Alexandre Forte
Crônica de um ex-estagiário
Era uma vez um coronel cheio de pulso. Aliás, só há falar-se em
coronel porque entre pulso e olhar, os ferros, os ferros da vontade.
E como latejam os tais ferros do querer coroneliano!
Pois, como dizia, era uma vez...O Coronel Internauta deparou-se
comigo na sala de aula dizendo uns impropérios, um sotaque bem
sertanejo, potiguar.
Depois descobri que o Coronel era Cantador. No sebo de Geraldo,
catei meus trocados e levei o livro para a faculdade:
- Poeta, reautografe!
Daí formamos uma espécie de dupla dinâmica, do riso, evidentemente,
nas aulas de Glauco Barreira Magalhães, professor de Hermenêutica -
vai ter nome difícil assim!
O nosso colega - e não menos poeta, recitador de Vinícius - Edson
Damasceno, aconselhou-me:
- O Coronel tem um escritório. Por que você não se candidata a um
estágio lá?
Não contei conversa. Nem o coronel é de muita conversa nesses
assuntos. Disse-me para ir na semana seguinte. E lá fiquei até a
formatura.
A mãe do Coronel - quando vi o retrato dela na parede, veio-me a
sensação de que estava diante de minha protetora - tinha escapado
gente muita da seca, principalmente, mas de mordida de cobra também.
Pois, bem. Na queda das Torres Gêmeas, era setembro do ano 1 - os
bombeiros! - escapou-me o Coronel da seca de todos os sete. A seca
do 77. O Coronel nunca soube - ou soube, mas calou. O Cantador
Dante, ele conhece - à entrada do Lugar Sombrio -, revelou uma
inscrição tenebrosa. Eis a seca de todos os sete.
O Coronel trouxe-me de volta à Esperança. Não pelo que fez, mas
pelos ferros do cantar glorioso: porque entre pulso e olhar...
É isso mesmo, Coronel. Latejam os ferros da vontade de um povo
íbero-luso-tupi-africano.
E não fora este verso, não teria sido aprendiz de Coronel.
Não...
O Coronel sabe.
Um dia o Coronel pediu-me para fotocopiar (será melhor, xerocar?,
que seja!) uma portaria que fora republicada no Diário Oficial do
dia 17 de janeiro do ano 2. Era sexta-feira. Não havia tal portaria
no Diário daquele dia. Encontrei-a no Diário do dia 18. Mas, não fiz
cópia. O Coronel só queria se fosse do dia 17. Na Segunda-feira
seguinte, tive uma idéia: passar na biblioteca para tirar cópia da
referida portaria republicada no dia 18. Dito e feito. Lá encontrei
a bibliotecária.
- O amor é o inesperado! Dissera ele uma vez.
O Coronel enganara-se com a data de republicação da portaria. Mas,
ora desconfio, estava ele de combinado com o Secretário da Receita,
o Sr. Everardo Maciel. Aquela portaria do Comitê Gestor do REFIS
fora publicada com erro, apenas para ensejar a republicação, para
que eu teimasse com o Coronel e fosse à Biblioteca, pela manhã,
encontrar com Ela. O Coronel, no casamento de sua filha com o
dinamarquês, fez-se padrinho do namoro. E a morena é minha esposa,
para todos os efeitos.
Tive muitas desavenças com o Coronel em tema de política. O Coronel
é positivista, a ponto de guardar o catecismo de Augusto Comte.
Adepto da Revolução. Coisa estrondosa! Que ora também sou. Ou
melhor, seria. Ocorre que nascido no ano 74 do passado século,
também fui formado na escola da esquerda festiva, à base de
caipirinha, cartilhas mexicanas e MPB. Sabe como é, aluno
secundarista, lá em Natal, logo onde, berço da Intentona.
Quiseram as fadas, os duendes, as cartomantes, as rezadeiras, que eu
aportasse em terras do Ceará. Fiz-me aprendiz de Coronel. Um dia
irei reclamar minha patente. Por enquanto, contento-me em fazer uma
cobrança. O coronel sabe da sina de Camões. Está a nos dever uma
cantoria, coisa de vate antigo, da Grécia e da Serra das Matas.
E pra finalizar, Coronel, sente-se bem na sua poltrona:
- O fotógrafo, o negrinho do abutre - que sua finada mãe escapou da
seca - e este Filósofo patenteado, somos a mesma e indistingüível
pessoa. A trindade severina. Porque o sertão está em toda parte,
dizia o Rosa, Guimarães.
Alexandre Forte, do país de Mossoró para a Fortaleza de Nossa
Senhora da Assunção, neste 19 de janeiro do ano 4.
Louvado seja o Esperado! No ano 10.000.
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