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Página atualizada em 07.09.1999
 
António Jacinto
Remetido por
Cristina Harumi Okabe Cavlak

Carta de um Contratado
 
 
    Eu queria escrever-te uma carta 
    amor 
    uma carta que disesse 
    deste anseio 
    de te ver 
    deste receio de te perder 
    deste mais que bem querer que sinto 
    deste mal indefinido que me persegue 
    desta saudade a que vivo todo entregue... 

    Eu queria escrever-te uma cara  
    amor 
    uma carta de confidências íntimas 
    uma carta de lembranças de ti 
    de ti 
    dos teus lábios vermelhos como tacula 
    dos teus cabelos negros como dilôa 
    dos teus olhos doces como macongue 
    dos teus seios duros como maboque 
    do teu andar de onça 
    e dos teus carinhos 
    que maiores não encontrei por aí... 

    Eu queria escrever-te uma carta 
    amor 
    que recordasse nossos dias na capôpa 
    nossas noites perdidas no capim 
    que recordasse a sombra que nos caía dos jambos 
    o luar que se coava das palmeiras sem fim 
    que recordasse a loucura 
    da nossa paixão 
    e a amargura nossa separação... 

    Eu queria escrever-te uma carta 
    amor 
    que a não lesses sem suspirar 
    que a escondesses de papai Bombo 
    que a sonegasses a mamãe Kieza 
    que a relesses sem a frieza 
    do esquecimento 
    uma carta que em todo Kilombo 
    outra a ela não tivesse merecimento... 

    Eu queria escrever-te uma carta 
    amor 
    uma carta que te levasse o vento que passa 
    uma carta que os cajus e cafeeiros 
    que as hienas e palancas 
    que os jacarés e bagres 
    pudessem entender 
    para que se o vento a perdesse no caminho 
    os bichos e plantas 
    compadecidos de nosso pungente sofrer 
    de canto em canto 
    de lamento em lamento 
    de farfalhar em farfalhar 
    te levasse puras e quentes 
    as palavras ardentes 
    as palavras magoadas da minha carta 
    que eu queria escrever-te amor... 

    Eu queria escrever-te uma carta... 
    Mas ah meu amor, eu não sei compreender 
    por que é, por que é, por que é, meu bem  
    que tu não sabes ler 
    e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!

 
 

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