Almeida Garret

As Minhas Asas (1884?)

Eu tinha umas asas brancas, Asas que um anjo me deu, Que, em me eu cansando da terra, Batia-as, voava ao céu. — Eram brancas, brancas, brancas, Como as do anjo que mas deu: Eu inocente como elas, Por isso voava ao céu. Veio a cobiça da terra, Vinha para me tentar; Por seus montes de tesouros Minhas asas não quis dar. — Veio a ambição, co'as grandezas, Vinham para mas cortar, Davam-me poder e glória; Por nenhum preço as quis dar. Porque as minhas asas brancas, Asas que um anjo me deu, Em me eu cansando da terra, Batia-as, voava ao céu. Mas uma noite sem lua Que eu contemplava as estrelas, E já suspenso da terra, Ia voar para elas, — Deixei descair os olhos Do céu alto e das estrelas... Vi entre a névoa da terra, Outra luz mais bela que elas. E as minhas asas brancas, Asas que um anjo me deu, Para a terra me pesavam, Já não se erguiam ao céu. Cegou-me essas luz funesta De enfeitiçados amores... Fatal amor, negra hora Foi aquela hora de dores! — Tudo perdi nessa hora Que provei nos seus amores O doce fel do deleite, O acre prazer das dores. E as minhas asas brancas, Asas que um anjo me deu, Pena a pena me caíram... Nunca mais voei ao céu.

Material Coligido por Ricardo Madeira - ricmadeira@mail.telepac.pt


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