Álvaro Feijó


Nossa Senhora da Apresentação

O altar as vagas o dossel a espuma! Missas rezadas pelo vento, ora pelos fiéis defuntos que se foram noutras vagas. Ora pelas barcaças que, uma a uma, buscaram as sereias na distância e se foram com elas. Sobre o altar, entre círios, que não são os círios murchos das igrejas velhas mas o lume de estrelas, ELA, Nossa Senhora da Apresentação. Aquela que não tem mantos da cor do céu, nem fios d'oiro nos cabelos, nem anéis nos dedos; aquela que não traz um menino nos seus braços porque os seios mirraram e já não têm pão para lhe dar; aquela que tem o corpo negro e sujo e os ossos a saltar da pele e dos rasgões da saia e do corpete; Nossa Senhora da Apresentação da Beira-Mar, que tem capelas em cada peito de marinheiro, que morre e, num instante, se renova e que anda quer nos engaços do sargaceiro ou nas gamelas do pilado e palhabotes da Terra Nova. Aquela a quem todos adoram. Dos meninos feitos nos intervalos das campanhas, aos bichanos que limpam de cabeças e tripas de pescado as muralhas do cais. O dossel a espuma. O altar das vagas — e que altar enorme! — Entre círios de estrelas, Nossa Senhora da Apresentação e Justificação — a Fome!


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