50 anos de
rebelião poética em Roberto Piva ou poética anárquica,
dionisíaca, blasfematória e criminosa
Ricardo
Mattos
Poesia do
ímpeto e do giro,
Da vertigem e da explosão,
Poesia dinâmica, sensacionista, silvando
Pela minha imaginação fora em torrentes de fogo,
Em grandes rios de chama, em grandes vulcões de lume.
Fernando
Pessoa/Álvaro de Campos
Por
onde passa a alucinação poética de Roberto Piva devassa. Seu
pulsar em fúria ejacula desordem. As convenções sociais se
prostram definhadas. Os deveres suicidam-se aturdidos. As
autoridades masturbam-se convulsionadas. Os relógios ventilam e
olhares sedentos devaneiam em rodopios maravilhados.
Reparei
como a consciência se desequilibra no parapeito do Absurdo,
enquanto a Razão amanhece jogada bêbada ao meio-fio.
No ritmo
violento de seus versos, vagabundos, putas e pederastas copulam
sorridentes. A juventude se excita. As palavras pululam em
vertigens. O corpo convulsiona inebriado pelo aroma libertino
que exala de seus poemas.
No
qüinquagésimo ano da estréia de Piva, com sua “Ode a
Fernando Pessoa” (1961), este ensaio celebra a sua vida.
Sua
poética, qual meteoro incandescente desgovernado, ganha
virilidade a cada ano, explode em gerações de novos poetas e
transgressores nele inspirados, abre crateras no bom mocismo
ainda predominante na poesia.
A
publicação individual de estréia de Roberto Piva foi impressa em
longa tira de papel – similar à forma de “Bomb”, de
Gregory Corso, incluída na “remessa beat” que ele recebia
tão logo era publicada em San Francisco. O poema era distribuído
nos bares da cidade de São Paulo, tendo sido escrito no mesmo
ano de sua participação na Antologia dos Novíssimos (Massao Ohno,
1961).
A Ode
já abriga o germe da poesia piviana, com toda sua força
subversiva e anárquica. Já aqui a poética da irresponsabilidade,
das sensações em detrimento das obrigações. Apologia do ilegal.
Poesia da orgia, cujo erotismo toma o poder de assalto.
Blasfêmia, sarcasmo e ridicularização do mundo oficial. Poesia
sustentada pela loucura e pelo delírio.
Já aí
estão as primeiras grandes influências poéticas do transgressor,
especialmente de Pessoa-Álvaro de Campos, Walt Whitman, Allen
Ginsberg e Mário de Andrade. Saudar a Fernando Pessoa-Álvaro de
Campos, como este saudou a Walt Whitman, saudado também por
Allen Ginsberg e Garcia Lorca. Escrever uma ode ao mestre nessa
forma literária. É delinear uma linhagem poética. É inserir-se
em uma genealogia literária de ruptura.
A ruptura
se inicia com a versificação.
Versos
livres e longos. Ode a Fernando Pessoa à maneira das grandes
odes de Álvaro Campos. Versos no ritmo voraz do pseudônimo que
tomava o poeta lisboeto de assalto em acessos de possessão, de
escrita febril, compulsiva e convulsiva. O virulento tremular da
pena violenta, arrebentando em Pessoa um ente-de-letras
incontrolável, impulsivo que destronava até seu próprio criador.
Inventivas noites insones.
Contínuas
expressões de exaltação: “Ó”. Freqüentes aparições do pronome de
tratamento “tu” ou “ti”, de utilização literária e formal -
escapando até uma expressão do português arcaico: “minh’alma”.
Piva faz valer até dos constantes paralelismos nos inícios dos
versos, ou no meio deles, com expressões iguais a de Campos em
suas odes. Construção similar a “A passagem das horas”, “Ode
marítima”, “Saudação a Walt Whitman”.
Poesia de
ruptura, com raízes bem conhecidas. Barbas longas e livres do
velho Whitman, com o vento da liberdade a soprar em seu corpo nu
deitado sobre folhas de relva. Verso criado em estado de transe,
a livre associação de idéias em pensamento veloz, com ritmo
definido pelo pulsar do corpo e na medida da respiração.
Ouve-se
também o Uivo e seus relatos entusiastas de situações
subversivas, além de grande influência do Ginsberg de “América”.
A oralidade da linguagem das ruas, as gírias, os impropérios,
também marcam um vocabulário ultrajante com palavras libertas
que vibram gesticulando malcriações.
Ora, a
forma de Ode contrasta bastante com as experimentações
narrativas características do conjunto da obra de Piva. Os
versos fragmentados, entremeados de glossolalias em Piazzas,
e, principalmente, a prosa poética sucedida de poesias em
Coxas que cria uma “meta-ruptura” na relação espaço-tempo no
âmbito da narrativa moderna. [1]
Contra as
responsabilidades pelas sensações
No início
do poema, Piva evoca o Campos da “vida triste passada em
Lisboa”. O poeta decadente e pessimista, em seus despudorados
balanços de vida, com todas suas vilezas e fracassos. São
solilóquios loquazes em carne viva…. deixando as vísceras ali
espalhadas no rés-do-chão, em qualquer vão, para todos verem.
Esse Campos dos longos exames de consciência, beirando a culpa e
despertando amiúde a piedade, não é o poeta apropriado por Piva,
mas sim o poeta sensacionista: “Ó Mestre da plenitude da Vida
cavalgada em Emoções”. A afirmação da vida sedenta, o pulular de
sensações amorfas e desregradas, desesperadas pela aventura de
evadir-se e transbordar-se no mundo. O fluir ininterrupto em
meio ao desconhecido. Daí a fúria contra as amarras que procuram
atenuar seu vôo. As convicções não devem durar mais que um
estado de espírito. É a liberdade de vagar, sem idéias fixas: o
vadiar descompromissado. Poesia do alto-mar.
Em lugar
das convicções temos inquietações mais ou menos indeterminadas.
Confusão, inexatidão, incerteza: “Sempre essa inquietação sem
propósito, sem nexo, sem con- / [sequência] / Sempre, sempre,
sempre / Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma”.
[2]
A mesma
frase apropriada por Piva na Ode: “Sei que não há
horizontes para a minha inquietação sem nexo”.
A
labilidade, a infindável busca pela intensidade das
experiências. É a afirmação da vida contra toda forma de
controle social. A sensação é antagonista da responsabilidade,
deveres, obrigações e horários. Piva retoma este tema de
diversas maneiras: “Alimentar o resto da vida com uma hora de
loucura, mandar a merda todos os deveres”, ou mesmo em sua
imagem de Campos como “o desengajado, o repentino, o livre”.
O
entregar-se às emoções de maneira ininterrupta, mergulhado na
torrente das sensações difusas, traz uma vontade megalomaníaca
de fundir-se a tudo e a todos. A vivência do excesso: “Em mim e
em Ti todos os ritmos da alma humana, todos os risos, todos os
olhares, / todos os passos, os crimes, as fugas, Todos os
êxtases sentidos de uma vez, / Todas as vidas vividas num minuto
Completo e Eterno, / Eu e Tu, Toda a Vida!”.
A mesma
busca desesperada observada em várias passagens de Campos, como
por exemplo: “Sentir tudo de todas as maneiras, / Viver tudo de
todos os lados, / Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis
ao mesmo tempo, / Realizar em si toda a humanidade de todos os
momentos / Num só momento difuso, profuso, completo e
longínquo”. [3]
O elemento
do excesso é a fúria. Em sua Ode Marítima, Campos leva ao
extremo essa violência em sua adoração aos piratas. Aqui a fúria
se traduz em transgressão, criminalidade, facetas bastantes
características da poética delinqüente de Piva, cuja erupção
passa ao largo dos interditos e convenções sociais. O Álvaro de
Campos de Piva é um “grande indisciplinador”, que fomenta a
desobediência, cujo canto é de “libertação”: “Da Grande Vida de
aventuras marítimas salpicada de crimes, / Da grande vida dos
piratas, Césares do Mar Antigo”.
A figura
do pirata ilustra bem a figura de sujeitos selvagens que vivem
matando, roubando, torturando, proliferando uma série de
crueldades. Os Césares com quem Campos perdeu a “noção de moral”
e “civilidade”: “Ah, os piratas! Os piratas” / A ânsia do ilegal
unido ao feroz / A ânsia das coisas absolutamente cruéis e
abomináveis”. [4]
Piva
encarna bem essa faceta futurista de Campos: “Amor feito a força
com toda Terra. / bacanal em espuma e fúria”. Em ambos a
virulência de uma poética sensacionista, irresponsável,
embriagada pela ferocidade selvagem e vomitando atrocidades.
Vozes
proibidas / vozes dos sexos e luxúrias
Se Piva
caminha abraçado a Campos, este último também saúda e anda de
“mãos dadas” com Whitman, esta “concubina fogosa do universo
disperso”. É Campos quem se coloca na linhagem poética orgástica
do autor de Folhas de Relva: “Pertenço a tua orgia báquica de
sensações-em-liberdade”. [5]
De
passagem podemos comentar que o diálogo com Whitman também se dá
a partir de Ginsberg. Em “Supermercado da Califórnia”, o poeta
estadunidense encontra seu “mestre da coragem” entre as
prateleiras do mercado e indaga: “Aonde vamos, Walt Whitman? As
portas se fecharão em uma hora. Que caminhos aponta sua barba
esta noite?”. [6] A relação de Ginsberg com Whitman, que
remete a uma genealogia poética e de vida subversiva, é
parafraseada por Piva: “Fernando Pessoa, Grande Mestre, em que
direção aponta tua loucura esta noite?”.
Assim, a
Ode é uma constante conversa com Whitman. Sua barba
prefigura aqui e ali, enroscando os fios nas páginas.
De
Whitman, Piva compactua a poética como subversão do corpo,
definição atribuída a Octávio Paz. É o corpo como turbilhão dos
desejos, da sexualidade. Com Whitman, Ginsberg e Piva o
homoerotismo alcança ares revolucionários. Veja as afirmações do
poeta pederasta: “o coito anal derruba o capital” ou sua crença
no “golpe de estado erótico”.
A Ode
está recheada de orgias e bacanais, alusões ao sexo como
expressão da liberdade. Numa sociedade moralista e crivada pelo
“Suicídio do Corpo” imposto pelo cristianismo, segundo o próprio
Piva, a liberdade sexual é bastante fronteiriça do proibido, do
criminoso: “Amar livremente mulheres, adolescentes, desobedecer
integralmente uma ordem por cumprir, numa orgia insaciável e
insaciada de todos os propósitos-Sombra”.
O tom de
Revolução Sexual que iria caracterizar a década de 1960 é aí
antecipado. A expressão da homossexualidade também surge como
transgressão: na “Carícia obscena que o rapazito de olheiras fez
ao companheiro de classe e o professor não vê” ou mesmo no “amar
os pederastas pelo simples prazer de traí-los depois” – aqui com
possível alusão a Jean Genet. Poética erótica, imoral, na qual
não há freios para o desejo que não cessa de não cessar. Poesia
e Orgia.
Whitman e
sua fusão com as pessoas comuns, personagens urbanos…. suas
gírias, gestos, ofícios. Os marginais parecem ser seus
prediletos: “Por mim passam vozes proibidas, / Vozes dos sexos e
luxúrias…. vozes veladas, e eu removo o véu, / Vozes indecentes
esclarecidas e transformadas por mim”. [7]
São putas,
escravos, ladrões, deformados, desesperados e delinqüentes
juvenis…. com os quais o poeta mantém fortes vínculos: “Nenhum
pivete é preso por roubo sem que eu o acompanhe, e seja julgado
e / condenado”. [8]
Este
histórico encadeado à marginalidade, às figuras delinqüentes,
escoa na Ode: “Resumirei para Ti a minha história: /
Venho aos trambolhões pelos séculos, / Encarno todos os fora da
lei e todos os desajustados, / Não existe um gangster juvenil
preso por roubo e nenhum louco sexual que eu / não acompanhe
para ser julgado e condenado”.
Piva leva
a fusão da poesia com a marginalidade/criminalidade ao extremo.
As famosas frases em entrevistas dão conta de que se a
verdadeira poesia é transgressora, é fora da lei, também se liga
a outras ações e personagens que constroem suas subjetividades
em contínuo conflito com as convenções sociais.
O próprio
Piva diz que gostaria de ser um “gangster”, mas, como não levava
jeito para a coisa, passou a escrever poesia que é “uma forma de
incentivar o gangsterismo”. De maneira mais direta comenta:
“[há] um princípio básico para [se] entender a minha poesia, a
palavra criminal. Uma poesia cuja transgressão aponta, em última
instância, para o crime, e para a anarquia generalizada…”. [9]
Chega a afirmar que o “Brasil precisa de poetas perseguidos pela
polícia”!
Na Ode,
o poeta gangster vivencia e poetiza diversas situações
subversivas, muitas vezes com aberta alusão a atos delinqüentes.
São crimes, fugas, assaltos, estupros, que lembram em muito a
“ânsia do ilegal unido ao feroz” dos piratas de Campos. Veja os
versos: “Agora, vem comigo ao Bar, e beberemos de tudo nunca
passando pela caixa”, “assaltaremos o Fasano” ou “onde está a
menina-moça violada por nós num dia de Chuva e Tédio”.
A
atividade criminosa revela uma negação incondicional do mundo
burguês, suas instituições sociais e moralidade castradora…
Afirma a vida pulsante, o desejo imediato, a liberdade
individual que se impõem com violência e intensidade. Uma
poética anárquica que cospe violentamente o fogo da desordem.
Tal tom
subversivo/criminoso tem ojeriza a qualquer forma de controle.
Daí frases como “Põe-te daqui para fora, policiamento familiar
da alma dos fortes: eu quero ser como um raio para vós!”. Já na
Antologia dos Novíssimos Piva se colocava “contra os
policiamentos interiores e exteriores”.
É certo
que a poética do urbano, que caracterizará a São Paulo em
“Paranóia” é normalmente atribuída à influência de Mário de
Andrade (Paulicéia Desvairada) e Garcia Lorca (Poeta
em New York). Porém, estes dois últimos poetas, é sempre bom
lembrar, fazem referências diretas a Whitman em sua poesia ao ar
livre.
Poesia
arejada, impregnada dos burburinhos das grandes metrópoles. O
estado de vida poético como a fusão da poesia e vida… como uma
existência sempre em movimento, no turbilhão urbano caótico.
São Paulo:
“nada de asas, nada de poesia, nada de alegria!”.
Mário de
Andrade, presença freqüente nos primeiros escritos de Piva. O
Mário da Paulicéia Desvairada, que abre seu “guarda-chuva
paradoxal” no Largo do Arouche e cria sinergia com os espaços e
situações da cidade. Mário do insulto ao burguês, do conluio com
poetas, moços e loucos que contrariam o puritanismo da cidade
pragmática e triste: “nada de asas, nada de poesia, nada de
alegria!”.
A veia
antropofágica de Piva no colorido das expressões populares,
informais, de uma brasilidade que marcou o modernismo
brasileiro: o “país alegremente Antropófago”; o “adolescente
moreno empinando papagaios na América”, a batucada vinda do
morro, enquanto ouvem bossa-nova deitados na palma da mão do
Cristo…. o maxixe na Bahia com seus becos e porres. Como bem
lembra Ricardo Rizzo, trata-se de um “ritmo prosódico de um
Macunaíma”. [10]
Até hoje o
poeta antropófago autografa seus livros com um carimbo do
“gavião de penacho”, referência ao Manifesto da Poesia
Pau-Brasil, de Oswald de Andrade – como se lê na entrevista à
Marco Vasques. [11]
A cidade
de São Paulo de Piva - apropriada pela frase de Mário sempre
citada: “as luzes do Cambuci pelas noites de crime” - é toda a
vida que se move no subterrâneo, nos interstícios, distante do
controle social. Justifica tudo o que foi dito aqui sobre a
transgressão como víscera da poesia piviana. A nomeação dos
locais, parques, praças, ruas da cidade segue uma trilha aberta
pela Paulicéia Desvairada. Porém, seu tom mordaz e
pungente revela que se poetiza o que se vive. A cidade do
poeta/transgressor é permeada pelas vielas, bares, becos,
subúrbios. Nela os “vagabundos tenebrosos” encontram-se, numa
hemoptise de personagens transgressores: os “descabelados com
gestos de bailarinos”; as meninas que abandonam o sono das
famílias; os adolescentes iletrados nos parques, as putas, os
bêbados e todos os desconhecidos.
É o palco
onde se encontram todas as pessoas indecentes: “Vamos percorrer
as vielas do centro aos domingos quando toda a gente decente
dorme, e só adolescentes bêbados e putas encontram-se na noite”.
Se ainda
hoje tais versos soam sublevadores, o que dirá na época em que
foram escritos. É Willer quem relata o espanto e repúdio com que
as primeiras poesias de Piva foram recebidas pela provinciana
cidade de São Paulo, uma cidade moralista, fechada, regrada,
puritana. O espanto intercalado ao silêncio da imprensa, pois
era impensável uma literatura excitada pelo erotismo,
transpirando palavrões. Havia pouco, o Uivo de Ginsberg
foi recolhido das prateleiras, o gerente da livraria preso e a
obra perseguida em longo processo judicial
Na
comemoração de seu quarto centenário, os paulistanos
orgulhavam-se de seu Parque Industrial, de seu progresso, de seu
futuro. É neste contexto que Piva constrói uma originalidade
poética com grande toque de sarcasmo. Desfile de escárnios
provocadores e chistosos. Todo o mundo oficial é francamente
satirizado.
O pai do
racionalismo tecnicista tem sua célebre frase ridicularizada em
cômica paródia: “Descartes tomando banho-maria, penso logo
minto, na cidade futura, / [industrial / e inútil”.
O humor
elevado a categoria de sátira, goza das autoridades,
instituições e situações convencionais. Trata-se mesmo do tom
blasfematório que o próprio Piva atribui a sua poética. Veja o
toque ultrajante: “Quero cuspir no olho do teu Governador”. Se a
política oficial é agredida, a oposição aspirante ao poder
também não tem melhor sorte: “São Paulo…. até seus comunistas
são mais puritanos que os padres” .
As
autoridades religiosas, representantes oficiais do Cristianismo
recebem também seu quinhão no ato de “…chutar os padres quando
passarmos por eles nas ruas…”. Nem seus fiéis passam
desapercebidos, na conclamação: “Ó mocidade sufocada nas
Igrejas, vamos ao ar puro das manhãs de / setembro]”
A
universidade, instituição do saber oficial, com seu academicismo
tão odiado pelo poeta, recebe uma imagem que denota o quanto
reprime os desejos em prol de uma lógica racional onipotente: “Ó
Faculdade de Direito, antro de cavalgaduras eloqüentes da
masturbação / transferida!” Na mesma linha provocativa e
cáustica, mas abusando do non-sense Piva escreverá no ano
posterior: “Abaixo as Faculdades e que triunfem os maconheiros”.
[12]
A feição
mordaz da poética verborrágica lembra em muito a maneira como
Ginsberg critica a América em seu poema homônimo: “América….
quando você tirará sua roupa?”. [13] Na Ode, Piva
lança mão do verso: “Ó maior parque industrial do Brasil, quando
limparei minha bunda em ti?”.
Os “pardos
burocratas”, os “mercadores” e demais representantes da ordem
não cessam de serem ironizados. Em tom mais furioso o poeta
martela a cidade em ruínas: “Ó cidade das sempiternas mesmices,
quando te racharás ao meio?”
O tom
provocador é absolutamente libertário. Incentiva a sublevação
por meio de comportamentos anárquicos, em uma atitude política
que torna a Ode a Catedral da Desordem na contracultura
brasileira. A poesia na qual primeiro jorrou a fonte
transbordante de sublevações da jovial década de 1960.
Uma
poética do amor livre, da orgia, da liberdade sexual. Uma
poética subversiva, vivenciada na desobediência sistemática das
instituições sociais de controle. Uma rebelião poética furiosa,
que estilhaça todas as formas de disciplina e domesticação.
Uma
poética dionisíaca, pagã, que faz delirar na embriaguez estética
da afirmação da vida, da vida em sua diversidade. Poética
ditirâmbica, do batuque irracional sentido no ritmo do corpo.
Nietzsche
colocava como primeira e última tarefa do filósofo “superar em
si seu tempo, tornar-se atemporal”. Eis aqui uma poética
extemporânea, um poeta póstumo, que desbravou uma vida
experimental encarnada pelas gerações subseqüentes de outros
espíritos livres.
Se cabe ao
poeta chegar ao desconhecido de seu tempo, eis aqui um poeta
vidente, visionário, que abre brechas na realidade e
potencializa em cada um outras vidas a serem vividas. |