P R O J E T O   E D I T O R I A L   B A N D A   L U S Ó F O N A

 

 

J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

 

BANDA LUSÓFONA | SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Olinda Beja | (1946)

A dupla chama do canto de Olinda Beja

 

Floriano Martins

 

Crescer com a terra, ir tocando sua história, tateando suas fontes de permanência, mesclando a palavra à vida à sua volta, em sentido único de celebração e entrega. “Tu que me dás amor nada receies / que eu velarei por ti a vida inteira”. Como no título deste poema, sua autora, Olinda Beja, leva uma vida “sem receios”. Uma bonita lição apanhada à árvore ancestral de seu povo, a África de São Tomé e Príncipe entranhada nas festas populares, no teatro mágico que a todo instante reanima as origens.

Nascida em Guadalupe, em 1946, as suas raízes estão ali, na travessia que sempre fez, indo e vindo no tempo e na memória, não importam as prolongadas residências em Portugal e na Suíça. Seu canto está impregnado pela doçura cadenciada que a terra crioula lhe doou ao coração. Não somente o canto lido, mas sobretudo a musicalidade que sopra de seu íntimo quando a escutamos lendo seus poemas. Bem o faz Alda Espírito Santo, esta imensa poeta, ao lembrar que "a poesia de Olinda Beja é o reflexo de uma cadência da insularidade do seu eu circundante para o povo ilhéu que a viu nascer e para os hemisférios do mundo para onde a poetisa pretende fazer ressoar o timbre das virtualidades de uma história colectiva”, logo concluindo que “o que a mim me surpreende e encanta em Olinda Beja é a festa orgíaca do seu encontro poético com a África e a terra natal consubstanciados em apelos, que não se restringem apenas às epopéias da negritude. Na exaltação às raízes, criticamente, a voz poética se ergue em denúncia em busca de ouvidos receptivos ao pulmão do continente na mira de um porto de abrigo.”

É verdade, sim, que sua voz alcança uma extensão invulgar, e surpreende que avance pelo território da narrativa e que o faça mantendo as raízes do canto. Exemplo disto é o romance 15 dias de regresso (2007), cuja trajetória - vertiginosa cronologia em suas duas semanas de descida ao passado - é marcada por uma abastança lírica, os ritmos que vêm da poesia em sintonia vibrante com o dístico que recolhe a título de epígrafe: “Lembra-te que a manhã rompe sempre”. Também o romance em Olinda Beja é uma experiência poética, onde exaltação e denúncia, como bem recorda Alda Espírito Santo, aliam-se para que a mensagem alcance seu rito de passagem, que as imagens esvoaçem e a terra soletre suas dores e alegrias em cada palavra. E esta é uma de suas notáveis riquezas, valiosa contribuição de liberar um pouco a tradição literária de seu país dos acordes sociais repetitivos, ao enlaçar mito e realidade, em frenesi doce e selvagem, dedicado à sua terra, para que esta também lhe saiba aceitar.

Uma orgia de sons que são o batuque frenético de sentidos que nos escapam, as entranhas de uma África que hoje parece perdida, violentada ou torpemente folclorizada. A doçura com que canta: “preciso apenas de escutar o som longínquo / do tam-tam do teu d'jambi frenético e ansioso / para construir meu quixipá de andala e utopia / como abelha tonta em redor da colméia”. Identidade do fogo, com seu duplo poder de queimar e iluminar. Denúncia e exaltação. Nisto radica sua permanência, no apego incansável às múltiplas estações do ser, às manifestações inúmeras da errância do homem sobre a terra, em uma só palavra: santomensidão, ou como ela mesma anuncia, a partir de seu neologismo: “o poema / é a única rota que deixa sulcos no cais / imensurável dos nossos atropelos”. De riqueza inigualável, pois, a envolvente melodia de sua imaginação.

O caldo em que banha ritos e mitos, o enlace com que multiplica a inquietude, como vai buscar os vultos da infância, o encanto dos trovadores, as vestes da tradição, o relicário do desejo, afinidades com outras fontes líticas, tudo isto resplende como invenção incansável quando comparecemos à leitura de Aromas de Cajamanga, portal por onde o Brasil passa finalmente a ter acesso à voz desta notável poeta. E a ousadia com que indaga: “quem ficará para ouvir histórias / e ouvir o vento / e ouvir o mar / quem ficará?” Pois esta é também a inquietude que norteia a obra plástica do brasileiro Sérgio Lucena, a quem convidamos para fazer capa e ilustrações internas da presente edição. Olinda e Sérgio, juntos neste livro, sabem como ninguém que língua oferecer a quem os visite, que palavras, imagens, gestos ofertar a quantos busquem uma margem invisível onde seja possível alcançar a si mesmo. E juntos, na voz de Olinda, nos dizem: “estou aqui como tu / borboleta tricolor que pousa no eco das muralhas / e morre a ouvir histórias de um país calcinado”.

[Prefácio do livro Aromas de cajamanga, de Olinda Beja. Organização de Floriano Martins para a Coleção Ponte Velha da Escrituras Editora. São Paulo, 2009.]

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

     1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
    2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
     3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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Ficha Técnica

Projeto Editorial Banda Lusófona
Janeiro de 2010 | Fortaleza, Ceará - Brasil
Coordenação geral & concepção gráfica: Floriano Martins.
Direção geral do Jornal de Poesia: Soares Feitosa.
Projetos associados: Revista La Otra (México) | Ediciones Andrómeda (Costa Rica) | Revista Blanco Móvil (México) | Triplov (Portugal).
Cumplicidade expressa: Alfonso Peña, Eduardo Mosches, Gladys Mendía, José Ángel Leyva, Maria Estela Guedes, Soares Feitosa e Socorro Nunes.
Contatos:
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Soares Feitosa: soaresfeitosa@secrel.com.br | soaresfeitosa@uol.com.br.
Agradecemos a todos pela presença diversa e ampla difusão.