Sabino
Romariz, o poeta de Penedo
Lêdo
Ivo
Alagoas,
cemitério de poetas! De uma produção lírica de vários séculos, e
que tem como referência inaugural o Convento de São Francisco em
Penedo, um dos pontos irradiadores da cultura alagoana, o
passado nada guarda.
Esse
olvido não atinge apenas os poetas que se grudaram ao chão
provinciano e recusaram o apelo dos navios e aviões. Alcança
também nomes como os de Guimarães Passos e Goulart de Andrade,
que pertenceram à Academia Brasileira de Letras, o primeiro na
condição de fundador. No desfile de mortos, só Jorge de Lima
ostenta a glória póstuma, após a consagração que lhe rodeou a
vida e a obra. E nesse reconhecimento freme a contundente
advertência do tempo aos que lhe fecharam as portas da Academia
Brasileira de Letras – essas portas ora de rígido bronze, ora de
açúcar fofo.
Do
cemitério de silêncios e ilusões se levanta agora o poeta
penedense Sabino Romariz, numa antologia singela. Dele ficou
apenas, em recitais e almanaques, o soneto “O lírio”, de nítido
e doído cunho simbolista, o que induziu seus admiradores a
estranharem que Andrade Muricy não o houvesse acolhido no
monumental Panorama do movimento simbolista brasileiro.
Realmente,
o soneto primoroso e emblemático merecia o abrigo antológico.
Contudo, a avaliação inicial dessa obra esquecida e dispersa,
ora ressuscitada pela Fundação Casa do Penedo, mostrará que
Sabino Romariz não foi um poeta de escola, senão de escolas. São
várias as tendências e vertentes que confluem e até se chocam em
seus livros de versos – desde o Romantismo, identificável nas
licenças métricas e gramaticais, até o Parnasianismo e o
Simbolismo, este presente tanto no glossário evasivo e
evanescente como nos tropos e imagens que sustentam a sua
dicção.
Todavia, o
que marcou compulsivamente a trajetória poética de Sabino
Romariz foi o turbilhão retórico de Guerra Junqueiro. As suas
longas composições de teor dramático, juncadas de brados e
invectivas, ostentam o selo parodístico e nos remetem ao grande
e tumultuoso poeta de Os simples. São junqueirianos os
seus indignados arroubos líricos, o amor pelos pobres e humildes
e até o ódio à Inglaterra. E como Guerra Junqueiro foi buscar em
seu mestre Victor Hugo as antíteses e apóstrofes trovejantes,
nada mais natural que as imprecações e imagens trombeteantes de
Sabino Romariz sejam de acentuado feitio hugoano – o que o leva,
inclusive, a transformar o meu antepassado Pedro Ivo numa
metáfora, chamando-lhe “férvida cratera”.
Mas, ao
lado de tantas vociferações e amarguras, surge, como uma
clareira luminosa, o verso plácido do poeta que, mesmo quando
distante de sua cidade natal, ouvia o fluir das águas do Rio São
Francisco e os sinos das igrejas de Penedo.
O lírio
O lírio
era uma flor imaculada,
Casta
como um sorriso de Maria;
Flor de
uma alvura tal que parecia
Ter
sido feita de hóstia consagrada.
Em
Getsemâni, a face ensanguentada,
Jesus
tragava o cálix da agonia
E uma
gota de sangue luzidia
Sobre
um lírio caiu cristalizada.
E nisto
a flor, sem mancha concebida,
Foi-se
tornando como que dorida
Tomando
aquele tom violáceo, frouxo…
E de
como era outrora alvinitente
O lírio
da Judeia, finalmente
Crepuscular ficou, tornou-se roxo. |