P R O J E T O   E D I T O R I A L   B A N D A   L U S Ó F O N A

 

 

J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

 

BANDA LUSÓFONA | PORTUGAL

 

Sylvia Beirute | (1984)

CURRÍCULO

Sylvia Beirute é natural de Faro, Portugal. Estuda cinema e teatro e nasceu em 10 de Dezembro de 1984. Escreve poesia e teatro para mudar o seu mundo e diz-se a favor do Acordo Ortográfico na versão de 1945. Integra o grupo literário texto-al (www.texto-al.blogspot.com) e é autora do blogue “uma casa em beirute” (www.sylviabeirute.blogspot.com). Tem colaborações dispersas em revistas literárias de Portugal, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, Argentina e Brasil.

EM DEFESA DA POESIA

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?

SB Cada vez mais concebo a poesia como um todo. Não creio que na poesia contemporânea com relevância faça sentido separar os poetas por países ou sequer por língua. Neste momento estou centrada nas vanguardas e em algum experimentalismo de que o Brasil ou os Estados Unidos têm sido pioneiros. Essa influência tem tocado a base da minha poesia, que é de imagens abertas e ligada ao pensamento.

2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?

SB Creio que antes do reconhecimento internacional deve vir o reconhecimento interno. E para isso é necessário criar as necessárias bases. Hoje em dia as pequenas editoras servem praticamente para a auto-edição e as grandes apenas procuram nomes consagrados. Tirando essas há as chamadas “oficinas de produção”, que não são mais do que edições de autor com chancela, com défices a muitos níveis.

Se se estabecessem critérios rígidos para apoios públicos, talvez Portugal fosse, do ponto de vista da oferta em livro, um país de  grandes poetas, coisa que está muito longe de ser. Felizmente temos a internet e vamos podendo apreciar poetas como Alice Macedo Campos, só para citar um exemplo. Repare que quando vocês recebem as antologias da suposta melhor poesia portuguesa, estão apenas a apanhar o que de melhor conseguiu ser editado pelas maiores editoras. As revistas literárias poderão ter um papel regulador nesta questão.

3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

SB Creio que já se notam diferenças. Para citar um exemplo, posso referir o Festival Tordesilhas, em Lisboa, com poetas de língua portuguesa, ao qual e infelizmente, por motivos de agenda, não pude participar. Por outro lado, as revistas literárias já vão aceitando nomes de fora. Espero, com sinceridade, que esta progressão de mantenha.

POEMAS

 

POEMA DE BENEFICÊNCIA

 

introduza um colapso numa dúvida. recolha-a por elementos. coloque perguntas ao redor. as respostas situam-se entre tempos verbais. um detalhe apaga-se para dar lugar a outro. a memória como um todo. qualquer força para medir é uma inexpressão na arte. não há um só caminho aberto em direcção a um caminho aberto. imperdibilidade é um modo feio de beleza. as coisas mais belas são decíduas porque não assíduas. como aquele fragmento de biografia sem palavras que procura corporalidade no texto. o seu instinto difásico é como um diálogo em que as duas linguagens se friccionam e encontram como que numa orla central em que tudo o resto se autopune até à morte, ficando um quadro de órgãos estrelados. quem entrou aqui introduziu um colapso numa dúvida, recordo. quem tem dúvidas não morre verdadeiramente. recolher elementos de dúvida é uma ocupação como qualquer outra. os ocupados não morrem. a estética escultural do olfacto é mais importante do que as auto-estradas. por isso, vá a pé na imaginação férrea do silêncio. cheire a paisagem que se absorve lentamente ao fundo e que rasga com ternura a ternura do céu de outono. não ande demasiado. quanto mais andar mais esperança surge. surgir esperança é surgir um espelho, e um espelho é difuso apenas na interioridade. intimidade. é como o poema. o poema que mudou. que se deslocou até aqui porque fez uso das possibilidades, probabilidades, matemáticas e deslumbres que a arte oferece. ontem, quando o visitei, o poema era literatura. hoje é mistificação das bases. e ter um pensamento único, convenhamos, é a fruição da vanguarda. a vanguarda converte porque gera metades de tudo o resto. e tudo o que é metade se perde.

 

 

CIDADE-PONTO

 

não escrevi um livro em miniatura sob uma lupa falsa.

não pedi qualidade aos clássicos.

não pretendi reparar a eficácia de qualquer sistema humano.

não endossei poemas porque os poemas não são cartas.

não tenho um cativeiro de poetas.

não visitei cidades-poema.

não segui preceitos que se vejam.

não azuleci por pertencer ao céu.

não tive ilusão e coragem para crer na desistência.

não escrevi que o fingimento pode ser um ódio com casca.

não tenho maneiras puramente estéticas.

não tenho processos literários.

não tenho dois corações.

não li masaoka shiki ou matsuo bashō.

não li a crítica para não perder a liberdade e o meu

dom impreparado.

não peguei no tempo e o atirei para dentro do corpo

como células estaminais.

não escrevi sobre a revolução industrial.

não respeitei o meu passado enquanto índice temático.

não estimulei diagnósticos de subtileza grosseira.

não recuperei emoções com a cabeça.

não coloquei questões delicadas no campo da poesia suprema.

não transferi permissões de mim para mim.

não imaginei versos paralelos para prender significados.

 

 

ÚTERO

 

procurando a tua cabeça: quero acordar-te, devolver-te

ao meu útero, teu colar planetário,

fazer-te regressar ao sangue de olhos fechados e incubadoras,

soterrar o teu nome no meu nome, o teu movimento

no meu santuário faminto,

a minha culpa e aguaceiros no teu desejo indeciso de

beleza e desvios. dar-me-ás o teu azul

para que o meu vermelho denso o golpeie de ocupação e pele,

para que duas solidões

se aconcheguem e tornem uma só. e depois, mais tarde,

numa meia-noite de existência avulsa, dentro de mim

dirás o sexo, o sexo

como arredores de um lugar belo.

 

 

O IMPREVISÍVEL É REMISTURÁVEL

 

{o imprevisível é remisturável.

as horas contradizem os minutos.}

e chorar muito sobre um rio seco,

esperar o espírito dos peixes.

acordar poeticamente um dia

porque a memória se esqueceu

que o esquecimento seria lançado

numa poesia completa e definitiva.

e escrever mais um poema que

esconde tristezas junto de falhas.

e actualiza desactualizando.

inventada escrevo de novo.

escrever é esculpir sem pedra.

e depois procurar uma pedra,

pesar a pedra, e depois o poema.

e ainda pesá-los juntos e verificar

se o peso bate, contradiz ou a pedra voa.

pesar com os olhos e a leitura.

porque o imprevisível é saturável.

remisturável. talvez acorde um dia

adormecida em muito amor,

talvez não seja realmente eu

mas um prazer minúsculo que me derroga,

talvez me resgatem apenas de uma lágrima.

 

 

HIERARQUIA

 

o acto de perguntar é uma confiança expectante,

a veterania de um exemplo acaba por matá-lo,

mas pouco disto é essencial para já:

na poesia, enquanto dilúvio da existência, as

influências do poeta são as veias do seu poema homicida,

veias que carregam químicos dispostos livremente

no corpo, mudando de lugar,

subindo aos olhos que lêem e que tentam

colonizar hemorragias

nos ouvidos puramente visuais.

mas haverá sempre alguém na audiência

que pergunta,

que questiona directamente o poema e o seu exemplo,

alguém que interpela a

legitimidade de quem redige e assina o que é, afinal, da natureza,

alguém que pressente muros de berlim, ouvidos, narizes, ilhas,

simulacros do dessonhado, do oculto.

e nesse momento eu sorrio e não deixa de me ocorrer

que pressentir nem sempre te levará

à infância de um sentimento.

 

 

INTIMIDADE

 

não se trata de uma sede ser capaz de fazer evaporar

um oceano

ou de uma mentira poder ter absoluta razão, ou que

envaidece a abstracção na oxidação do cansaço estético.

e mesmo que não saibamos de que se trata,

sempre diremos que não consiste a fotografia deste momento

em inevitar a obliteração dos exemplos, de uma

consciência que extravia

colégios de identidade, palácios de consolação, relógios

casuais que dão forma aos pormenores do tempo.

encontramo-nos na orla do círculo, na superfície do branco

após o negro que o percorre e mutila como a

invenção que brota ou o poema que transnomina no ventre

e cujos versos mudam de lugar em caso de fogo

e natureza intacta.

sabemos apenas que o presente

é uma prótese do passado, e talvez isso chegue

para que devamos fechar os olhos, contornar os nossos

corpos sem uma só morte sobrevivente, e deixar que

o momento prossiga em completo vazio.

 

 

AUTOBIOGRAFIA

 

tanto derivo de uma pequena península de ar hegemónico como

de um rascunho do instinto, mas

apenas a minha superfície é inimputável.

sou anti-contraceptiva, e o que mais tenho são transferências

e fôlegos. isolo palavras e com cada uma resumo, por um lado, 

o mundo, por outro, o exaurir de suas fraquezas e antíteses, e 

finalmente todos os meus esforços, verbos rudimentares, 

movimentos em colapso e belezas sem rendição.

decimar-me no rosto de muitos e nos olhos

de alguns é um objectivo que me borboleta, mudar-lhes

o rosto e alterar-lhes a cor é uma perversão inevitável

nos dias de hoje. há pouco, eu vi o fim de tarde fechar-se 

como um prepúcio e sorri da comparação que me renova os olhos. 

quem sou talvez seja o resultado de uma propagação contínua,

de um modo de olhar como se dependesse das imagens

que vejo, de um interior que desaparafusa e desutiliza 

o eixo do tempo.

de perto, digo-te, os mapas revelam mais lugares,

e sei que a pseudo-posse do ar puro na frieza quente do frio

consagra muita esperança.

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
JORNAL DE POESIA ACERVO GERAL BANDA LUSÓFONA EDIÇÕES CURURU

 

Jornal de Poesia (Brasil)

 

La Otra (México)

 

Matérika (Costa Rica)

 

Blanco Móvil (México)

 

Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências (Portugal, Brasil)

 

Agulha - Revista de Cultura (Brasil)

 

 
Ficha Técnica

Projeto Editorial Banda Lusófona
Janeiro de 2010 | Fortaleza, Ceará - Brasil
Coordenação geral & concepção gráfica: Floriano Martins.
Direção geral do Jornal de Poesia: Soares Feitosa.
Projetos associados: Revista La Otra (México) | Ediciones Andrómeda (Costa Rica) | Revista Blanco Móvil (México) | Triplov (Portugal).
Cumplicidade expressa: Alfonso Peña, Eduardo Mosches, Gladys Mendía, José Ángel Leyva, Maria Estela Guedes, Soares Feitosa e Socorro Nunes.
Contatos:
Floriano Martins bandahispanica@gmail.com | floriano.agulha@gmail.com.
Soares Feitosa: soaresfeitosa@secrel.com.br | soaresfeitosa@uol.com.br.
Agradecemos a todos pela presença diversa e ampla difusão.