), que os românticos, num exagero talvez desculpável,
atribuíam às vezes ao próprio Deus, de quem seriam os
porta-vozes ditosos. O poema “Profissão de fé”, de Bilac,
exprime fervorosamente a nova posição, em versos conceituais que
assumem o teor de um manifesto ou tratado de estética.
Assim, a
busca de uma nova forma rege a criação poética e a atuação
crítica dos jovens que, na segunda metade do século XIX, se
foram desprendendo de suas origens e raízes românticas. O
espiolhamento dessa mudança estética indica que as modificações
e alterações de trajeto se foram fazendo lentamente, num cenário
de fervilhação que, visto a distância, evidencia que as
revoluções literárias não se processam necessariamente ao ar
livre, em passarelas espetaculares, mas decorrem de infiltrações
subterrâneas e insidiosas em fortalezas consideradas
inexpugnáveis. São obras de navios sucessivos.
O
Romantismo brasileiro, o movimento seminal que representa a
nossa independência cultural, engastada no processo da
independência política de 1822, produzira um prosador da altura
de José de Alencar, poetas geniais como Gonçalves Dias, Castro
Alves, Álvares de Azevedo, e vicegeniais como Casimiro de Abreu,
Laurindo Rabelo e Fagundes Varela, e estabelecera o padrão de
uma língua nacional, com as suas licenças e singularidades – uma
língua doce e maviosa, frondosa como uma árvore envolta em
flores e lianas. O “português com açúcar” a que aludiu, tão
afortunadamente, Eça de Queiroz.
“Quando se
ama o abismo, é preciso ter asas”, adverte Nietzsche. Os nossos
expoentes românticos tinham asas. Eram águias e condores.
Pairavam majestosamente no céu literário, entre nuvens altas. E
amparavam os seus gênios fúlgidos numa língua dengosa e
mormacenta que já era a expressão nítida e soberba de nossa
nacionalidade, a cara do Brasil.
Viviam à
espera dos navios para poder aprimorar as suas genialidades. E
os navios chegavam e traziam os seus alimentos espirituais:
obras de Byron, Chateaubriand, Victor Hugo, Alfred de Vigny,
Heine, Musset, Lamartine, George Sand, Ossian, o Shakespeare
traduzido para o francês e entronizado então como esplendorosa
descoberta romântica.
Na base
desse desempenho poético que tinha algo de matinal – como se
houvesse roubado do céu as cores da alvorada – estava o
manifesto exarado pelo fundador do nosso Romantismo, Domingos
José Gonçalves de Magalhães, cujo consular Suspiros poéticos
e saudades está para o Romantismo como o Pauliceia
desvairada, de Mário de Andrade, está para o Modernismo. Há
em ambos os livros um ar de família, o espetáculo de uma
arrebatada transição estética, uma terra de ninguém em que duas
concepções poéticas guerreiam, uma hibridez métrica que aponta
para uma forma nova.
Esse
manifesto – o “Ensaio sobre a história da literatura
brasileira”, publicado em 1836 na revista Nictheroy, em
Paris – instaura o nosso Romantismo, com o estabelecimento do
princípio da nossa independência e diferenciação da nossa
criação literária e poética, desvinculando-a da subordinação ao
colonialismo cultural e poético, representado por Portugal e
pela retórica clássica e arcádica.
Domingos
José Gonçalves de Magalhães propõe a busca de uma autonomia
estimulada pela descoberta e assimilação do Romantismo europeu,
especialmente o francês. Paris, seu espaço de atuação poética,
substitui Lisboa; e o conhecimento dos autores românticos
europeus, como Byron e Chateaubriand, abre um novo horizonte de
leitura criadora. A exploração e valorização dos temas nativos –
os céus, as terras, as águas, a fauna e flora brasileiras ou
americanas – assumem o lugar clássico e até cediço ocupado pelas
paisagens imaginárias ou compiladas pelo Arcadismo. O índio
brasileiro enxota as ninfas do Tejo e do Mondego.
A
ambiciosa teoria literária de Domingos José Gonçalves de
Magalhães corresponde ao primeiro movimento de antropofagia
cultural do Brasil, antecipando o Modernismo de 22, o qual, em
muitos dos seus aspectos, é uma rumorosa e festiva repetição, um
gracioso plágio, uma astuta clonagem do primeiro e seminal
Modernismo deflagrado em 1836, como o comprovam os manifestos
assemelhados, a postura selvático/internacionalizada de alguns
de seus corifeus, e o empenho de abrasileiramento e
coloquialização da nossa língua.
Cabe aqui
sublinhar a importância extraordinária desse manifesto, que
guiou a esplendorosa revoada romântica, e concentrar a nossa
atenção no famoso ensaio de Machado de Assis, “O instinto da
nacionalidade”, que deve ser aceito e encarado como um novo
manifesto ou programa. Ou, mais precisamente, como o manifesto
do Parnasianismo. Nele, é receitado para o criador literário
“certo sentimento íntimo, que o torne do seu tempo e do seu
país”. O tatu Machado de Assis se insurge contra as águias e
condores do Romantismo. O marido de dona Carolina recomenda e
procede, meticulosamente, ao reaportuguesamento de uma língua
literária que o Romantismo nutrira de esplêndida seiva nativa, e
de um vivo teor de graciosidade e coloquialidade que será depois
retomado ou clonado pelo Modernismo.
A
linguagem romântica é então considerada frouxa, incorreta e
negligente. As afortunadas licenças poéticas são censuradas. Os
hiatos são condenados em nome das diéreses, que apertam os
versos de Olavo Bilac como os espartilhos apertavam os seios das
damas do Segundo Reinado (“Criança, nunca verás país nenhum como
este”). A dimensão construtivista e estrutural da escola
romântica (a qual foi, ao seu modo, tão formalista como a dos
parnasianos) sofre uma condenação implacável.
O cultivo
da forma impunha uma métrica estrita e vigilante. Significava
ainda a clareza sintática, a exatidão vocabular, limpidez das
ideias e emoções, o motivo único. O verso terso e sonoro, o
verso impecável e lapidar tão magnificamente usado por Bilac é o
modelo da escola.
O culto da
forma significou ainda, para os parnasianos, o culto da beleza –
de uma beleza que, às vezes, tinha como referência carnal ou
escultórica um helenismo livresco – e a busca da perfeição
expressional e formal. Mas não se pode nem se deve censurá-los
por essas preocupações supremas.
Além do
mais, cabe acentuar que os preceitos de impassibilidade, da
impersonalidade, uma das recomendações básicas da escola, foram
belamente desrespeitados pelos nossos parnasianos, os quais não
trepidaram em expor a sua subjetividade, tornada objetividade
pelo processo criador. O eu pessoal, mesmo marcado ou
transfigurado pela insinceridade estética (que, para o artista,
é a sua verdadeira sinceridade), está presente na alegria de
viver de Bilac, no pessimismo de Machado de Assis, na
taciturnidade de Raimundo Correia, no panteísmo de Alberto de
Oliveira, ou no lirismo magoado de Guimarães Passos e Vicente de
Carvalho.
Outro
aspecto a ser destacado, na apreciação do Parnasianismo, é que
nenhum movimento estético é quimicamente puro e limitado a si
mesmo. Os parnasianos, que começaram românticos e participantes
da agonia romântica, terminaram roçando o Simbolismo, insinuado
nas últimas produções de Bilac e Alberto de Oliveira, e levando
Raimundo Correia a produzir o poema “Plenilúnio”, uma das
obras-primas simbolistas.
Em sua
eclosão, o Modernismo acusa a herança parnasiana, tanto na
procedência da maioria dos seus sequazes como nos procedimentos
versificatórios. Mário de Andrade, a maior figura dessa
revolução literária, começou em Há uma gota de sangue em cada
poema (1917) pagando o seu tributo juvenil à escola de
Bilac. O breviário da nova poesia que é Pauliceia desvairada
(1920), radiosa erupção do verso livre ou libertado,
ostenta, em seu primeiro poema, um decassílabo e um alexandrino:
São
Paulo! Comoção da minha vida…
…………………………………………
Galicismo a berrar nos desertos da América!
Em
numerosos outros passos da lírica renovadora de Mário de
Andrade, os versos medidos colidem com o seu desparnasianismo
técnico e intencional. E num soneto misterioso, datado de
dezembro de 1937, Mário de Andrade irá ao mesmo tempo esconder e
revelar a sua homossexualidade e celebrar o amor que hoje ousa
dizer o seu nome:
Aceitarás o amor como eu o encaro?
Azul
bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra
estes móveis de um banal presente.
Tudo o
que há de melhor e de mais raro
Vive em
teu corpo nu de adolescente,
A perna
assim jogada, e o braço, o claro
Olhar
preso no meu, perdidamente.
Não
exijas mais nada. Não desejo
Também
mais nada, só te olhar, enquanto
A
realidade é simples, e isto apenas.
Que
grandeza… A evasão total do pejo
Que
nasce das imperfeições. O encanto
Que
nasce das adorações serenas.
Note-se
que Mário de Andrade se utiliza de um substantivo comum de dois
gêneros (adolescente) para celebrar o corpo nu que é objeto de
sua contemplação deslumbrada. Não há nenhuma palavra
diferenciadora do corpo feminino: perna, braço e olhar são
comuns a ambos os sexos. Um parnasianismo bem temperado serviu
para que o poeta modernista pudesse esconder ou revelar a sua
singularidade sexual de um modo em que a própria ambiguidade se
converte em maliciosa certeza.
O
antecipador A cinza das horas (1917), de Manuel Bandeira,
é um estuário de práticas simbolistas e parnasianas. Jorge de
Lima estreou parnasiano, em 1914, com o XIV Alexandrinos,
no qual figura uma peça antológica, o soneto “O acendedor de
lampiões”. Igual epigonismo lírico assinala as estreias de
Menotti del Picchia, em 1913, e Cassiano Ricardo, em 1915. Um
matiz parnasiano se derrama na polimetria inaugural de Murilo
Araújo. Em Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa lateja o conúbio
do Parnasianismo com o Simbolismo. O modernismo de Ribeiro Couto
surge tisnado pela melancolia e brumosidade dos simbolistas e
dulcificação do alexandrino hierático ou marmóreo. O lirismo de
Augusto Frederico Schmidt se nutre do bucolismo de Alberto de
Oliveira. Em Augusto Meyer, um neblinoso vinco
simbólico-parnasiano se abre amorosamente para a luz, o sol e as
coxilhas natais. O modernista Oswald de Andrade não extraiu do
seu convívio com Emílio de Menezes nenhuma lição parnasiana, e
sim a postura mordaz e anedótica, e até chalaçuda, que o
celebrizou. Tasso da Silveira começou parnasiano, até encontrar
no verso livre sua expressão adequada. Carlos Drummond de
Andrade, que já surgiu com uma poesia eminentemente modernista,
se foi convertendo ao verso medido e às seduções de um soneto de
discreto sabor e teor parnasianos. Em Abgar Renault, o
parnasianismo sonetístico alterna com o verso livre e até com a
experimentação.
O grande e
esquivo Dante Milano se revela insigne conhecedor da arte
parnasiana em seu único e perdurável livro, Poemas.
Quanto a Mário Quintana, um parnaso-simbolismo irônico foi a sua
primeira feição, antes de um lirismo de teor aforístico.
Creio que
só Adalgisa Nery, Raul Bopp, Murilo Mendes e Ascenso Ferreira se
mantiveram imunes ao Parnasianismo.
A
infiltração do Parnasianismo na obra dos modernistas mostra que
os filhos, mesmo quando ingratos, herdam a fortuna dos pais. Os
revolucionários mais desabridos não hesitam em adotar os métodos
dos que foram por eles derrubados do poder. Assim é a vida.
Assim é a arte.
E os
navios passam. São navios arcádicos, românticos, parnasianos,
realistas, naturalistas, simbolistas, modernistas ou navios
cujos nomes são escondidos pela bruma.
Os navios
continuam chegando.
Trazem em
seus porões as poesias de Mallarmé e Valéry, Rilke e Ezra Pound,
Apollinaire e Blaise Cendrars, T. S. Eliot e Pablo Neruda.
Os navios
não param de chegar. E nos ensinam que a poesia é a imaginação
da linguagem. |