NOTURNO
Flores,
folhas, troncos, raízes,
Revivas
de extinto mistério…
Quando
na tépida espessura
Há-de
tornar o sono aéreo,
Os
límpidos sonhos felizes?
Mimar
de múrmura magia!
Remansear
de sombra fremente!
Magia
e sombra pesam onde
Se
ouvia a voz de um deus presente…
De
ouvir a terra estremecia,
O
céu profundo se acendia,
Nocturnamente,
brandamente!
Depois…
Depois a voz sombria
Se
velou na terra, que a esconde,
Atrás
do universo silente.
Ó
tempo em flor e folha, menos
Amarga
fora esta lembrança,
O
mais subtil de teus venenos,
Se
cansasse do que não cansa…
Lembrança!
Filtro acerbo e quente,
Que
eu bebo, e quero mais! – espelho,
Mágico
espelho contemplado,
Miragem
de cristal vermelho
Que
fixa o tempo eternamente,
E
faz presente do passado!
Imagem
nunca mais perdida,
Surta
na sombra, que demora!
Nocturno
ardor, boca de aurora
Que
oferta a fruta apetecida!
Forma
de si mesma despida,
Imagem
sempre a mesma – embora
Paire
suspensa além da vida,
Penso
que a vejo viva agora,
Não
porque a veja revivida,
Só
por sonhá-la a igual de outrora.
Sonho!
É sonho, minha alma! Vede
O
avito engano em que se agita
Para
matar a própria sede,
Aumentando
a própria desdita…
É
sonho! Traz no riso mudo
Certeza
e dádiva de tudo…
Sonho!…
E sonho, por ele a nua
Negra
floresta reverdece;
Por
ele, outra vez, no ar flutua
A
Presença, que não esquece.
Odor
e flor a terra, estuante,
Trescala,
arrouba-se no espaço,
Esto
que impele ansiosa amante
A
procurar no ansiado abraço,
Maviosa
vertigem do instante,
A
unidade do ser disperso;
E
o deus aspira a morna essência
Por
que se desvela, diverso,
Múltiplo
e solto na consciência
Predestinada
do universo.
De
novo a Lua, mãe propícia,
Derrama
o leite de seu seio;
A
vida, a vida esponsalícia,
Vibra
total no que era alheio!
Desce
de novo a claridade
Por
nova confusa carícia,
Enquanto
o gesto de bondade
Da
vestal dourada derrama
Em
lábios eleitos a flama
Da
mais que perfeita delícia.
Delícia
eterna sempre nova!
Porque
a merece a alma sincera
Nem
se tema do mal que prova
Nem
teme a dor que desespera…
Respiro
da noite sonora,
Cujo
segredo o dia ignora!
Repouso
ao fim de escusas trilhas!
Recompensa
de estranho rito,
Maravilha
das maravilhas,
Dom
do Infinito – indefinito!
Em
teu limiar, porta secreta,
Onde
a imensidade começa,
Ressoa
a resposta completa,
Murmúrio
florido em promessa…
Livre
– livre da aérea bruma
Por
que o mistério azul inquieta,
Cria
o sonho de si a suma
Graça,
a ingênua suma surpresa,
A
novidade que perfuma
Esta
promessa de beleza.
Fecham-se
os braços sobre a escolha
Sem
nome, nata do desejo;
De
flor a flor, de folha a folha,
A
selva salva o suave ensejo,
Encontro
prometido e lento,
Ou
sonho ou destino, composto
Em
um só beijo – claro intento,
Um
mel de música no gosto,
Rosto
abismado em outro rosto,
Forma
prima de pensamento.
Eu
beijo o beijo e abraço o abraço,
Meu
raro instante luminoso,
Que
se exclui do tempo e do espaço
Na
eternidade de um regaço,
A
dar-me sem medir seu gozo…
Mago
instante que não refaço!
Divino
instante que me adverte!
Fugiu-me
cedo…
–
Onde ir a esmo,
Alma
ferida, corpo inerte,
Buscar
a ilusão de mim mesmo?
A
BELA ADORMECIDA
A
alma levada longe, e todavia
Presente,
e presa do segredo, anima,
Espira
a rosa de opulento clima,
Flor
viva, aroma novo, aura macia.
Desejo
franze o beijo, e se inebria;
Abraço
iluso preme e tem por cima
Um
corpo alheio – na delícia prima
De
oculta flama que se nega ao Dia.
Entrevencido
e surpreso, adivinha
O
ser profundo a vertigem da vida,
Fruto
suspenso da secreta vinha…
Forma
acesa de amor adormecida!
Para
a primícia de um mistério antigo,
Um
deus solerte quis dormir contigo.
SEXTINA
DA VÉSPERA
Um
pensamento parte
Confluente
da tarde
–
Banho de ouro em que a Rosa
Abre
um ventre divino
À
cadência amorosa
Do
tempo e do destino.
Um
só – tempo e destino,
Ambos
em toda a parte:
Noite
inquieta, amorosa
Manhã,
morosa tarde…
Tempo
– sono divino!
Destino
– sonho… Rosa!
Sonho
da tarde – Rosa!
Não
lhe diz o destino
O
que o tempo, divino,
Esquece
em toda a parte;
Só
lhe murmura a tarde
A
delícia amorosa…
Vibra
a luz amorosa,
Anima,
aviva a Rosa
–
Excelência da tarde,
Surpresa
do destino,
Em
que ventura é parte
Sem
o tempo – divino.
Tarde
– rubor divino!
A
luz tomba amorosa,
Toda
se dá, se parte,
Esplendor
cor-de-rosa…
Idéia
do destino
Em
que se perde a tarde!
Urge,
refulge a tarde,
Que
acende o céu divino
Entre
o tempo e o destino…
A
cadência amorosa
Da
luz inflama a Rosa
–
Rosa de toda a parte!
APARÊNCIA
Cicia
a voz de longe mansa,
A
maravilhas consentida
A
flama alegre, a flor da vida,
Na
longa sombra da lembrança.
Murmúreo
tom de oferta e prece
Pergunta
menos que responde,
Ânsia
de ser! desvaires! – onde
A
distância desaparece…
Já
no azul da ausência divina,
Prêmio
dos Céus, que vem disperso
Para
certeza do universo,
A
cor do tempo se ilumina.
Um
sol, meu sol de sonho, invade
O
instante… Foge a noite escura;
O
espaço, inútil conjectura,
Se
perde nesta claridade.
Ó
tu, potência possessiva,
Memória!
a que secreto e fundo
Abismo,
origem, nuvem, mundo,
Ao
vivo levas por que viva?
Somos
de novo! A alma surpresa
Haure
a harmonia da presença
De
quem por palavras compensa
O
que não pôde fortaleza…
As
palavras guardam consigo
A
adolescência luminosa…
(Que
bem guardais, conchas de tosa,
O
ser sutil do mar antigo!)
Animam-se
nossos semblantes,
Rimos
o riso sem passado,
Mútuo
segredo irrevelado
A
dois desejos ignorantes.
Soma
de graças indivisa,
Perfaz-lhe
o gesto, no começo
Do
mundo novo, onde amanheço,
A
pura imagem que improvisa.
Seus
olhos de água transparente
Retardam,
seus olhos lunares,
A
luz bebida a verdes mares
–
Água que sonha livremente.
Os
pensamentos nunca ditos,
Oh!
Primavera da linguagem!
Florescem
duplos na miragem
Dos
olhos verdes… Infinitos!…
Concerta
a Sombra invisos laços…
Foge
à vontade o ser diverso,
A
alma se abrasa… – Arde o universo
Em
que procedem nossos passos!
Iguais
nos vêm sopros maninhos,
Estéreis
ventos da altitude:
É
dúbia a luz que nos ilude,
São
novos outros os caminhos.
–
Alma! esta sede continua,
Que
foi cruel, tornada insonte,
À
procura da mesma fonte,
Imagem,
nome, essência nua!
Mas
a alma austera, que viu morta
A
manhã, desce ao fim do dia:
Lembrança
lhe abre a cada fria…
Entra…
– silêncio fecha a porta.
MAGIA
Rubro riso amante
Brilha
Súbita centelha,
Jóia no ar, diamante,
Borboleta
de um instante,
O
Sol numa asa vermelha!
AR
DA FLORESTA NOTURNA
Sumida
sombra, secreta espessura
–
A noite em meio, ou lembrança do dia,
Selva!
selva abismal do tempo, escura,
Onde
a força renasce, que não dura,
E
fulge a imagem, forma fugidia:
Muda-se
o mudo momento em surpresa,
Ambíguo
pasmo, ao vir de outro momento…
Jamais
se muda a sutil incerteza,
Jamais!
Jamais! – porta de ouro defesa
Da
Fábula, que alerta um mundo isento.
O
perpassar de uma sombra ligeira
Corta
a noite, vai onde a noite a some…
Assim
perpassa a doce mensageira
Saudade,
que não sinta quem não queira,
E
a noite acorda a música de um nome!
Talvez
de novo a dileta presença,
Atando
enleios de amorosa trama,
Ora
tornasse, eterna amante infensa,
Para
fugir quando menos se pensa…
E
volta, e parte, e quer, e ilude, e chama!
E
chama! E vem de novo, como vinha,
A
meu desejo, adorada visita,
Perdida
para sempre, e mais vizinha,
A
minha toda bela, a minha minha,
Meu
bem! meu mal! minha amante infinita!
Ela,
e não ela, imagem dela ainda,
Certeza
dela, e divina conquista,
Veste
as rosas da noite, e vem, bem-vinda…
Florido
engano! E o doce engano finda,
E
se deflora sobre a imagem vista.
Bem
longe estais, meus tesouros de outrora
–
Carícias de sol, palores de lua,
Cúmplice
olhar ofertando o que implora,
Vermelho
riso esparzido na aurora
Da
paisagem de linho branca e nua!
Nomais
a mim, nomais de mim suponho
Rever-me
a ver renovar-se de opressa
Pena
de amor um tumulto risonho!
Na
sombra a Sombra desfez-se… Foi sonho,
Mal
acabou… – Novo sonho começa.
Como
se aspira a presença ignorada
De
uma flor – pura flama de mil vidas,
Que
tanto mais esparsa mais agrada,
Aqui
se ouve o silêncio. Ó tudo! ó nada!
Silêncio
– voz de harmonias perdidas!
Silêncio
– trama infinita do instante!
No
afastamento, onde a memória alcança,
Move-se
imensa tua vaga, avante,
Inunda,
vai, sorve a noite de amante,
Até
morrer na inconcessa lembrança…
Lembrança
inútil, silêncio indiviso!
Espelho
de arremedos e de mágoas!
Sepultou-se
na treva um paraíso,
Entre
duas águas negras… Treva! nem me aviso
Do
espírito que vaga sobre as águas.
Luz,
mas luz presa no abismo indistinto,
O
pensamento furta-me o que penso,
Outro
abismo… Atro abismo! – E cedo! e sinto,
Imagem
dupla de mim mesmo, o instinto,
Meu
ser de treva entre dois caos suspenso.
A
mão de leve se alonga, palpita,
Procede
lenta no ar soturno e quedo,
Procura…
– Que procura a mão aflita?
Quem
guarda a sombra assombrosa onde habita
O
instante, imoto, eviterno segredo?
Não
sou? Não fui? – A unânime verdade
Se
faz ínvio jardim de ausência pura;
E
no aroma selvagem que as invade,
Gêmeas
fatais, a noite e a soledade
Respiram
sós de impossível doçura…
Respira
livre a noite sem destino,
Sem
limite… Respira, ignota e calma,
Respira
sobre um delírio divino,
Transmuta-se
em temor quando imagino,
E
a magia do Sol me extingue na alma!
Recresce
o caos… Onde a purpúrea argila
Se
turba, tombam as rosas que dantes
Frescas
sangravam da manhã tranqüila…
E
tomba a flor de sonho, que cintila
–
Ouro sutil das estrelas distantes!
Eu
cego! Eu só! E a negra plenitude
No
ausente espaço urde a surpresa enorme
De
um mundo esconso, ermo, repulso, rude…
Não
mente a noite, a mente não se ilude,
É
teu, minha alma, este mundo que dorme.
É
tua a noite, a voragem secreta,
Fora
do tempo, alheia ao tempo insonte,
E
as aves torvas do fundo sem meta
–
Lascívias idas, que a palavra inquieta,
Imagens,
nuvens de inviso horizonte:
É
tua a soledade em que te apagas,
Imane
mar de morte sonolento…
E
elas revoam de inauditas plagas,
Informes
– formas dissolutas, vagas,
Flutuantes
entre a noite e o pensamento.
Meu
pensamento – minha noite escura!
Desejos,
iras, penas, alegrias,
Foram
de novo insuspeita amargura
Se
foram mais que a sombra, que perdura
No
abismo das memórias erradias…
Dormi,
lembradas iras! Dormi, penas,
Desejos
baldos que nunca dormistes!
As
alegrias passaram apenas
Como
as furtivas mágoas mais serenas…
Dormi,
sombra! Dormi, fantasmas tristes!
AVENTURA
Erro
em céu marinho,
Asas
ao delírio lento,
Um
segue o caminho
Da
noite oculta – Sozinho,
Não
te percas, pensamento.
NARCISO
A
Carlos Drummond de Andrade
Lume
no céu sozinho,
Longe
lembrança brilha
À
vária maravilha
Do
tempo sem caminho:
Brilha!
rosal do poente
Sobre
a noturna borda
De
outro universo… Acorda
A
Noite confidente!
Entre
inquieto e risonho,
Um
desejo procura
Guardar-se
na aventura…
Nem
presença nem sonho,
Vaga
suspeita, assombra
Até
as plagas onde
A
sábia Noite esconde
O
que não sabe a sombra.
Plenitude
vazia!
Ausência
possessiva!
(De
suave e nova esquiva
Minha
melancolia…)
Pesa
– torpor profundo!
Luz
– oscilante opala!
É
dúvida, e se cala,
Negrura,
e mura o mundo!
Os
véus do ubíquo instante
Cerram-se
por teus dedos,
Noite!
mãe dos segredos,
Secreta
e vigilante;
Perdidos
sóis sem nome
Passam…
Fulvo asterismo,
Abismo
atrás de abismo,
Onde
a treva os consome!
Grito…
Nem sou quem grito!
Ando…
Nem sinto o espaço
Em
que tenteio o passo,
À
margem do Infinito!
Salto…
Um salto na treva,
Precípite
fugida!
–
Ou vida, ou morte havida
a
mau temor, me leva…
Ignora
o que abandono,
Libro-me
livre… Altura!
O
vôo prefigura
A
rubra flor do sono,
Ó
Simultaneidade,
Rosto
vivo de tudo,
Espelho
fundo, e mudo,
E
múltipla unidade!
Vou-me
após mim… Deslizo!
Piso
a planície nua,
Que
a penumbra atenua,
Ondulante
improviso
Deslizo!
Cada cousa
Confunde-se
por arte
Em
tudo o mais, comparte
A
sombra, que repousa,
A
sombra silenciosa
De
implícito segredo,
Que
por encanto o quedo
Espaço
aberto esposa,.
E
atenta indiferença
O
abismo! – e conjectura
A
consonância pura
De
tácita presença…
Presença
misteriosa
Que
apenas se presume!
Idéia
no ar – perfume
De
pressentida rosa!
–
Uma esperança morta
Acaso
renovada?
Uma
alma separada
Por
invisível porta?
Noite
– desejo isento!
Quem
rompe a ausência morna?
Quem
vem como quem torna
Ao
mesmo pensamento?
É
tua esta visita?
–
Ora, a Sibila cega,
dona
das Sombras, nega
a
fórmula interdita…
Nega?
Mudez somente!
Contra
a palavra presa,
A
anônima certeza
Outro
idioma consente,
Um
canto! – e desassombra
A
terra, e corre pelas
Estradas
das estrelas,
Divide,
elide a sombra!…
Diversamente
insonte
Enleva-me
um tumulto,
E
já meu drama oculto
Mostra
na própria fonte.
Eu
nele, indefinido,
Sou
um! sou dois! – componho
O
sonhador e o sonho,
Que
anima um só sentido…
Paragens
deslumbradas,
Mil
movimentos fundos,
Cores
fugaces, mundos
Perfeitos
de meus nadas,
Omnímodas
conquistas…
–
Por simultâneo instinto,
Sou
o que as vejo e sinto,
E
sou as coisas vistas!
Magia
do desejo
Que
teme ser e sobra?
Minha
alma se desdobra,
O
mesmo e outro me vejo!
Secai,
fontes monteses,
Espelhos
de onda mansa!
Sou
dois num sem mudança,
Uno
e dós duas vezes!…
A
imóvel claridade
Treme!
– diáfana trama
De
ouro, e se rasga, inflama…
Um
novo ser a invade,
Vertiginoso
Amante
Que
ao seio nu enleia
Com
dúplice cadeia
Os
vórtices do instante!
Oh!
Malícia!… Ilumina
Um
vislumbre modesto
A
surpresa do gesto:
Ri-me
a forma divina!
Ri-me…
ou rio-me? O riso
Lucila,
trila, anula
O
inefável… Modula:
–
Narciso! Diz: Narciso!
Meu
desvaire consciente!
A
aparência jocunda
Em
delícias me inunda,
Fora
a vontade ausente…
–
Fugi-me, sombra impura,
Minha
longa mentira:
Um
deus aqui respira,
Não
simples criatura!
Corpo
de essência eleita!
Novo
divino estado!
Narciso
arrebatado,
Forma
dos Céus aceita,
Que
por bela persuade
Aos
deuses como sua,
Bebo
na fonte nua
A
fatal divindade!
SOL
POSTO
Montanha abrasada!
Ocidente
onde me ponho!
Perdi-me por nada…
Inflama-se
a alma ignorada,
No
ocaso – incêndio de um sonho.
O
OUTRO
A
Órris Soares
Na
sombra verde caminha
O
ser que diversa o Dia,
Ao
tempo dada sozinha
A
presença fugidia:
–
Eu sou! Perpétuo motivo,
Acaso
nominativo…
Dentro
no silêncio antigo
De
resguardos insuspeitos,
Movem-se
as coisas comigo
Para
imprevistos efeitos.
Ide,
negligência ignava!
Tornai-vos,
raios proscritos,
Que
a Treva muda guardava…
(Seus
erros são meus delitos!)
Á
voz primeira que chama,
Aroma,
som, gosto, flama,
Pressa
e prazer da partida,
Maior
intento preponho,
Enquanto
a alma comovida
Sai
do sonho, entra no sonho…
Entra
na virtude estranha
De
outro círculo celeste!
Um
sol invisível banha
A
ausência nívea que a veste.
Tanta
candura receia
Os
fios finos da teia
Que
dissimula esta aurora
Como
divina cilada:
Tenta
graça ingênua ignora
A
certeza inesperada.
Sol
real, certeza rosa!
Evidência
nova e nua!
Fazes
a alma numerosa,
Minha
menos e mais tua.
Ei-la!
E se anima, e se evade
Na
pura mobilidade
Do
encantamento improviso;
Já,
timidamente mudo,
O
mudo inquieto sorriso
A
tudo luz – teme a tudo!
A
claridade cadente,
Ouro
de secretas provas,
Acende
propiciamente
A
nudez em formas novas;
Toda
nuvem se descerra,
Sendal
cúmplice da terra,
Entre
resposta e promessa,
Quando
o sonho um leito alfombra,
E
a Árvore, ávida, remessa
Aos
Céus um corpo de sombra.
O
deus sem causa partilha
Seu
Dom simultâneo – assume
A
composta maravilha
De
canto, cor, e perfume!
A
alma lhe escuta a linguagem,
Vozes
verdes na folhagem,
Vertigem
no ar dissoluto…
Vinga
a flor – sangue sobejo,
Na
antecedência do fruto
Que
a boca toma ao desejo!
Eflúvios
soltos ao vento,
Delícias
dadas aos dedos:
Provados
por pensamento!
Sabidas
como segredos!
Sob
a riqueza do pomo,
Vivo
de frescura como
De
luminosa mentira,
A
Árvore canta fervente,
Vibra,
se volve, se mira,
Determinativamente!
Ata-se
na infinidade
A
cadeia lene e leve,
Prende
os Céus! prende a vontade
–
Origem branca de neve,
princípio
de que saíste,
forma!
– nem grave nem triste,
fruto
rubro que bem sabe,
polpa
e deleite contidos,
sabor
dos cinco sentidos,
mar
que neste sede cabe!
Toda
a luz se vela ao jogo
Das
cores solta… Simula
Em
raias de bruma e fogo
O
mar grande, a terra nula,
O
abismo… – No abismo dança
O
ator sutil da mudança!
E
por contraste ou por graça
Contra
as distâncias terrenas,
Um
mundo murmura, e passa…
Palavra
soprada apenas!
Sopro
do silêncio antigo!
Suma
indivisa! – Parece
Ressonância
do que digo,
Noutro
sonho, que anoitece…
Aqui
– noturno convite,
Aqui
– a sombra limite,
Aqui
– a margem tranqüila,
O
fim – no delírio espesso,
Onde
o Impermanente oscila
Em
perpétuo recomeço.
Outro,
o Outro! – nume ou duende,
Monotonamente
certo,
Confunde
o gesto que acende
A
miragem no Deserto…
Fatalidade
da Treva!
Tira
ao sonho, ao sono leva,
Surpresa
do jogo insano
E
aparência devolvida…
–
A boca morde no engano,
Fruto
da Árvore da Vida!
Tal
na adormecida opala
De
entrelembrados orientes,
Essência
inerte, resvala
O
ser das formas presentes:
Absorta,
represa, amante,
A
alma se perde no instante
Nem
passado nem futuro
Da
corrente que a circunda,
Rosto
alheio, olhar no escuro,
Sobre
a sombra da água funda.
A
PRESENÇA
Plena
de presciência amante
A
sombra se abre, silenciosa,
Tal
a primícia de uma rosa
À
volúpia de ser do instante…
Sutil
Presença conivente!
Enquanto
a Noite dorme fora…
(Esfinge
– Síntese preclara!
Seu
duro enigma desespera
Como
se aparta, guarda austera,
No
impenetrável que a separa!)
Prêmio
presente, encanto mudo,
O
fundo espaço ignora-se, onde
Silêncio
lúcido responde
À
calma distância de tudo.
Abismo,
dorme; e, no ato impune,
Une
o sigilo ao silêncio – une
A
lenta dúvida de lentos
Modos,
que tende ao que rejeita,
Quer
e desquer, e insatisfeita
Esperta
meus esquecimentos.
Volta
a lembrança, flor de um dia,
Renovo
de vernal visita:
Espalha-se,
onde indefinita,
Presença!
– ausência fugidia…
Livre
ao delírio da promessa,
Que
altera tudo, e recomeça
O
iluso jogo de inventivas,
A
alma se lança ardente – evade
A
vária Possibilidade,
As
condições limitativas!
Humilde,
intento graça… Intento
Mercê
de dádivas serenas!
Venho
de longe, a treva apenas
Faz
companhia ao pensamento…
(Companheiro!
de que desgostas?
Há
perguntas, não há respostas…
Nem
do mais sabe amor sobejo,
–
Engano de ligeiros passos,
O
claro engano de dois braços
Estendidos
para o desejo!)
Um
só murmúrio reprimido
Entra
o segredo escuro… Soa,
Suspira,
sobe, ingênua loa,
À
esparsa imagem sem sentido!
–
Pausa, minha alma! pausa, pausa
O
curso das formas sem causa!
Nenhuma
voz me ensina a prece
Que
move os Céus, nem adivinho
A
trilha oblíqua do caminho
Que
a inteligência não conhece!
Oh!
Deslumbrante nova, cedo
Esplende
a luz como se fora
Um
favor de alva precursora…
Acorda
a Noite e seu segredo!
O
ouro das graves altitudes
Desce
– reveste em baixo os rudes
Contrastes
da terra amorosa…
Riqueza
de manhã diversa!
Olor
floral que a luz dispersa!
Rosas!
Miragem cor-de-rosa!
O
enleio dos vales, risonho,
Abraçado
aos seios dos montes,
Calma
o correr de incautas fontes,
Aonde
vêm beber os sonhos…
Oh!
Recesso verde das aves!
Retiros
e penumbras suaves!
A
rosa mais rosa se inclina
Acima
da água – e de improviso,
Pendor,
pudor, desfolha um riso,
E
o riso irisa a água divina!
Riso
de sol, boca vermelha,
Promete
um beijo, acena, passa…
Perdido
mel! Perdida taça!
Que
há-de beber a inquieta abelha?
Ainda
ardente o ser discorde
Oscila
à sede que o remorde,
Sede
fatal, minha inimiga,
Meu
destino e glória funesta!
Um
tesouro desfez-se… Resta
Somente
a confidência antiga.
Será
teu suplício vindouro,
Alma!
a nostálgica moldura
Sem
luz, sem a Presença pura
Que
ria numa nuvem de ouro.
Tornada
a sombra, escura vaga,
Derrama-se
infinita, apaga
Meus
pensamentos impedidos:
A
alegoria antes eleita
Se
nubla e turba de suspeita,
Ao
sortilégio dos sentidos.
Sozinha,
uma aparência dança:
Dança
a Noite, forma surpresa,
Desvaira!
devora a certeza,
Que
se vestia de esperança.
A
murmurante onda sombria
De
lenta atenta sinfonia
Leva
os pensares que abandono
Por
dissonância antecipada
–
Maravilhas voltas ao nada,
À
margem noturna do sono!
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