Alberico Carneiro


As Damas Negras em Noite de Núpcias

1 talvez um poema seja simples sobra de palavras impronunciadas por pessoas na inútil Babel da fala mas impressas como em tábuas da sarça do Verbo em chamas nessa partida de Damas Negras em Noite de Núpcias que num lance de dados e de dedos o acaso não abolirá 2 talvez um poema seja simples poeira de palavras projetadas de pessoas imprimidas como trevas bem no coração da névoa que acaso num lance de dedos e dados como silhuetas que se projetam como penumbra esfumada que o acaso não abolirá 3 talvez um poema seja simples sombras de pessoas transformadas em palavras silhuetas tatuagendadas por invisíveis carimbos que explodem na claridade a pista de rastros e restos de cacos caos e resíduos do simulacro das lágrimas mumificadas em larvas de adeuses e últimos gestos salvo após o rescaldo em caligramas e símbolos que de súbito num lance de dedos e de dados o acaso não abolirá 4 talvez um poema seja simples escombros de palavras projetadas de pessoas balbuciados pedaços de silêncios e silícios de gritos amordaçados silenciosos ideogramas gritos dos olhos dos mudos barulho de dedos dos surdos o supertato dos cegos na visão dos surdomudos aprisionados em páginas imagens anônimas das almas mensagens psicografadas na comunhão dos sentidos que num lance de dados e de dedos o acaso não abolirá 5 talvez um poema seja simples sobra de palavras projeção de suas sombras ou o espectro de suas auras que da escassez ou da falta ingressam na noite e tombam no elíptico canto deságuam no despenhadeiro da ascensão que por um lance de dados e de dedos o acaso não abolirá 6 talvez um poema seja simples sobras de palavras impronunciadas por pessoas projetadas como sombras tatuagendadas na pele tangenciadas na neve com impressões digitais silhuetas que despreendem oscilam dos corpos e tombam num lance de dados e dedos que o acaso não abolirá 7 talvez um poema seja simples sobras de pessoas encantadas em palavras projetadas como sombras tatuagendadas incisões como impressões digitais de cicatrizes em ronda que se despreendem da pele oscilam dos corpos e tombam num lance de dedos e dados que o acaso não apagará 8 talvez um poema seja somente sombras de palavras pó que despreende dos corpos como poeira de estrelas que viola a gravidade do Cosmo e telescópios e foge de apelos celestes viaja a mil anos-luz e à noite poleniza as folhas em suas densas corolas e no coração das trevas inscreve-se em simples larva e deixa aí manuscrito todo o poema da Terra que nos charcos enfim enfloresce como num lance de dedos e de dados que o acaso não abolirá 9 talvez um poema assim seja simples como sombras de palavras simples silhuetas ímpares de simples pessoas pares anônimo canto dos párias que no caminho meio desta vida entre lances de dedos e de dados como as Damas súbitas da partida o acaso não abolirá talvez o poema assim seja

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