Há um outro menino
que ainda não corre nos jardins
mas já tem o meu nome.
Ele também passará
muitas vezes a vau
o milagre e o mistério
e o sonho trocará
por febre e movimento,
embora possa, um dia,
sentado na calçada,
reter também nas mãos
a vida, pequenina,
fraca, incerta, fugaz,
erva tímida, finda
tão logo a toca e a vê,
hora, brisa, avezinha
a bicar o capim,
entre ramagem e vôo.
Ele também sofrerá
o frio de ser sozinho
e puxará sobre o corpo
até ao queixo o amor.
E sentirá na pele
o que o sangue lhe reza,
a forma de morrer,
sendo linguagem e beijo.
Por agora, ele apenas
respira: o meu menino
nada sabe do bibe,
da cesta de merenda,
nem dos barcos embriagados e outros versos que ficam,
adolescentes, nos passos que damos para dentro
de nós, de nossas veias, nem das mãos que retocam
o amor na memória
— a moça recostada, entre sorriso e pranto,
no corrimão, a descer a escada das manhãs,
a mulher,
com seu coque grisalho, a amparar-se no alísio
cheio de laranjas,
ele e ela,
e tudo o que canta
nesta forma de abraço que é um roçar de dedos.
Não sabe do entardecer, o meu menino. Sabe
do orvalho? Entende a cantilena das flores nos jarros e nos pastos?
Ou apenas espera que a vida o vista de lembranças e lágrimas
e do esplendor do sol após a chuva
e lhe diga ao ouvido todas as palavras da carne que o sonho não
sacia,
mas que são asas e um bater de pulso que lembra a eternidade.
— Nada tenho a te dar. Empobrecido,
junto ao teu berço, peço ao inimigo
que te conceda o que me deu, o abrigo
do que em mim ninguém viu (ou viu somente
o que era sombra, búzio surdo e adeus):
o amplo espaço da pétala, o umbral
aberto para um céu sem morte — enfim,
a chegada à partida, o estar aqui
a olhar o mundo, tendo o mundo e o tempo
a florir sob as pálpebras, sentindo
o deserto estrelado, o mel vertido
no que foi um destino sem certeza
outra que a de ser homem. Peço. E vejo
tua infância no colo da beleza. |