Os poetas
da Academia Brasileira de Letras
Lêdo
Ivo
A
fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, foi
iluminada pelo esplendor do Parnasianismo. Entre os seus
fundadores figuram grandes artistas do verso, como Olavo Bilac,
Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, e grandes artistas da
prosa, como é o caso de Machado de Assis (também excelso artista
do verso, com a sua ardilosa competência formal), Joaquim
Nabuco, Rui Barbosa e Coelho Neto. São todos eles integrantes de
uma grande geração literária e política que, com a nitidez de
seus talentos pessoais e o cunho específico de suas
manifestações artísticas, se vinculava à doutrina vigente na
época – uma doutrina em que a arte se convertia numa espécie de
religião e impunha aos seus sequazes um compromisso com a beleza
e a durabilidade.
Os sonetos
de Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia e a prosa em
que Machado de Assis se esconde de si mesmo, e a si mesmo, num
esplêndido processo de emascaramento pessoal, hão de simbolizar,
para sempre, esse tempo ditoso da literatura brasileira, em que
esta, após as explosões e efusões do Romantismo, exprimia o seu
amadurecimento dentro dos preceitos de um Parnasianismo e de um
Realismo regados pelas águas de incontáveis riachos obscuros.
Um século
transcorreu. Neste momento fronteiriço, em que a luminosidade do
dia se converte em sombra e incerteza, podemos permitir que nos
assalte a ilusão de que estamos ainda em 1897, e a Academia
Brasileira de Letras está nascendo, como uma construção da tarde
ou uma promessa da noite. Na topografia difusa, as sombras se
esclarecem, os rostos se destacam e suscitam os reconhecimentos
imperiosos. E podemos ver, nítidos entre nós, Machado de Assis,
Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. E, menos
perto, como referência de que a poesia é um sistema, uma
partilha e um convívio, e não apenas uma hierarquia
resplendente, estão Lúcio de Mendonça, Teixeira de Melo,
Guimarães Passos, o turbulento Luís Murat, Medeiros e
Albuquerque, Filinto de Almeida, Magalhães de Azeredo e Luís
Guimarães Filho. Em torno da mesa do convívio, levanta-se o
rumor de vozes e até de risos, o fluir de uma interminável
conversa humana que é a nossa honra. Outros rostos se tornam
visíveis. São os de Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Sílvio
Romero e Rui Barbosa. Afortunado momento este em que a
literatura brasileira, por força da criação de uma Academia, de
uma instituição que reúne tantas semelhanças e diferenças, o
igual e o desigual, e se organiza como um tapete, com
incontáveis fios de cor diversa, pode enfim exibir a fisionomia
preclara que a conduzirá ao imaginário popular.
Tudo ou
quase tudo que estava disperso foi reunido naquelas tardes de
discussão e diálogo, e também de colisões escondidas. A nossa
tradição literária emergiu da treva e do olvido com a vivacidade
de uma aurora. A travessia do Romantismo para o Parnasianismo
está presente nas obras matinais de muitos dos fundadores da
Academia. Olavo Bilac escolheu Gonçalves Dias para seu patrono.
O grande poeta, em verso e em prosa, que foi Machado de Assis
também começou romântico para depois alçar-se aos cumes
parnasianos de “A mosca azul”, “A última jornada” e dos versos
finais a Carolina e projetar em seus romances a visão poética
dos braços e das ancas das adúlteras imaginárias ou verdadeiras;
e o registro desse começo é ter-se colocado sob o alto patronato
de José de Alencar, o maior de nossos prosadores românticos.
O alagoano
Guimarães Passos também recorreu a um romântico, Laurindo
Rabelo, numa demonstração de seu apreço pela escola que lhe
tinha ensinado algo de doce e mavioso que não se encontra em
seus pares. Talvez nenhum outro poeta romântico, nem mesmo
Álvares de Azevedo, tenha sabido traduzir, com tanta precisão e
aflição, o sentimento daquela morte que impôs a uma geração a
obrigação de viver uma vida apressada e antecipada, entre a
produção de obras velozes e amores magoados, como esse esquecido
Laurindo Rabelo, nestes versos que têm o sabor funesto de um
epitáfio:
Sinto
tomar-me o leme a mão da morte
E perto
avisto o porto nebuloso
Chamado
Eternidade.
O
romântico Bernardo Guimarães, que, com o seu romantismo
folhetinesco, chegou até o imaginário eletrônico dos nossos dias
com o seu romance A escrava Isaura, que arrancou lágrimas
dos chineses, franceses e cubanos, foi o patrono de Raimundo
Correia, cuja perfeição formal abriga tanta musicalidade e
fluidez. Sob o patronato de Domingos Gonçalves de Magalhães, o
fundador do nosso Romantismo, colocou-se o jovem poeta Carlos
Magalhães de Azeredo. Outro jovem, Valentim Magalhães, abrigouse
à sombra e à luz de Castro Alves. Lúcio de Mendonça preferiu
Fagundes Varela, e Teixeira de Melo inclinou-se por Casimiro de
Abreu.
Nesse
quadro em que os parnasianos em flor buscavam o patronato de
românticos que às vezes mal haviam entrado em suas tumbas, houve
um poeta que foi mais longe, no horizonte histórico, e se
colocou à sombra de um árcade. É Alberto de Oliveira, que tem
Cláudio Manoel da Costa como patrono; e em sua poesia, que
celebra as serranias e árvores fluminenses e os céus ora azuis
ora esbraseados de nossa pátria, lateja algo de arcádico que
explica e justifica essa preferência, não fosse a complexidade
formal e sintática que lhe dá um ar de parentesco.
Mesmo os
prosadores escolhiam poetas românticos. Graça Aranha, que tinha
fumaças de pensador, pendeu para um poeta cujo verso tonitruante
se casava à reflexão filosófica. O sergipano Tobias Barreto foi
o seu patrono.
A presença
forte do Romantismo na elaboração da nossa memória acadêmica
permite ao observador de agora recolher a evidência de que o
movimento estético e existencial que dominou o século XIX, e
decidiu a independência e a consolidação da nossa literatura,
está longe de exibir uma fisionomia uniforme. Seja dito,
inicialmente, que a teoria de que o Romantismo se exaure na
explosão e no esbanjamento é uma invenção de críticos suburbanos
e de professores repetitivos que são verdadeiros papagaios
pedagógicos. A visão do poeta romântico descabelado pertence ao
almanaque dos mitos burgueses. Poucas estirpes de poetas, no
mundo, souberam pentear-se tão bem, apesar de suas infelicidades
particulares e da exuberância de seus desabafos verazes ou
mentirosos. As numerosas vertentes do movimento, que ocupou todo
um século como uma visão existencial do mundo, repelem a
cunhagem de uma efígie única dotada do poder de exprimir todas
as tendências. Mesmo entre nós será sempre possível a
identificação dos vários tipos de Romantismo: o romantismo
soturno, noturno e até fantasmal de Álvares de Azevedo,
iluminado pelas luzes da noite e pelo claro-escuro dos sonhos; o
romantismo matinal e contudo estrelado desse poeta de comício e
alcova que é Castro Alves; o romantismo sabiamente selvático de
Gonçalves Dias; o romantismo nostálgico de Casimiro de Abreu,
que caçava a infância como quem corre atrás de uma borboleta; o
romantismo carnalmente suspiroso de Junqueira Freire; e, como um
orgulhoso e solitário voo de águia, o romantismo imperial e
imperioso de José de Alencar.
A presença
da memória romântica ilumina, pois, a criação da Academia
Brasileira de Letras. Poucos foram os fundadores que buscaram no
nosso alvorecer literário os nomes que estavam à espera de uma
ressurreição. Com efeito, apenas Basílio da Gama e Gregório de
Matos representam, como patronos, o instante inaugural da nossa
literatura. Anchieta foi esquecido e, com ele, Bento Teixeira
Pinto, o poeta dessa insípida mas deliciosa Prosopopeia,
que é o primeiro poema nosso a cantar a cidade do Recife. Também
não foram lembrados José de Santa Rita, frei Manuel de Santa
Maria Itaparica, o gongorino Botelho de Oliveira, cuja silva à
Ilha de Maré é um verdadeiro e perdurável manjar de peixes e
frutas tropicais. Desse esquecimento só se salvaram os árcades
Cláudio Manuel da Costa (patrono de Alberto de Oliveira) e Tomás
Antônio Gonzaga. Alguns deles foram, um ano mais tarde, ornar,
como patronos, as cadeiras dos sócios correspondentes.
A omissão
considerável e até escancarada da Academia nascente a tantos
nomes seminais tem, porém, uma explicação e uma justificação.
Diante dos seus fundadores, estavam a lição e o exemplo do
Romantismo como movimento estético e até político atrelado à
nossa Independência. Neles, e não nos poetas barrocos e árcades,
reconheciam os nossos fundadores o sentimento da nossa diferença
e a prova de nossa nacionalidade.
A lição
estética dos românticos brasileiros, aparentemente tão
assemelhados e todavia tão diversos, há de indicar ainda que
cada poeta traz em si, nesse conúbio indestrinçável de conteúdo
e de forma que é a sua voz pessoal, uma teoria literária que o
distingue dos seus pares, e uma escola particular que o rodeia
como uma aura. E a sua verdadeira herança é intransmissível, já
que ele não pode transferir-se para os outros e ser os outros.
Em Machado
de Assis, Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira
prolonga-se essa lição de diversidade e até de
intransmissibilidade no cenário aparente da semelhança. Em todos
vibra a nostalgia dos românticos que eles não foram ou deixaram
de ser, uma vez transposta a fronteira diferenciadora. A
transição do Romantismo para o Parnasianismo está presente em
suas obras, e em cada um deles avulta uma matização diversa.
Juvenilmente habitadas pelo indianismo gonçalvino e alencarino
haurido em Chateaubriand e pelos desabridos queixumes amorosos,
temperadas por tantas lágrimas que o tempo ainda não esfriou, as
suas criações poéticas se renderam a novas musas e sereias. Ao
verso doce e às vezes frouxo ou aparentemente frouxo, aos temas
lacrimosos ou mesmo funéreos, ao sentimento da fugacidade da
vida e da celeridade do tempo, à convicção da genialidade
pessoal, foram sucedendo os emblemas que proclamam o império do
Parnasianismo. Os navios traziam os livros de Victor Hugo,
Baudelaire, Banville, Théophile Gautier, François Coppée,
Heredia, Leconte de Lisle e tantos outros expoentes da nova
escola que, na França, substituía o Romantismo. Os nossos poetas
descobriram, então, a forma, com um F bem maiúsculo. Ou,
antes, assimilaram-na e a ajustaram à nossa língua, através de
engenhosas ou rigorosas operações métricas e rimáticas.
O verso
romântico brasileiro, que exprime com tanta graça e sedução o
próprio falar e dizer nacionais, foi sendo substituído por um
verso terso e até intolerante, segundo os preceitos hauridos na
poesia e nos postulados versificatórios de Gautier e Banville.
Ao abrasileiramento da nossa língua, juncada de tantos novos e
incontáveis dengos e meneios com Alencar e Castro Alves, sucedeu
um notável processo de relusitanização que só haveria de
estancar com o surgimento do nosso segundo Romantismo, que é o
Modernismo de 22. O sentimento da genialidade pessoal que
caracteriza Álvares de Azevedo, Castro Alves, Casimiro de Abreu
e Fagundes Varela cedeu passo e lugar ao sentimento do ofício
constante e pertinaz que clareia a trajetória de Machado de
Assis, Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. Os poetas
deixaram de ser gênios para tornar-se ourives, estatuários,
cinzeladores, buriladores, cepilhadores e marteladores de
versos. O amor à vida e à natureza enxotou os temas lacrimosos.
Às sepulturas frescas e aos amores não correspondidos, os poetas
passaram a preferir o calor das alcovas e os segredos do
adultério.
Os poetas
parnasianos que engrandeceram a Academia se recusavam a morrer
jovens, enveredando garbosamente pelas maturidades seguras e até
pela velhice gloriosa, como é o caso de Alberto de Oliveira,
que, nascido em 1857, morreu em 1937, meses antes de completar
80 anos; e, tendo estreado em 1878 com as Canções românticas,
se tornou o mais impecavelmente parnasiano dos nossos
parnasianos e chegou mesmo a bordejar o Simbolismo e o
Modernismo nos seus derradeiros lampejos poéticos.
Já Machado
chegou, de achaque em achaque, até os 69 anos. Olavo Bilac
prolongou a sua glória e popularidade incomparáveis até os 53
anos. Raimundo Correia se finou em Paris aos 52 anos. Quanto a
Guimarães Passos, também morreu em Paris, em 1909, aos 42 anos,
não fosse ele o mais romântico dos parnasianos.
Na escola
que impunha aos seus senhores e vassalos a doutrina da
impessoalidade e da durabilidade – e também de uma impassividade
muita vez belamente transgredida – e exigia que eles, em busca
da perfeição da obra acabada e irretocável, fizessem poemas como
quem esculpe e cinzela, conferindo-lhes a perduração das joias e
estátuas, o alagoano Guimarães Passos ficou a meio caminho.
Palácio,
fortaleza, laboratório e estuário do Parnasianismo e do
Realismo, a Academia Brasileira de Letras prolongou por mais de
meio século o império das posições estéticas presentes no
momento de sua fundação. A correção gramatical à maneira
lusitana e o verso medido e metrificado figuravam entre as
cláusulas de seu regulamento artístico mesmo depois que, fruto
de tantas buscas e fervilhações obscuras, o chamado verso livre
já se tivesse irradiado no espaço de nossos procedimentos
literários.
O primado
parnasiano explica por que ela não acolheu o grande poeta
simbolista Cruz e Sousa no seu quadro de fundadores, embora o
seu nome tivesse sido lembrado ou cogitado. Deixou de recrutá-lo
não por ser negro (pois o acadêmico José do Patrocínio, que se
incumbiu de seus funerais, um ano mais tarde, também o era), mas
por ser simbolista, integrante de uma tribo estética que
suscitava a intolerância e até o escárnio dos parnasianos.
À nossa
Academia também jamais ocorreu ir buscar outro grande poeta
simbolista, Alphonsus de Guimaraens, entre as montanhas e o
orvalho de Minas Gerais. Aos prógonos incômodos preferiu os
epígonos afáveis ou prestigiosos. A corrente simbolista será
representada por Félix Pacheco e Luís Edmundo. O dominador
princípio parnasiano ficará sempre vigilante, na porta da nossa
instituição, como um cão de guarda, ou um cão de mármore,
sancionando a entrada de novos parnasianos, como Martins Júnior,
João Ribeiro, Emílio de Menezes, Goulart de Andrade, Luís
Guimarães Júnior, Amadeu Amaral, Alberto de Faria, Luís Carlos,
Eduardo Ramos e Humberto de Campos. No caso de Emílio de
Menezes, cabe acentuar que, apesar de seu parnasianismo
ortodoxo, ele horrorizava Machado de Assis com a sua boêmia
inveterada, desleixo na indumentária e ainda pelo seu
desbocamento, que haveria de ser gulosamente imitado pelo
modernista Oswald de Andrade, um de seus discípulos de botequim.
Só em 1914, seis anos após a morte de Machado de Assis, logrou
Emílio de Menezes entrar para a Academia. As boas maneiras, a
cortesia, um desejável cuidado no vestir-se devem fazer parte do
pecúlio literário dos que aspiram ao nosso convívio.
A herança
parnasiana continuará vibrando na musicalidade e limpidez lírica
do paulista Vicente de Carvalho, eleito em 1909, e do mineiro
Augusto de Lima. Também estará presente em três poetas vindos do
Nordeste: o paraibano Pereira da Silva, cujo parnasianismo se
tingiu de tons simbolistas, e os pernambucanos Adelmar Tavares e
Olegário Mariano. Esse último conheceu grande popularidade, era
o mavioso poeta das cigarras.
Ano de uma
revolução política, 1930 o foi de uma revolução literária nesta
Casa, com a entrada do seu primeiro poeta modernista, o paulista
Guilherme de Almeida. Mas, ao escolhê-lo, a Academia o fazia
menos pela modernidade que ele exprimira na Semana de Arte
Moderna do que pelos sonetos sentimentais do livro Nós,
de 1917, marcados por um parnasianismo outonal. Guilherme de
Almeida, que sabia grego e latim, e conhecia os nossos clássicos
desde os cancioneiros, conciliava em seu modernismo uma ousadia
métrica e rítmica que chegava até a sumária visualização
cubista. Mas os graciosos tentáculos parnasianos abraçavam a sua
obra, que prolongava o canto amoroso e carnal de Olavo Bilac.
Quatro
anos depois, o segundo poeta modernista abrigado por nossa
instituição vinha também de São Paulo. Era Ribeiro Couto. Em sua
poesia, aberta a ritmos novos e atravessada pelo sabor e pela
cor do Brasil, aninha-se um parnasianismo agonizante e ainda um
simbolismo a cujas meiastintas se deu o nome de Penumbrismo.
Ribeiro Couto conferiu ao alexandrino rigoroso herdado dos
franceses uma ductilidade e uma doçura especiais. Eles parecem
derreterse nesse poeta voltado para as confidências sentimentais
e os jardins sob chuva.
Mas o
estado de São Paulo ainda não estava satisfeito. Em 1937
fornecia à Academia Brasileira de Letras o seu terceiro poeta
modernista, Cassiano Ricardo, autor de Martim Cererê e
expoente da corrente nacionalista estampilhada de “Verde e
Amarelo”. Ele também fora aquecido, nas primeiras aparições,
pelo longo pôr-do-sol parnasiano. O convívio com a Geração de
45, portadora de atualizadas informações estéticas, propiciou a
Cassiano Ricardo alargar o seu horizonte, numa renovação em que
celebrou a vida das grandes cidades e os aparatos tecnológicos
do nosso tempo.
O sol-pôr
parnasiano iluminava a obra do quarto poeta modernista a ser
eleito para a Academia, o pernambucano carioquizado Manuel
Bandeira. A Cinza das horas (1917) é um campo de batalha
ou um laboratório formal; nele se encontram e se conflitam o
Parnasianismo, o Classicismo e o Simbolismo europeus que o
poeta, tuberculoso, respirou nos ares altos e limpos dos Alpes
suíços. Em 1922 Manuel Bandeira participara da Semana de Arte
Moderna, não pessoalmente, mas por meio da recitação do seu
vaiadíssimo poema “Os sapos”, no qual satirizava os poetas
parnasianos e exaltava a figura desvalida do sapo cururu da
beira de rio. O seu modernismo ora alegre e anedótico, ora
pungente e aflitivo, não o impedira de ser, ao longo de sua vida
de solidão e glória, um parnasiano nem sempre escondido, sem que
deixasse de ser um inventor poético de primeira água. Mas a
menção a Manuel Bandeira estaria incompleta se eu não
acrescentasse que ele é um dos grandes poetas do nosso tempo e
de nossa língua.
Em 1943, o
poeta paulista Menotti Del Picchia era eleito para a Academia.
Ele trazia no seu bornal poético o Juca Mulato, uma das
obras-primas de nossa poesia nativista e um exemplo notável de
variedade métrica e rimática – e ainda ousadas experimentações
em prosa, como é o caso do seu romance O homem e a morte,
que está a reclamar uma leitura iluminadora. Na obra inicial de
Menotti Del Picchia, o parnasianismo se mescla a um simbolismo
grandiloquente de quem, filho de imigrantes italianos, leu
D’Annunzio. E há nela ainda a marca ostensiva do português Júlio
Dantas. Outro italiano, o futurista Marinetti, influencia os
poemas em que ele manifesta o seu modernismo ora aguerrido, ora
vertiginoso, ora pitoresco.
Passaram-se então dezessete anos sem que a Academia Brasileira
de Letras aquiescesse em admitir um poeta em seu convívio. E
cometeu o maior pecado de toda a sua hoje centenária existência.
Recusou-se belicosamente a acolher o grande poeta Jorge de Lima,
várias vezes candidato ao seu ilusório reconhecimento.
Em 1960,
aqui ingressava o poeta gaúcho Augusto Meyer. Outra luz ilumina
a sua poesia: a de um simbolismo discreto e sussurrante. A
autoironia se casa em seus versos à vivência dos pampas nativos.
O sopro do minuano crepita em seus poemas. Os que sabem guardar
as vozes de longe haverão de estimar e admirar sempre esse poeta
fino e esquivo que foi também uma das mais consideráveis
presenças ensaísticas do nosso país e escrevia, como acentuou
José Lins do Rego, uma prosa de cristal.
O mineiro
Abgar Renault, eleito em 1968, soma a perícia do sonetista que
bebeu fartamente nas fontes clássicas e parnasianas e as lições
do versolibrismo modernista; e uma acentuada reflexão filosófica
cadencia o seu lirismo amadurecido.
Também em
1968 as portas da Academia se abriram para uma figura
exponencial e emblemática de uma nova geração: a famigerada
Geração de 45. Praticante de uma poesia inteiramente despojada
de qualquer resquício parnasiano ou simbolista, o pernambucano
João Cabral de Melo Neto haurira no modernismo ortodoxo,
especialmente em Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, a
retórica do verso livre e de uma abordagem visual da realidade.
Após a fase inicial, em que é visível também a contaminação
surrealista, a sua poesia metafórica e siblina recebe a
influência seminal da poesia espanhola. O Recife e Sevilha são
as duas referências geográficas e temáticas do poeta, que, na
denúncia social de Morte e vida severina e na reflexão
formal de Psicologia da composição, exibe as duas
águas de sua poesia.
Outro
poeta pernambucano, Mauro Mota, era eleito para a Academia dois
anos depois. O sonetista de tom elegíaco não esconde o seu
passado parnasiano, o qual convive com o herdeiro das lições do
Modernismo; e a presença de sua terra natal, especialmente a
cidade do Recife, documenta o seu regionalismo cheio de sol e
luzes.
Igual
sentimento nativo nutre o lirismo dos maranhenses Odylo Costa,
filho e José Sarney, o primeiro eleito em 1968 e o segundo em
1980, ano em que a Academia foi buscar num mosteiro beneditino o
poeta dom Marcos Barbosa, que nos trouxe uma poesia religiosa
que é ao mesmo tempo uma inauguração e uma celebração do mundo.
Eleito em
1988, o poeta gaúcho Carlos Nejar é uma voz vinda do Sul, e que
fala do Sul, de suas almas e utensílios, dias e noites, casas e
plantas, nuvens e águas. A essa marca geográfica se acrescentam
a inquietação metafísica e um fervor genesíaco expressos numa
linguagem de claro teor metafórico.
Quando a
Academia foi fundada, pelo menos dez poetas integravam o seu
quadro de membros efetivos. Hoje, neste ano de seu centenário
(1997), são apenas três os poetas da Academia, apertados,
sitiados, e talvez sufocados e encurralados entre trinta e sete
prosadores.
Essa
escassez de vozes poéticas colide com o espírito de convívio
estabelecido pelos que fundaram esta Casa para que, nela, os
poetas fossem mais visíveis e mais respeitados.
A poesia
brasileira não pode ocupar aqui apenas três cadeiras. Queremos
ser mais. E que Deus nos proteja. |