Alberto da Costa e Silva

O Parque
       
 
O tempo a fonte estanca e o torso apaga. 
Este de formas puras de pedra, quase carne,  
despojado de ternura e de tristeza, imóvel 

entre as sombras das árvores e o silêncio,  
o fluir das águas frescas da fonte tão próxima 
e a doce transfiguração da noite em morte.  

Nas antigas lajes os passos dos meninos 
gravados no passado remoto e, bem marcado, 
o trotar dos burricos que flores carregavam. 

As águas correm e, contudo, permanecem.  
Quantas palavras não guardaram as cousas! 
Quantos gestos nas pedras se perderam?  

Os cântaros jamais recolherão as águas 
pelas outras fontes abandonadas como 
esquecemos um pouco de nós por toda parte.  

Este rumor tão distante e tão próximo 
que as nossas mãos acariciam, cuidadosas, 
é o mesmo fluir do chafariz antigo, 

o mesmo soluço nos recantos de sombra 
do inviolável jardim, a mesma chegada 
infantil das bicicletas nos domingos brancos.  

A fonte, embora o tempo exista, existe 
ainda e, embora seca, o seu rumor ouvimos, 
tão distinto, tão perfeito, tão diverso. 

Antes que o tempo estanque a vida, antes 
que o torso antigo, calmo e puro como  
as lajes de um templo lavadas de prece, 

seja apenas um bloco desfigurado e efêmero 
de pedra, apagado pela chuva e pela brisa, 
sem sopro algum de inocência ou pensamento, 

acenderemos a memória e, na calma das luzes,  
descobriremos um homem sobre a fonte reclinado,  
o punho sustentando uma feia cabeça.

 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  19  de  Agosto  de  1998