Afonso Duarte


O Medo das Sombras

Rondam sombras pelas telhas: Não é vento são andanças De bruxas! As bruxas velhas Chupam o sangue às crianças. A mãe dorme, a filha ao pé, Em casa de telha vã Onde nem há chaminé; E de interiores deserta É toda uma casa aberta A chuva e sol da manhã. E a filha diz para a mãe, Como a mãe responde à filha, Porque este drama não tem A mais do que mãe e filha: — Mãezinha, que é, que é? — Não luz vidro no soalho, Nem há lume de tição; Está a gatinha ao borralho. Oh! dorme, meu coração, Susto, filha, não te dê: A água do bebedouro Espelha luz que se vê. Longe vá o mau agouro, Benza-me a luz que nos olha: Quem não existe não é. O pucarinho de folha Lá está no mesmo pé. — Pela telha destelhada, Minha mãe, minha mãezinha, Voar negro de andorinha Com risos de gargalhada! — Água da bica, lá fora, Corre, corre, que se chora: Filha minha, não tens sede? — Como peixinhos na rede, Sombras, ó mãe, na parede! Não é nada não é nada: Buraco da fechadura, Em rosa de luz coada Será a luz da madrugada Que vem em nossa procura.


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