.
|
|
Augusto
Guilherme
Os exemplos mais eficientes e eficazes de reprodução da realidade aparecem com o advento do cinema moderno, principalmente aquele estabelecido na Europa do pós-guerra. Com a modernidade, o debate sobre a representação do real adquiriu contornos mais definidos. Voltemos um pouco no curso da história. A discussão quanto a ideologia realista do cinema é quase tão antiga quanto o próprio cinema. Na história do cinema clássico (o período de estabelecimento da linguagem cinematográfica, a partir do cineasta norte-americano David W. Griffith) até a modernidade do pós-guerra, a idéia de real, no filme de ficção, era basicamente transmitida pela montagem. Uma associação de planos que induzia a assimilação de uma ação contínua e que servia ao propósito de compreensão do todo, ou seja, de narrar uma história com começo, meio e fim. Esta linguagem é consagrada até hoje como a narrativa que possibilita o fácil entendimento por parte do espectador. Ao longo de décadas cuidou o cinema clássico, aquele dos estúdios de Hollywood, do aperfeiçoamento técnico, sempre com o objetivo de parecer o mais realista possível. Assim, todas as revoluções técnicas desde os primórdios (o cinema falado, a cor, as telas de grandes dimensões, o som direto e sincronizado etc.) sempre serviram, de alguma forma, a esse propósito. A forma auxilia o conteúdo na narrativa vendida às audiências. O objetivo principal era o de entreter narrando um real representado e o de formar mentes, através dos sentimentos e não da reflexão. Por sua vez, as platéias compravam ingressos, identificavam-se com o que assistiam, reproduziam comportamentos. O filósofo francês Gilles Deleuze sustentava que a representação do real, massificada pelo cinema clássico, estava bem longe da realidade.
O neo-realismo, ao mostrar uma Itália degradada pela Guerra, com personagens envolvidos em situações e conflitos desesperadores, incorporou progressos à discussão sobre a representação do real no cinema. A linguagem cinematográfica, descoberta com a montagem e os diversos planos fotográficos, foi enriquecida com o advento do plano-seqüência, marca do neo-realismo que determinou um reforço para a idéia de representação do real no cinema. Para além da questão formal, tão ressaltada por Bazin, o neo-realismo perpetrou sistematicamente, em sua primeira fase, os conteúdos sociais. A temática ocupa um espaço fundamental na discussão do real no cinema.
Quase todas as vanguardas estéticas do cinema atuaram em sentido contrário. Havia – e costuma haver – nos cinemas fora do circuito industrial/comercial – até mesmo em focos da produção independente norte-americana – uma preocupação mais adequada com a recriação do vivido. Uma preocupação com a fidelidade à idéia de vida real, pouco comum ao cinema produzido nos grandes estúdios de Hollywood, o sistema, ou mais popularmente o cinemão. Havia esta preocupação nos autores cinematográficos dos cinemas nascidos (ou consagrados) da escola moderna. Dessa tradição moderna nasceu no Brasil o cinema novo, assim como floresceram outros cinemas na América Latina e na Europa. O padrão estético deveria ser modificado para que finalmente tais cinematografias fossem reconhecidas criticamente. As motivações que moveram os cineastas do cinema novo foram várias – sobretudo ideológicas –, mas basicamente todas tendiam a desviar de um padrão estabelecido. Defendido ou criticado, o saldo (positivo) do movimento foi sobretudo de natureza estética. A partir do cinema novo, consolidou-se algo que poderia ser identificado como cinema brasileiro, com tudo o que há de bom e ruim em tal classificação. |
|