Antônio,
os deuses pintam borboletas,
mas nós sabemos como
nos homens sonham
e sangram.
Existe o rio.
Existe o campo. Existem
papoulas e um céu que era cedo.
Existem o não, e a páscoa, e a noite obesa,
e o ócio furioso. O iluminado
gosto de febre e de ferida existe.
Existem o eterno e a sombra
de um céu fosco e deserto
sobre o quando o esquecemos.
Existem
veleiros e sonâmbulos, o dia,
as escamas do peixe, a alegria.
Existem a solidão — mergulho e assombro —
e o sonhares contigo.
A dor existe.
..
Antônio,
ensina-me a não ter medo
de caminhar acordado,
e a receber o açoite do êxtase.
Devolve-me o espanto
diante da iniquidade
e do rugir da fera.
Repõe em mim a força
de resistir à fadiga
de tanto céu e abismo.
Perdoa-me a tristeza,
como se fosses meu pai,
e não meu filho.
Usciamo
a riveder le stelle.
...
Como um parceiro, Antônio, num segredo,
assim o corpo se vai vestindo de amor.
Assim o corpo se deita na tristeza.
Assim o tempo recolhe as flores, às braçadas.
Tudo é silêncio, pelo avesso. A vida
é uma velha cansada. A vida encobre
o sol.
Sempre foi pobre
a mão que traça este risco no dia,
este risco no escuro,
incompreensível e inútil
como levar um boi para pastar na praia.
(Mas os dedos da velha movem os bilros
e a luz voa.) |