Antônio Brasileiro


Tempo

1. Canto porque em mim brotam quarenta mundos. Quero cantar. 2. Cantar os hímens rotos? os amigos mortos? Cantar o suor do rosto? a dor nos rins? o imposto de renda? a conta da luz? Não, não cantarei as dores que não sofri. Cheguei, irmãos, para cantar os cantos que sei. 3. Sei do tédio, sei da mágoa, sei de algum remorso esparso; sei da difícil amada, sei de meus olhos, meus braços. Mas por demais me cant(s)ei: agora busco outros cantos. 4. Não cantarei os Andes de Neruda, não cantarei Espanha de Picasso, África de Cesaire, Pernambuco de João Cabral de Melo Neto. Nem China, vasto amor de Mao, nem Itabira. (Em boas mãos prossigam) Cantar os tempos presentes — estes áridos tempos — eu cantarei. 5. Vietnã, teu nome jazerá escrito a ferro e pétalas. Nós venceremos, Vietnã. Congo, não foi em vão o grito de Patrice. Nós venceremos, Congo. San Domingos Havana Bogotá Buenos Aires Brasília: nós venceremos! Venceremos porque na pele sentimos — demais — vergastas. Duras vergastas na carne, na sombra que se projeta. Duras vergastas na cara. 6. E após meu canto, escutarei apenas — como se escuta passar o vento — o amor brotando das palmas de nossas mãos. Escutemos!!


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