Alberto da Costa e Silva

A Um Filho que fez Dezoito Anos
 
                                             
 
Antônio,
os deuses pintam borboletas,
mas nós sabemos como
nos homens sonham
e sangram.

Existe o rio.
Existe o campo. Existem
papoulas e um céu que era cedo.
Existem o não, e a páscoa, e a noite obesa,
e o ócio furioso. O iluminado
gosto de febre e de ferida existe.
Existem o eterno e a sombra
de um céu fosco e deserto
sobre o quando o esquecemos.

Existem
veleiros e sonâmbulos, o dia,
as escamas do peixe, a alegria.
Existem a solidão — mergulho e assombro —
e o sonhares contigo.
A dor existe. 

 
..
 
Antônio, 
ensina-me a não ter medo
de caminhar acordado,
e a receber o açoite do êxtase.

Devolve-me o espanto
diante da iniquidade
e do rugir da fera.

Repõe em mim a força
de resistir à fadiga
de tanto céu e abismo.

Perdoa-me a tristeza,
como se fosses meu pai,
e não meu filho.
       Usciamo
a riveder le stelle.

 
...
 
Como um parceiro, Antônio, num segredo,
assim o corpo se vai vestindo de amor.
Assim o corpo se deita na tristeza.
Assim o tempo recolhe as flores, às braçadas.

Tudo é silêncio, pelo avesso. A vida
é uma velha cansada. A vida encobre
o sol.  
        Sempre foi pobre
a mão que traça este risco no dia,
este risco no escuro,
incompreensível e inútil
como levar um boi para pastar na praia.
 
(Mas os dedos da velha movem os bilros
e a luz voa.)

 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  28  de  Agosto  de  1998