Afonso Duarte


Ex-voto da Paisagem
de Coimbra ao Pôr-do-Sol

Sangue de Inês, Coimbra, é o teu ex-voto. Ah, quem o crime estranha, a morte chora? Inês, ó miséria, teu nome invoco Ao rito da paisagem que o memora. Em teu perfil de magoada ausente Que Coimbra de lágrimas incensa, Teu sangue, à mártir, exilou em Poente, Doou-te o amor espiritual presença. Teu infortúnio, aos meus lábios, timbra, Sangüínea a golpes na hora do sol-pôr, Que aos outonais poentes de Coimbra O sol é em sacrifício do teu amor, E em teu lago, cismátíco paúl, Olho as nuvens do Céu cor de martírios: Anda tua Alma poluindo o Azul, Dorida luz viática de círios. E ao que esta luz fatídica delira E ao que a paisagem tem de insatisfeito, Com meus dedos em febre, as mãos na Lira, Soluçarei cuidados do teu peito. Teu vulto de "Mors-amor" recomponho Quando cai em delíquio a tarde exangue: — E é a paisagem minha Ágora de sonho , — E é o poente a Legenda do teu sangue. "Mors-amor", sinto! é a expressão do Outono Que vem dos choupos ao cair da folha! "Mors-amor", ouço! em ritos de abandono É o olor das pétalas que o vento esfolha! Desígnio de algum choupo ou cedro velho Quando o Sol abre o cálice vermelho Da imensa flor da tarde, eu sinto, eu sei! Oh!, mãos em holocausto, eu quero vê-los, Ao Poente, libando os teus cabelos, Como se fossem áulicos de El-Rei.


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