Como era o odor dos rosmaninhos?
De alimpo mato, talvez.
Do lagar e das pipas
de vinho nos malhaes.
De broa e caldo grosso.
Das tulhas para o milho.
Ou do Minho.
Talvez do aconchego da fuligem,
na casa negra de luz e cerco ardente
do frio, onde esperávamos.
Talvez
da cama limpa, onde fomos gente.
Eu cavei e podei, de rosto baixo
como o burro ou o boi, só mais faminto,
cheio de frio chuvoso, a rastros, todo
banhado em terra
e em urina podre.
O funcho, a mangerona, a erva-doce,
que chamamos de anis, quase os esqueço,
esses nomes e as hastes de onde vinham,
perto da breve janela.
Ai, não me esquece:
abria o dia com estas mãos que vês
tão marcadas do chão e da madeira
que lascava no eido.
O boi, então,
só faltava comer na nossa mesa.
Ao borralho, as castanhas tu assavas...
O vento, o lume ou um madrugar no ventre
fez-me indagar (a tua mão suspensa
sobre o vaso de água-pé), o riso em mágoa:
"E os miúdos, se vêm?"
E, assim, largamo-nos
para o Porto, rumo ao mar. Velas, o medo,
o enjôo e o galope vagaroso
de um céu que clareava.
"Não temas, ó Maria"
(ou por Ana me chamavam?),
disseste, "não te ponhas pequenina".
Não te falei na morte. Só pensava
na tijela do caldo, onde boiavam
a couve,
o calor
e a batata.
Neste país sem orvalho, os nossos pés
rasgamos ainda mais no solo quente.
Passamos fome.
Roubamos
gado e terras.
Crucificamos
escravos,
e por isso nos lembram.
Vi, uma vez, o talco azulado das garças.
O arco das avoantes. O curimã nadando.
Tonto de passarinhagem e mormaço, o menino,
enquanto o cego de pedir, a quem guiava, a farinha
comia à sombra, o menino
cheio de aves nos olhos.
"Dou-lhes comida e cavalo, venham comigo!
Venham!"
E saímos a galope
como os reis antigos,
a falconear os bezerros e as vacas prenhas,
com poetas e jograis, a rabeca na sela
do cego, e os jagunços de cabelos em cachos.
Lembro-me bem do menino
que rapazola, sangraram.
( Haverá talvez um neto, ou um bisneto,
que não pense em mim a fazer rendas,
mas a cavalo, ao peito as cartucheiras
e o rifle na mão, com que atirava
sem apoiá-lo no ombro e a galope.
Este verá, na herança da lepra,
do rim corrompido e da tísica,
da prisão, da viagem e do querer amoroso,
que, atrás deste rosto corado e sem rugas,
deste olhar azul e destes seios gordos,
sonhei o latifúndio, o espaço, o amplo céu
que vim também fundar no outro lado da terra,
longe do que antes amei,
o melro, a canafístula, a tília, os casalinhos,
o verde gaio, o Ausente.) |