A poesia de Vasco Cabral
Joana Ruas
Vasco Cabral nasceu em 1926 em Farim na então Guiné Portuguesa e
cedo se interessou pela política participando na campanha de
Norton de Matos, candidato da Oposição anti-salazarista à
Presidência da República Portuguesa. Formado em Ciências
Económicas e Financeiras, é preso em 1953 em Lisboa quando
regressava de Bucareste onde participara no IV Festival Mundial
da Juventude.
1962 foi um ano pleno de acontecimentos relevantes no quadro da
resistência ao regime salazarista pois pela primeira vez nas
ruas do Porto e no 1º de Maio em Lisboa são gritadas palavras
de ordem contra a guerra colonial e, num tribunal de Luanda, são
condenados os escritores António Jacinto, António Cardoso e
Luandino Vieira a 14 anos de prisão; nesse mesmo ano, ameaçados
de novo pela polícia política, o angolano Agostinho Neto
acompanhado pela família e Vasco Cabral, numa fuga de barco
organizada pelo Partido Comunista Português, alcançam Rabat, em
Marrocos. Tendo aderido ao PAIGC participa na luta armada de
libertação nacional tendo sido ministro da Economia e das
Finanças do 1º Governo saído da Independência da Guiné-Bissau,
proclamada unilateralmente a 24 de Setembro de 1973 na sequência
do assassinato de Amílcar Cabral. Fundador da União Nacional de
Escritores da Guiné –Bissau, morre a 24 de Agosto de 2005, em
Bissau.
A sua poesia
acha-se publicada na Antologia poética da Guiné-Bissau /
União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau
(Lisboa, Editorial Inquérito, 1990); África: Literatura.
Arte. Cultura sob a direcção de Manuel Ferreira (Lisboa,
África Editora, L.da. - Vol. I, n.º 5; ano II (Jul-Set), 1979);
Antologia: Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe:
poesia e conto, selecção e organização de Lúcia Cechin (UFRGS,
Porto Alegre, 1986); as suas alocuções, discursos e colóquios
nomeadamente sobre Amílcar Cabral e sobre a colonização da Guiné
acham-se publicadas em Soronda - Revista de Estudos
Guineenses.
A
Luta é a minha primavera
A luta
É a minha
Primavera
Sinfonia de vida
O grito estridente
dos rios
A gargalhada das
fontes
O cantar das pedras
E das rochas
O suor das estrelas
A linha harmoniosa
dum cisne!
Vasco Cabral começa a escrever poemas na prisão, em 1953, poemas
que já depois da independência da sua pátria reunirá num volume
que intitulou precisamente A Luta é a minha primavera.
Ao lermos este poema não podemos deixar de sentir com quanto
despojamento se manifesta o despertar de uma energia feita de
desprendimento de si e de total entrega. Na sua solidão
essencial, há neste homem, preso mas pronto para o combate, a
abundância primaveril das grandes forças da natureza: a da água
que estridente se solta pelos rios abaixo e a que jorra das
fontes. Mais do que fecundar a terra, água é a linguagem da
fluidez invadindo o espaço, grito e gargalhada sonorizando as
paisagens mudas. O homem que no combate vai suar o suor das
estrelas longínquas, está mais perto do céu do que da terra e,
inamovível no seu ideal, o seu canto é igual ao das pedras e das
rochas. Frescura, clareza e pureza eis o que caracteriza a
linguagem do espírito novo para que nasça uma nova vida. A vida
para o prisioneiro passa, infinita e informe fora e dentro das
grades da prisão. Contudo, algo se move, algo busca uma forma, e
não é apenas um homem, um poeta cujo canto se ergue sobre searas
de desolação a proclamá-lo , é também um povo que em breve se
erguerá numa luta de libertação nacional. Em Discours
Antillais, Édouard Glissant, numa clara alusão aos
espoliados e oprimidos, conclui, neste seu ensaio, que “O homem,
não é uma mera cana que pensa, mas, segundo Shakespeare, é uma
floresta que marcha”.
Geração sacrificada a um ideal, o cisne deste poema é a
metáfora de uma forma harmoniosa. Seja qual for a cor da sua
pele, o cisne, símbolo de luz, representa o ideal de brancura e
de graça do guerrilheiro no seu combate por uma causa nobre, a
causa da libertação de um povo por um futuro de paz e no
achamento de uma felicidade terrestre para cada homem, mulher e
criança. |