Rente à terra, o meu céu,
qual rês ajoelhada,
menino a vigiar, de bruços, a arapuca
e as aves que alçam vôo das crinas dos cavalos,
mão que toca outra mão,
ou muro esfarinhado
que desce com o calangro e onde o sol
faz abrir a plumagem.
(Fui menino demais e sofri como os outros,
os que levam, descalços, seus burricos com água,
pouca esperança, farinha, rapadura e a tarde,
com tudo o que volta
— os bezerros,
os focinhos molhados dos bois
e os lacrimosos carneiros.)
O meu azul não se despenca no alto:
é feito de ramagens.
Foi sempre a sombra, no ar, desta chapada
vista de longe, no longe das boiadas,
e onde colho anualmente o solo,
para gastar de mim o meu branco excessivo
— cabelos, barbas, terno
de linho ou caroá e este sorriso
que entrançou as rugas no menino,
pois foi-me a vida
sempre a carne no amor.
Nos meus olhos, o feno de outros olhos
— do meu avô, já quase centenário,
a vacilar no arnês, a olhar os rebanhos
e aquele ano, em Camocim: canaviais
brancos, qual lembranças de moinhos,
casas à beira-mar, leves, de onde
a brisa poda o sol. Assim, na sombra,
em que ela esconde a carne noiva e alma,
a rede lava o calor, no embalo das varandas:
gaiola que contém jardins (são aves),
cesto que deixasse ver, além das vergas,
braçadas de cravos, o poente das mangas,
o jenipapo, terra
à espera que a plantem.
(Ainda sei chorar pelas éguas sem parto
e volto, pelas tardes, de lavar os cavalos,
vejo a carne estrelada dos avós, em seu claro
exílio da linguagem, as finas lãs do gado
e a pênsil vacaria, onde o clarão dos pássaros
— chamado madrugada —
me acolhe em seus joelhos.)
Naquele ano, em Camocim. Junto à areia molhada,
os meninos mariscam.
Ela salta na praia, roseirais nos joelhos,
sobe a serrania e, ao descer do cavalo,
inunda, além do verde da horta e das jaqueiras,
a casa,
o sobradão,
com o forno, a tina e a bulhenta capoeira,
onde eu a vi, velhinha,
enluarada ao sol,
escama e vaga,
limpa e rara,
como se murmurasse: Vê, não é
a morte alegre?
Abre o meu avô a grande arca,
vinda também de Rouen, onde a família
caça, sustenta a mão rendada,
cria espaços e galgos.
De seu pequeno pedir, desses vinhedos,
memória e pensamento do que passa,
os seus olhos, que dormem no desterro,
refazem a luz de anil, a rede jovem
com potros sem arreios — ai! pobreza
da fala na celagem que se fecha.
(O que esperamos ver passar, destas sacadas,
quase sem desejar a eternidade,
vai-se fazendo em nós, cada vez mais,
ausência de suspiro e pranto, ausência
de noite, no convívio
do olhar com a claridade.
O tempo é bom e o céu, apenas isto:
o que roçamos com o corpo
e floresce nas aves.
Que importa o eterno às crinas dos cavalos
e aos seus cascos?) |