Adolfo Casais Monteiro

Madrugada

Ah! Este poema das madrugadas, que há tanto tempo enrodilhado num sem-fim de estados de alma me obcecava, tirânico, sem se deixar fixar! ... Madrugada... e esta solidão crescendo, esta nostalgia maior, e maior, e maior, de não se sabe o quê — nunca se sabe o quê... que haverá nestas horas sozinhas e geladas, para assim trazer à tona as indefinidas mágoas, as saudades e as ânsias sem motivo — de que não sabemos o motivo?... Vieram as saudades do tempo de menino — ou dum paraíso lá não sei onde? Ah! que fantasmas pesaram sobre os ombros, que sombras desceram sobre os olhos, que tristeza maior fez maior o silêncio? A que vem esse calor distante e absorto, esse calar, esses modos distraídos? Meu pobre sonhador! a esta hora porventura se desvenda a Suprema Inutilidade? e a definitiva ilusão de tantos gestos? Interroga, interroga... vai sonhando, sem que saibas sequer o caminho que segues vai, distraído e pensativo, alheio de hoje, vivendo já o derradeiro segundo... Que a madrugada tem o pungir das agonias, mas alheio, como o fim dum pesadelo...


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