28
de maio de 2001
LITERATURA
Um poeta e um livro a serem devorados
REYNALDO JARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sistematicamente os editores se negam a publicar livros de poemas.
Não vendem, dizem eles com inteira razão.
Nesse panorama de parcos compradores, "Só Uma Palavra me Devora"
tem o mérito de tentar a conquista de um público mais numeroso,
não só para ele, mas para o mercado editorial.
Mário de Andrade
Abel Silva dá dois passos à frente escrevendo textos-canções
de fácil assimilação e recua um passo retomando a
experiência modernista de 22. Recebe lições principalmente
de Mário de Andrade, de quem, presumo, deve continuar sendo persistente
leitor. Ele quer pegar o fio da meada que foi emaranhada pela poesia hermética,
pelo subjetivismo romântico e contemplativo ainda vigente e pelos
experimentos concretistas.
Sendo um artesão competente e criativo do verso, faz o texto
fluir, longe das emoções baratas, mas muito próximo
de um cotidiano carregado, sem transbordamentos, de uma amorosidade inteligente,
crítica, bem-humorada, sem levar muito a sério a condenação
de lugares-comuns que condensam a sabedoria popular.
Não bajula o eruditismo, rejeitando-o em nome de uma cultura
assimilada, portanto lúcida. Jamais um exibicionista de preciosidades,
revela alguns jogos léxicos cheios de surpresa e minimalistas invenções.
Procure-os .
Aval
O poeta tem o aval de escritores famigerados como Ana Maria Machado,
Ziraldo, Drummond, Heloisa Buarque de Holanda e do cineasta Glauber Rocha.
É parceiro, na música popular, de Sueli Costa, Menescal,
João Donato e outros. Suas letras ganharam as vozes de Gal, Simone,
Bethania, Leila Pinheiro, Nana Caymi, Elis e Nara Leão. Já
ganhou dois prêmios Sharp.
Todo esse profundo e longo mergulho no cancioneiro popular contribuiu
para que tente agora colocar na prateleira dos melhores autores da literatura
contemporânea essa antologia que nos entrega com o selo respeitado
da Record.
O projeto gráfico, do papel aos tipos, é rigorosamente
correto, mostrando a competência de Regina Ferraz. A capa de Claúdio
Tozzi é chamativa e não esconde o objetivo de atrair o público
conquistado na incursão musical.
Quem exige dos poetas uma alta voltagem inventiva, quebra dos padrões
coloquiais, abolição da fluência e corte de qualquer
lirismo vai encontrar nesse "Só Uma Palavra me Devora" farto material
para uma crítica impiedosa. O mais certo é que livro e autor
sejam ignorados pelos senhores da vanguarda.
Paixão
Cerca de 30 anos de dedicação à literatura e à
música merecem mais que um simples registro, principalmente porque
a longa jornada foi marcada pela aproximação sempre intensa
com o sentimento passional brasileiro.
Tudo indica que a antologia de Abel Silva conquistará posição
de destaque na lista dos mais vendidos.
Reynaldo Jardim é poeta e jornalista
Só Uma Palavra me Devora - Poesia
Reunida e Inéditos
Autor: Abel Silva
Editora: Record
Quanto: R$ 28 (252 págs.) |