Entre
seus dedos macios os bilros atritam,
como
dardos de fogo crepitante;
voam
no espaço limitado, voltam velozes,
de
uma a outra mão domesticados.
Voam
e volteiam em ritmos iguais e sonoros
como
sons de uma harpa celestial:
enquanto
a mão prende um feixe de linha
a
outra retira e espeta o espinho na almofada.
E
os dedos trocam os bilros
num
vaivém de ritmos atroantes
e
é como se mãos de crianças se enredassem nos
desenhos
do estrado
que
a artesã-rendeira vai ao tempo bordando.
2.
Entre
seus dedos macios os bilros estalam
como
dardos de fogo queimam-me as veias.
E
a pobre anciã que os bilros atira,
de
uma a outra mão, não sabe que minha alma
é
crucificada pela canção que vai gemendo
—
uma canção de amor, mas de que época passada?
Triste
e murmurante como um gorjeio.
Não
obstante fazei (e desfazei) com vosso novelo de ouro
e
vossos bilros esse bordado claro como a lua,
alvo
como as varandas das nuvens que no céu pervagam.
Ó
constante anciã, abelha doméstica, operária invencível.
Tão
pobre é vossa casa, tão ricos os vossos dotes,
que
eu trocaria todos os meus bens por essa modesta oficina,
onde
vossas mãos vibram como uma taça de prata
despedaçada.
Ah,
que destino leve, que imperceptível revoada de anjos
em
torno de vós adeja — artesã das horas reinventadas.
Sob
vossa cabeça curva, sob vossa nuca caída,
jaz
meu coração morto e esburacado.
3.
Já
é noite
e
ela a tanger os bilros como um pastor de ovelhas;
cantando
uma velha canção, mas de que época?
Talvez
uma canção de amor, dita em segredo.
Como
o pastor tardo, vai o rebanho tangendo,
na
ondulação do campo e do ritmo cadente da marcha,
também
murmurando uma canção, úmida e sombria,
sob
a neve do crepúsculo, mas de que época passada?
E
vai a rendeira recolhendo a lã de seu novelo
alva
como os cachos de leite da lua
sob
o balir das ovelhas que ressoa em meus ouvidos.
As
estrelas se acendem
e
ela a trocar os bilros sob a luz da lamparina
e
há uma fada invisível dobradas sobre seus joelhos
imitando,
como os bilros da sombra, os gestos da
anciã-rendeira.