Alberto da Costa e Silva

Paisagem de Amarante
                            
                                      
                                                        "Mas da lã fina e seda diferente..."
                                                          CAMÕES: Os Lusíadas, Canto IX.
 
 
            E fomos para onde a relva era ainda de um verde 
acastanhado e havia babaçus e um regato 
magro como os bois que levávamos, 
                                                                     onde 
o florido algodão depois plantamos. 
            Ela vinha, 
e não usava bandós, nem tranças de sereia 
dessas gravuras de mau talho, 
que recebemos de longe, 
de Lisboa, talvez. Também não tinha 
a blusa de unicórnios e de heráldicas feras,  
nem rosas e corações no vermelho do linho. 
            Trazia um pássaro inventado 
no lábio inferior. 
            Sem saias e anáguas, 
pintada de vermelho e jenipapo, 
andava como a nhambuzinha, 
apressada e sensível.             

             
Sofreei o cavalo.  
O céu rumo ao sol, 
na tarde perseguida pelo tempo da ceia, 
da gaita e dos lençóis. 
            Pôs-se a correr. 
Viu-me! — bradei, e os companheiros, 
com os laços derramados 
no vento do galope, 
fugimos atrás dela. 
                                    Arataiá! 
                                                  Oh!  Assim nunca 
o breve tempo surja de tua formosura! 
            Volveu o rosto, 
"banhada em riso e alegria", 
alagada de lua,  
do vinho da claridade. 
  

            E, hoje, nesta casa de Amarante, 
senta-se à janela, na aragem do sol, 
convive com os bilros,  
borda, de olhar melancólico, 
flores domesticadas 
e paisagens com bois 
            ( o mel ao sol desses dorsos curraleiros, 
            a azulega noite estrelada, as hastes sossegadas 
            do capim alto que vamos apartando 
            no rumo das águas, os buritis, os pássaros 
            da beira-rio, as vacas amojadas, 
            a boiada de que fui velame ou quilha, 
            berrante à boca, ouvindo, misturados, 
            mugido e aboio). 

                         
            Eu lacei-a , parada, 
o odor de pequi, a terra ganha. 

            Em nossa volta, o capim ensolarado. 
O    P i a u h y. 
                                    O plenilúnio das garças. 
Este cantar de bugres 
para o seu ventre: Ó mulher feliz, 
quem fez em ti filho bonito como o sol, 
cheiroso como a flor? 

            Daridari, 
nua, 
à garupa do cavalo. 
Levava um corpo de quem espero a alma.  

             
E, hoje, nesta casa de Amarante, 
cata-me os piolhos do cabelo e da barba, 
trinca as lêndeas nos dentes, 
enquanrto deito a cabeça no seu púbis depilado. 
Fala aos meninos, que saltam 
das pranchas para o rio, 
sobre a ordem de viver numa casa desleixada,  
sobre a ordem de seu coração dividido 
entre a maloca dos solteiros 
e a rede para onde a trouxe, por amor e por caça, 
e onde, hoje,  
cantarola baixinho:  
            Kunhã nty 
            osasy uá! auá taá 
            omunhã ndé resé memby ipuranga 
            Uarasy iaué, sakuéba putyra iaué? 
                                                                                 Fui eu.

 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  25  de  Agosto  de  1998