Cláudio Alex
Farol Escarlate
I
Ah sim... sou eu...
Estava aqui pensando que a tarde invernal
poderia, como solar, trazer-te.
Boa tarde... sempre te espero.
Tua voz de garota, agora, comendo bolo.
Sim... te amo toda
Toda te quero.
Sempre.
Ah! O feitiço do amor prometido eterno.
A certeza do Sol e Lua gêmeos.
Que se apague a luz no eclipse
para que se amem nos escuro
esses dois amantes.
Pois o destino aperta o laço.
Estás de volta?
Chegou agosto... como disseram as cartas.
As cartas de tarot.
De novo aquela proximidade de alma.
O elo sensorial das coisas
que te trazem para junto e te mantêm comigo.
Cá estou eu, sábado,
fones no ouvido,
na tua mesma freqüência.
Sim, estou de novo dentro de ti.
Sim, estou aqui de novo
com essa coisa que preenche tudo.
Sim, te amo, sempre te amo
isso nunca irá acabar.
II
Cansada de atender
ao que lhe exige o comportamento.
Na rigidez dos dias, sem motivo,
sem o sol das hora hipotéticas,
sem o sol do brilho das clarezas.
Confusa!
Espécie perdida entre os afazeres.
Numa casa perdida aos acasos.
Numa cidade menor do que o próprio instinto.
Um confinamento no ermo atrás das nuvens.
O que se encontra atrás das nuvens?
O amor perdido em páginas de mensagens?
Onde está ele agora?
Onde ela está?
O frio de todos os invernos
a carcomer as fibras dos nervos.
Onde está a dona de si mesma?
Onde está a última tentação da carne?
Onde está o filho do acaso perdido na última morada?
A morada da última felicidade.
Percorrer as alamedas de volta prá casa.
Percorrer a aléas de volta prá si.
Tornar a encontrar-se, consigo, num dia futuro.
Beber aquela água, da mesma fonte,
até então envolta pela macegas de seus receios.
Estás de novo de volta.
Queres de novo a si mesma.
Retomar o tema do amor inacabado...
e a sinfonia da mulher que és.
Quem foi ela?
Onde estão aquelas manhãs?
Onde o sol brilhava diferente?
Quando a vida parecia ter a cor das horas?
Onde estiveste nesse exílio de ti?
Sim, percorrer os caminhos de volta...
É necessário ser.
Ou teu destino será ser apenas um resto de si?
E permanecer num eterno ter a fazer?
Eu hoje numa outra estação,
aguardo o comboio que te trás de volta.
Outra vida, outra plataforma.
Outra parada do além-sempre.
...da continuidade vital.
Da vida que sempre nos exige
o extrato contábil do ser nós mesmos.
Aguardo teu trem chegar
com a tranqüilidade na alma
de quem aprendeu que toda hora chega.
...e que o comboio sempre chega.
Tranqüilo na plataforma,
um homem diferente,
mas dentro de tua essência.
Dono de uma amor mais maduro.
Dono de mim, espero tua chegada.
Não, não é retorno.
É uma nova chegada.
É uma nova mulher
que encontra um novo homem
numa gare do destino.
O que persiste dentro de ambos é o amor.
O mesmo amado amor que ensinou a ser
Algo mais que a soma das vidas.
Que não se conteve dentro do frasco imposto
e, volátil, escapou, percolou os interstícios,
atravessou as distâncias e se misturou num éter
que sou eu e que és tu...
o dois-um transformado...
e que resiste a tudo.
Não... não existem recipientes que nos contenham!
Atravessaremos por todas as frestas...
Porque sempre haverá um meio
de recuperar a felicidade apenas adiada.
III
Você sabe onde está?
Ensina-me o caminho
para ir te buscar.
Eu preciso te encontrar
e te mostrar de ti.
Deitar minha voz em teus ouvidos.
Deitar meu olhar em seus olhos.
Sobre ti.
E fazer-te lembrar de ti.
Quem é você?
Ainda te lembra?
Percebes o exílio?
O que seria de ti
ao encontrar teu espelho
refletido em meus olhos.
Onde estão teus olhos?
Para onde olham agora?
E o que vêem?
Vislumbram o encanto das horas?
Percebem as cores da manhã?
Pressentem a magia dos momentos?
Sabem do toque intuído no bico do seio?
Sentem aquela emoção de encontrar o querido?
Do dia-após-dia que não cansa nunca?
Daquilo que sempre conduz a mais?
Ai... quanta saudade!
Quanta saudade de abranger-te, completa,
em meus braços.
Quanta ansiedade de saber-se pleno
de um amor infinito.
Não, não se corrói com a passagem das horas.
Não, não se dilui com o encanto das águas.
Eu estou aqui, renovado, mas teu.
Eu estou aqui e sou teu.
Espero o momento do reencontro,
pois sou teu,
permaneço teu,
sempre serei teu.
IV
Por que vacilas?
Fizestes tanto e agora
esboças desencanto.
Por que se embrenhar
nas malhas de seu medo?
Você já sabe que sempre é tarde,
Que nunca é cedo?
Que o momento é quando
se sente as veias palpitando.
E que o tempo deixado
jamais poderá ser reparado.
V
A noite traz-me o cheiro dos bálsamos.
O odor dos campos, a brisa das florestas.
As almas que pactuam o local do encontro,
acima das nuvens, por demais atalhos.
O fino eriçar dos pelos de tuas coxas.
O suave murmúrio oriundo de teu ventre.
De repente tudo é pele.
A seda das manhãs
tocadas pelo sol de inverno.
Noite e dia encontram-se no quarto.
O silêncio suburbano
entrecortado pelos fogos dos balões.
O fino estremecer dos músculos incautos.
O mover das pernas que abrem passagem
para que se mate a sede
de todos os dias aziagos.
O farfalhar das cobertas
num repente abandonadas ao lado.
VI
Um vale de luzes sob a janela.
Debruço na madrugada o meu hálito...
A febre de uma bronquite mal curada
a derramar espasmos sobre as estrelas.
Estou longe, sim, estou longe.
Nesta madrugada me perdes um pouco.
Sobra-me, no entanto, à luz das aparências...
Move-me a paz do silêncio através dos éteres.
Saio de mim, percorro as asas.
As vagas que incendeiam
as torres das refinarias
ao longe desse horizonte.
As contas dos colares das luzes da cidade.
O vento frio do último estertor de inverno.
O farol escarlate da usina.
A fumaça fabril do céu suburbano.
Estou aqui... estou aqui...
Estou longe do alcance de tuas buscas.
Longe do teu olhar e ouvido perscrutador.
Mas eu estou em teu silêncio
dessa noite de solidão,
vivência do desperdício,
da cidade, um precipício,
de ser mais uma noite vazia.
VII
As nuvens construíram um teto baixo...
sei que teu vôo perfura o céu
acima das nuvens.
Enquanto permaneço aqui
onde tudo é tão longe
e a viagem nunca começa.
Estou preso ao meu nada.
Atado ao rodapé dos vazios.
Onde eu tenho para ir?
Quais são os caminhos do vácuo?
Resta o amanhã de tudo:
as horas mortas de tuas tardes,
onde te lembres de ti;
onde juntas os fragmentos
e refaz-se o todo de ti.
Como se perder no cotidiano?
Fácil... quando o dia-a-dia apaga
o fogo de até mesmo existir.
- Não sou infeliz!
Mas não és feliz!
O que te resta na abundância?
Diga-me o dia de ir.
Abre a porta do teu endereço
quando fores dona de si mesma.
VIII
No horizonte, o farol escarlate
conduz o navegante no meio do sonho.
Minhas ninfas me tragam.
Minha ninfa do ar.
Minha ninfa do mar.
Façam de mim maresia!
Construam de mim
uma mistura do todo.
Que emoção e imaginação
se complementem.
Espelhos de beleza
reflitam meus olhos claros!
Dêem-me alas e ondas...
e eu, gaivota, em vôo de luz,
misturo-me em vós,
na prise da fragrância de ambas.
Minhas musas me formam
idólatra de suas belezas.
Cá está o mar em que mergulho!
Cá estão as alas com que vôo!
Aqui, perto, eu sei.
No meio da noite
o farol escarlate
aponta essa certeza.
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