José Alcides
Pinto
Quem é Antônio Justa, o admirável poeta de "Ansiedade"
e o vitorioso romancista de "Lázaro"? Há 40 anos atrás
esta pergunta não precisava ser feita. Ele estava em plena efervescência
de sua criação ao lado de amigos intelectuais atuantes nas
letras. Agora porém o tempo passou. E como todos sabem, este país
não tem memória…
Claro que o homem do qual nos ocupamos agora não precisa da posteridade
para ser consagrado. Sua obra fala por si mesma: polígrafo, um dos
mais fecundos escritores de seu tempo: romancista, cronista, crítico
literário, teatrólogo e poeta, em todos esses gêneros
deixou impressa a marca de seu talento.
Não queremos ir além destes títulos, mas não
podemos excluir o grande conferencista que ele foi, ao lado do jornalista
polêmico e rebelde, ao tempo de sua juventude. Antônio Justa,
em acirradas campanhas políticas, saía em defesa dos injustiçados
e oprimidos. Seu sentimento cívico parecia ultrapassar toda a razão
humana.
Ele pertence à coorte de bravos, daqueles que abriram caminhos em
nossa história republicana, os chamados jornalistas da independência:
Januário da Cunha Barbosa, Quintino Bocaiúva, José
do Patrocínio, Frei Caneca, Joaquim Nabuco, Maciel Pinheiro e tantos
e tantos outros, incluindo o moço baiano Antônio de Castro
Alves, alma juvenil em chamas e amores se consumindo.
Corajoso e audaz, cuja pena ferina lembrava Gregório de Matos Guerra
e Agripino Grieco, seu grande amigo, para ficar por enquanto só
com esses dois vultos-marcos de nossa história literária.
A mordacidade de Voltaire, uma de suas paixões a vida inteira, aliada
à ironia eciana e machadiana, fizeram desse autor o preferido dos
leitores mais exigentes, tanto pela sagacidade de seu espírito retilíneo
quanto pela visão social presente em toda sua obra poética
e ficcional.
Considerado o ativista mais audacioso de sua época, quando residia
ainda no Maranhão, agitando a pacata urbe provinciana, berço
de castas donzelas de seios nervados ou de peles douradas pela luz dos
trópicos, passeando de guarda-chuva aberto pelas praças e
vielas onde Gonçalves Dias sonhava ouvir o canto do sabiá
nas esguias palmeiras de sua terra natal.
Pois bem: este cearense que veio à luz do mundo em 25 de fevereiro
de 1916, anda um tanto esquecido de seus contemporânos, morando embora
no coração do Rio de Janeiro, e seja o diretor de um órgão
literário dos mais importantes do país, a Revista da Academia
de Literatura, que desde 1935 jamais deixou de circular, reunindo as mais
expressivas figuras literárias, a cujos quadros pertencem intelectuais
ilustres como Leodegario A. de Azevedo Filho, crítico, poeta e filósofo
de conceito internacional, Armindo Pereira, Humberto Peregrino, Antônio
Carlos Villaça e outros nomes ilustres.
Antônio Justa continua o mesmo sonhador de sempre, fiel às
rimas e às metricas que elegeram os melhores poetas românticos
e parnasianos brasileiros.
Satírico como Voltaire, a que já nos reportamos acima, às
vezes lírico e social em sua poesia, recentemente reunida sob o
título de "Carmina Mea" (versos de ontem e hoje) por uma Editora
do Rio, com prefácio de J. E. Pizarro Drummond, que em bom tom transcreve
partes do poema "Panorama":
"Altas vozes da selva! Cristais de águas
Que falam pela voz das cachoeiras Emudeçam! Eu canto agora as mágoas
E os tormentos das almas brasileiras!"
O conceituado crítico e poeta maranhense, José Chagas, fala
de seu romance, "Praia do Desterro" com grande entusiasmo: "A história
que tem muito de autobiografia se desenrola dentro daquele período
em que se deram as greves contra a posse dee Eugênio Barros, o que
vale dizer, dentro de um clima carregado de todos os miasmas políticos,
onde imperavam as fraudes eleitorais, as perseguições, as
emboscadas, os incêndios, os enterros de pessoas vivas, São
Luís vivendo entre sangue e cinzas, deixando de ser a 'Atenas Brasileiras'
para ser uma desgraçada Roma cercada de Neros, por todos os lados."
Também Adonias Filho, Luiz da Câmara Cascudo, Othon Costa,
Rodrigues Crêspo, Carlos Maul, João Felício dos Santos,
criador de nosso romance histórico ("Carlota Joaquina"), Tobias
Pinheiro, Agenor Ribeiro, e ainda de cearenses de reconhecido valor como,
Caio Cid, Hermenegildo de Sá Cavalcante, Abdias Lima, Vasques Filho,
Frota Aguiar e Mont'Alverne Frota não pouparam elogios à
obra de Antônio Justa.Mas "Lázaro" é, inquestionavelmente,
o seu melhor livro de ficção, como "Ansiedade", o de poesia,
recebendo ambos ao tempo de sua publicação, os aplausos da
crítica nacional.
Sua obra oscila entre o bem e o mal, o sagrado e o profano, combinando
maldição e divindade. Essa tem sido a marca maior dos malditos
iluminados, como Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont e Augusto dos
Anjos, por exemplo.
A verdade é que nosso poeta é uma alma dilacerada pelo amor
os desígnios do mundo, como Dostoievski e Kafka, Camus e Unamuno.
Conhecedor da essência e das técnicas da linguagem clássica,
seus mestres vão de Dante a Milton, de Virgílio a Camões,
sem falar em Shakespeare e Homero, fonte de sabedoria e conhecimento -
matriz da ciência do saber demônio.
Poetas do porte de Paschoal Villaboim Filho, autor de "Canudos", livro
que se ombreia ao de Euclides da Cunha - poema único de 230 páginas,
e que se constitui uma verdadeira epopéia, refere-se a Antônio
Justa com exaltação, destacando-lhe as metáfora arrojadas,
o estilo grandiloqüente, as onomatopéias e sinestesias, além
das perífrases, encontradas, segundo o crítico Geraldo Menezes,
também (e sobretudo) no poema-livro de Villaboim, eminente poeta
e matemático, conhecido em todo o mundo.
Este homem, repito, não quis ser "um moderno", sendo-o, embora,
em certas circunstâncias, pelo áureo sopro renovador de sua
poesia.
Em síntese, Antônio Justa não precisou, como Camões,
invocar as Tágides, pedindo-lhes um som alto e sublimado para inspiração
de seus poemas. Ele nasceu poeta, poeta vocacional, dom que Deus lhe Deus
e Diabo algum pode tirar.
Não poderíamos, não obstante, encerrar estas notas,
sem antes mostrar o depoimento de dois intelectuais de sua geração
no Ceará, Carlos Cavalcante (Caio Cid), o primoroso poeta de "Aleuda",
e Abdias Lima, o crítico mais sensível e atuante das letras
alencarinas. Diz Caio Cid: "Antônio Justa não lembra qualquer
escola que lhe prejudique a originalidade. Situa-se - conclusão
minha - entre o parnasianismo já avançado na idéia
e na forma e o modernismo ainda comedido."
Mas quem melhor iria definir a poesia de Antônio Justa, seria mesmo
Abdias Lima: "Tanto nas poesias cívicas como nas líricas,
Antônio Justa revela possuir enormes reservas de sensibilidade. Paisagista
admirável, 'Praia de Iracema', por exemplo, é um soneto que
vem doirar mais a nossa antologia iracemista… Poeta e idealista, Antônio
Justa com 'Ansiedade' veio aumentar a beleza existente na terra…"
"O Tempo", seu último soneto, é uma verdadeira obra-prima.
Só um poeta como Bilac ou Cruz e Sousa poderiam escrevê-lo.
Transcrevemo-lo na íntegra para gáudio de todos. |